17.2.07

Portugal


No Pap'Açorda, em Lisboa, o romancista Leandro Müller, o poeta Gastão Cruz, eu e o poeta Eucanaã Ferraz



Do dia 6 a 16 de fevereiro estive em Portugal. É o que explica o fato de que este blog tenha estado, nesse período, relativamente inativo.

Em Póvoa do Varzim, cidade próxima ao Porto, participei, pela segunda vez, do encontro anual de escritores de expressão ibérica Correntes D'Escritas, magistralmente coordenados por Manuela Costa Ribeiro e Francisco Guedes. Mais uma vez, esse encontro me deu a oportunidade extraordinária de conviver com escritores que admiro, conhecer novos e reencontrar velhos amigos, e trocar idéias não só sobre a literatura, mas sobre todas as coisas e mais algumas. Correndo o risco de esquecer pessoas entretanto inesquecíveis, destaco as presenças de Ana Paula Tavares, de Angola, de Carlos Quiroga, da Galiza, de Enrique Vila-Matas e Perfecto Cuadrado, da Espanha, e de Fernando Pinto do Amaral, Helder Macedo, Inês Pedrosa, Lídia Jorge, Onésimo Teotónio de Almeida e Ana Luíza Amaral, de Portugal. Ana Luíza recebeu o principal prêmio literário das Correntes D'Escritas pelo seu belo livro A gênese do amor. Foi premiado também o jovem escritor Nuno Atalaia Rodrigues, de quem provavelmente ainda ouviremos muito. Os brasileiros em Póvoa fomos eu, o poeta Eucanaã Ferraz e a escritora Nélida Piñon, que pronunciou a conferência de abertura, "A memória secreta da mulher".

Depois das Correntes D'Escritas, Eucanaã Ferraz e eu fomos para Lisboa, onde, no dia 12, na Fundação Luso-Brasileira de Cultura, em seguida a uma mesa sobre poesia com os poetas portugueses Pedro Tamen e Gastão Cruz, foram pronunciadas, pela ensaísta e professora na Universidade do Porto, Rosa Maria Martelo, belas e perspicazes apresentações do meu livro de ensaios Finalidades sem fim e do livro de poemas de Eucanaã, Rua do mundo, cujas edições portuguesas, da Editora Quasi, acabam de ser lançadas.

No dia seguinte, assistimos ao extraordinário desempenho de Pedro Cardoso no seu O autofalante, no teatro A Barraca. Em seguida ao espetáculo, no bar do teatro, após sermos apresentados ao público pelo maravilhoso ator e recitador de poesia Changuito, fizemos uma leitura de poemas. Eucanaã leu coisas suas, li coisas minhas e Pedro Cardoso leu trechos de Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima.

Hoje, no jornal Expresso, de Lisboa, o crítico literário Francisco Belard, escrevendo sobre as Correntes D'Escrita, intitula seu artigo "Póvoa, rua do mundo". Cito a seguir o trecho em que ele se refere a mim e a Eucanaã:

"O título a que recorro acima é porém tomado a Eucanaã Ferraz, poeta brasileiro que uma vez mais nos visitou, para apresentar Rua do Mundo (Quasi, 2007). Mas também ele o tomou de empréstimo à lisboeta Rua do Mundo (ou de «O Mundo», jornal extinto), hoje Rua da Misericórdia, como ressalta do poema com o mesmo título. Nessa rua viveu Luiza Neto Jorge, como Eucanaã sabe e lembrou. É o quarto livro do autor (a edição brasileira é de 2004) e o segundo a sair entre nós, depois de Desassombro (2001). Uma leitura penetrante da sua obra em relação com outras poéticas é feita no posfácio por Rosa Maria Martelo.

"Eucanaã é um dos autores a quem outro brasileiro presente na Póvoa, Antonio Cicero, agradece «sugestões e estímulo» na introdução à recolha de ensaios Finalidades sem Fim (Quasi, 2007, dedicando-lhe um deles, «Poesia e filosofia»), um dos mais importantes livros que por ali passaram sem dar muito nas vistas, o que não causa espanto, pois os romances e os romancistas costumam provocar maior alarido e atraem mais pedidos de autógrafos e de entrevistas. Já ali encontráramos Cicero, com os poemas de A Cidade e os Livros (2006) e um CD brasileiro de poesia dita por ele. Se andássemos à procura de coincidências, podíamos notar que a frase de Blanchot segundo a qual a literatura se encaminha «para a sua essência, que é o desaparecimento» (1959), surge num dos estudos de Cicero e no texto ficcional de Vila-Matas Doutor Pasavento (Teorema, 2007). Nenhum deles mostra aderir à frase, que em Vila-Matas podia mesmo desviar-se do uso metafórico para ser o recurso literal de um tema, o desaparecimento físico, que assombra parodicamente ficções do escritor barcelonês. Mas esses dois autores, cujas obras não podiam ser mais diferentes, manifestam aguda consciência da literariedade, do espaço literário ou da experiência dos limites e ainda da reflexão crítica e respectiva subversão."

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