O livro de sombras de
Luciano Figueiredo
1
Para onde vou, de onde
vim?
Não sei se me acho ou
me extravio.
Ariadne não fia o seu
fio
à frente, mas sim atrás
de mim.
Não será a saída um
desvio
e o caminho o
verdadeiro fim ?
2
Não é hora de regressos
Não é hora
3
É certo que me perco em
sombras
e que, isolado em minha
ilha,
já não me atingem as
notícias
dos jornais a falar de
bolsas,
modas, cidades que
soçobram,
crimes, imitações da
vida
ou da morte televisiva,
quadrilhas, teias
penelópicas
de horrores ou de
maravilhas
que dia a dia se
desfiam
e fiam sem princípio ou
fim
novíssimas novas
artísticas,
científicas,
estatísticas...
E há na noite quente um
jasmim.
4
É aqui, mais real que
as notícias, na própria
matéria, na dobradura
de uma folha
em que se refolha este
meu coração
babilônico, na
configuração
da mancha gráfica sobre
a tessitura
do papel tensionado, ou
onde se apura
o lusco- fusco
produzido por linhas
e entrelinhas, entre o
preto e o branco e o cinza,
onde cada ideia, cada
ponto e vírgula
dos trabalhos e das
noites se confunde
com miríades de pontos
de retícula
e meios-tons de clichês,
entre o passado
que jamais está passado
e alguns volumes,
linhas e planos apenas
esboçados,
que súbito os elementos
mais dispersos
se articulam,
claro-escuro filme negro,
entre a pura
matemática, o acaso
e a arte (esta árvore
já foi vestido
de mulher) onde o delírio
é mais preciso,
transparece o meu
jornal imaginário.
5
Para onde vou, de onde
vim?
Não sei se me acho ou
me extravio.
Ariadne não fia o seu
fio
à frente, mas sim atrás
de mim.
Não será a saída um
desvio
E o caminho o verdadeiro fim?
CICERO, Antonio. "O Livro de Sombras de Luciano Figueiredo". In:_____. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2012.
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