1.2.07

Os modernos e os antigos

Alguns amigos disseram ter achado obscura uma carta que enviei à Folha de São Paulo, publicada ontem (31/01). Receio que estejam certos. Preocupado em ser muito sucinto, eu talvez tenha sido pouco claro. Uma das vantagens do blog é ser um espaço em que se pode expender livremente as idéias.
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Trata-se do seguinte. Em entrevista concedida em 27/01 à Folha (Ilustrada, pag. E1), o professor Luiz Felipe Pondé, da PUC de São Paulo, afirmando que a pretensão dos modernos a saber mais do que os antigos causa "risadas numa mente conservadora", compara a modernidade a uma arrogante adolescente de 14 anos que entra numa empresa, joga fora o que foi feito até hoje e começa a inventar todos os procedimentos. Desse modo, ele está usando um desgastado topos, segundo o qual a Modernidade seria uma jovem pretensiosa que despreza a sabedoria e a experiência da Antigüidade e da Idade Média, mais velhas. O que eu quis fazer foi mostrar que essa metáfora já havia sido desmontada pelo menos desde o século 16, de modo que "causa risadas numa mente moderna". Por isso citei Giordano Bruno e Francis Bacon. Com a preocupação de ser compacto – pois tratava-se de uma carta de leitor, que deve ser breve – não comentei as citações, de modo talvez tenha deixado pouco claro um argumento que normalmente poderia ser entendido até por uma criança.
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O que Bacon afirma (no Novum Organum, livro I, aforismo 84) é que "a velhice do mundo, que deve ser tida como a verdadeira antiguidade, é atributo dos nossos tempos, não da idade mais jovem do mundo, em que os antigos viviam". Quanto a Bruno, quando um dos personagens do seu diálogo "Cena de le ceneri" (dialogo primo) diz preferir não discordar do parecer dos antigos "porque na antiguidade está a sapiência", o outro responde, com razão: "Se você entendesse bem o que diz, veria que do seu fundamento se infere o contrário do que pensa. Quero dizer que somos mais velhos e temos mais idade do que os nossos predecessores".
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Uma simples analogia pode ilustrar o raciocínio desses pensadores. Um retrato de quando eu tinha dois anos de idade é velho, é antigo, para mim; no entanto, sou mais velho – logo sou mais antigo – e tenho mais experiência hoje do que naquela época. Analogamente, a humanidade da época de Péricles é antiga para nós, de modo que dizemos fazer parte da Antiguidade; no entanto, a humanidade da nossa época, isto é, da época moderna, é mais velha – logo mais antiga – e tem mais experiência do que a da época de Péricles.
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Pondé devia prestar atenção ao que dizem os antigos.

3 comentários:

Marcus Preto disse...

Cicero, querido!

Que grande alegria saber desse blog e passar a frequentá-lo.

E é interessante como esta sua carta à "Folha" (ou a retomada de seu tema aqui no blog) tem conexão absoluta com o belíssimo poema postado abaixo, "Balanço".
Ou quase tem com momentos da entrevista acima, "aprendi desde criança...".

Até breve,
grandes beijos

Anônimo disse...

Querido Cicero,
Adorei a novidade, já que é uma otima opção de ter acesso a sua sensebilidade de poeta.

Grande beijo

Carlinhos - Sgae.

Ps. Sentimos muita falta da sua presença

Carlos disse...

Cícero querido,

que ótimo você em blog!

Vou freqüentar.

Por coincidência, li há coisa de um mês um conto do Tolstoi, "O Diabo", que tem uma definição muito boa sobre a "mente conservadora":, tangente à discussão que vc propõe:

"É geralmente suposto que conservadores sejam os velhos, e que aqueles a favor das mudanças sejam os jovens. Isto não é exatamente correto. Conservadores são usualmente pessoas jovens, aquelas que querem viver, mas que não pensam sobre como viver, e que nem têm tempo de pensar, e que assim tomam como modelo para eles mesmos um modo de vida pré-existente."

Beijos