31.12.15

Antonio Cicero: "Desejo"




Desejo

Só o desejo não passa
e só deseja o que passa
e passo meu tempo inteiro
enfrentando um só problema:
ao menos no meu poema
agarrar o passageiro.




CICERO, Antonio. "Desejo". In:_____. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2013.

25.12.15

Algernon Charles Swinburne: de "The Garden of Proserpine" / de "O Jardim de Proserpina": trad. de Arthur Nogueira




From too much love of living

From too much love of living,
From hope and fear set free,
We thank with brief thanksgiving
Whatever gods may be
That no life lives for ever;
That dead men rise up never;
That even the weariest river
Winds somewhere safe to sea.



SWINBURNE, Algernon Charles. From "The Garden of Proserpine". In:_____. Poems and ballads & Atalanta in Calydon. Org. por Kenneth Haynes. London: Penguin Books, 2000.




Por amar demais esta vida

Por amar demais esta vida,
Sem nada a esperar ou temer,
Eis aqui a graça devida
A seja lá que deus houver
Por vida alguma ser eterna;
Por morto algum sair da terra;
E até porque o rio que erra
Um dia alcança um mar qualquer.



Tradução de Arthur Nogueira

22.12.15

Sylvio Fraga: "Retrato em Veneza"




Retrato em Veneza

O fim do dia é nosso,
o cano vermelho no muro
desvia a bola
do menino, a placa
indica um gancho suave
no peito em direção
a nossos pais,
resistimos, voltamos
quase bêbados
para fazer um filho
e no último instante
perder coragem.
Seu rosto tem uma
luz de uísque,
dependendo da luz.



FRAGA, Sylvio. "Retrato em Veneza". In:_____. Cardume. Rio de Janeiro: 7 letras, 2015.

19.12.15

T.S. Eliot: "Ash-Wednesday" / "Quarta-feira de Cinzas": Ivan Junqueira (trad.)




Ash-Wednesday

I

Because I do not hope to turn again
Because I do not hope
Because I do not hope to turn
Desiring this man's gift and that man's scope
I no longer strive to strive towards such things
(Why should the aged eagle stretch its wings?)
Why should I mourn
The vanished power of the usual reign?


Because I do not hope to know again
The infirm glory of the positive hour
Because I do not think
Because I know I shall not know
The one veritable transitory power
Because I cannot drink
There, where trees flower, and springs flow, for there is nothing again


Because I know that time is always time
And place is always and only place
And what is actual is actual only for one time
And only for one place
I rejoice that things are as they are and
I renounce the blessed face
And renounce the voice
Because I cannot hope to turn again
Consequently I rejoice, having to construct something
Upon which to rejoice


And pray to God to have mercy upon us
And pray that I may forget
These matters that with myself I too much discuss
Too much explain
Because I do not hope to turn again
Let these words answer
For what is done, not to be done again
May the judgement not be too heavy upon us


Because these wings are no longer wings to fly
But merely vans to beat the air
The air which is now thoroughly small and dry
Smaller and dryer than the will
Teach us to care and not to care
Teach us to sit still.


Pray for us sinners now and at the hour of our death
Pray for us now and at the hour of our death.



ELIOT, T.S. "Ash-Wednesday". In:_____. Collected poems 1909-1962. London: Faber and Faber, 1963.



Quarta-feira de Cinzas

I

Porque não mais espero retornar
Porque não espero
Porque não espero retornar
A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto
Não mais me empenho no .empenho de tais coisas
(Por que abriria a velha águia suas asas?)
Por que lamentaria eu, afinal,
O esvaído poder do reino trivial?

Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma

Porque sei que o tempo é sempre o tempo
E que o espaço é sempre o espaço apenas
E que o real somente o é dentro de um tempo
E apenas para o espaço que o contém
Alegro-me de serem as coisas o que são
E renuncio à face abençoada
E renuncio à voz
Porque esperar não posso mais
E assim me alegro, por ter de alguma coisa edificar
De que me possa depois rejubilar

E rogo a Deus que de nós se compadeça
E rogo a Deus porque esquecer desejo
Estas coisas que comigo por demais discuto
Por demais explico
Porque não mais espero retornar
Que estas palavras afinal respondam
Por tudo o que foi feito e que refeito não será
E que a sentença por demais não pese sobre nós

Porque estas asas de voar já se esqueceram
E no ar apenas são andrajos que se arqueiam
No ar agora cabalmente exíguo e seco
Mais exíguo e mais seco que o desejo
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.

Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte
Rogai por nós agora e na hora de nossa morte.



ELIOT, T.S. "Quarta-feira de Cinzas". In:_____. Poesia. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.




16.12.15

Friedrich Hölderlin: "Das Unverzehliche" / "O imperdoável": trad. Paulo Quintela




O imperdoável

     Se vós, amigos, esqueceis, se escarneceis o artista,
     E entendeis de modo mesquinho e vulgar o espírito mais fundo,
     Deus perdoa-vo-lo; mas não perturbeis
     Nunca a paz dos que se amam.




Das Unverzeihliche

Wenn ihr Freunde vergeßt, wenn ihr den Künstler höhnt,
Und den tieferen Geist klein und gemein versteht,
Gott vergibt es, doch stört nur
Nie den Frieden der Liebenden.



HÖLDERLIN, Friedrich. "Das Unverzeihliche"/"O imperdoável". In: QUINTELA, Paulo (org. e trad.). Hölderlin: poemas. Coimbra: Atlântida, 1959.

14.12.15

Machado de Assis: "Soneto de Natal"



Soneto de Natal

Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"



ASSIS, Machado de. "Soneto de Natal". In:_____. "Ocidentais". In:_____. Obra completa, vol.III. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973. 

12.12.15

Pedro Du Bois: "Partir"




Partir

Sinto a hora: a partida invade a espera
despedaçada. Retornar é o remédio
na prescrição sábia do entorno.

Sou errante
colocado sobre cidades
emparedadas: sonho
idas
e desprezo
voltas.

Tortos ângulos
tergiversam respostas:
a aposta se distancia
e me perco
em cartas mal amadas.




BOIS, Pedro Du. "Partir". In:_____. O livro infindável e outros poemas. Mossoró: Sarau das Letras, 2015.


10.12.15

Lêdo Ivo: "A saudação"




A saudação

Todo anonimato
tem os seus limites.
O melhor disfarce
não esconde nada.

Usar uma máscara
a ninguém evita
ser reconhecido
em plena avenida.

Segredo e silêncio
são engano e vento.
Quando à noite passo

pela praça, a estátua
desce o pedestal
e me cumprimenta.



IVO, Lêdo. "A saudação". In:_____. Antologia poética. Porto: Edições Afrontamento, 2012.

7.12.15

Màximo Simpson: "La fuente" / "A fonte": trad. Jair Ferreira dos Santos



A fonte

É pálida, violácea, transparente,
é rubra mas verde,
é azul mas emana rupturas de desejo.
É única talvez,
ou é múltipla, incorpórea.
Não é ausência nem olvido,
e espreita de longe, de perto,
de dentro do náufrago e seu traje.
É o centro sem centro da dor,
a fonte inexplicável dos dias que passam.




La fuente

Es pálida, violácea, transparente,
es roja pero es verde,
es azul pero emana rupturas del deseo.
Es única tal vez,
o es múltiple, incorpórea.
No es ausencia ni olvido,
y acecha desde lejos, desde cerca,
desde dentro del náufrago y su traje.
Es el centro sin centro del dolor,
la fuente inexplicable de los días que pasan.




SIMPSON, Máximo. "La fuente" / "A fonte". Trad. de Jair Ferreira dos Santos. In: Candido. Jornal da Biblioteca Pública do Paraná, nº 52, novembro de 2015.

5.12.15

Cecília Meireles: "Homem que descansas à sombra das árvores"




Homem que descansas à sombra das árvores

Homem que descansas à sombra das árvores,
com um cesto de frutas cercado de abelhas,
a camisa aberta, o sol derramando
pela tua barba pétalas vermelhas,

– vires de tão longe, do reino da Fábula
para adormeceres nesta humilde estrada!
De onde são teus sonhos? De que céus e areias?
Que é da tua vida, ó sultão do nada?



MEIRELES, Cecília. "Homem que descansas à sombra das árvores". In:_____. "Canções". In:_____. Obra poética. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1967.

3.12.15

Dylan Thomas recita "And death shall have no dominion"


Ouçam o poeta Dylan Thomas a ler seu poema "And death shall have no dominion", cujo texto, em inglês e em português, na tradução de Augusto de Campos, encontra-se na postagem anterior:



Dylan Thomas: "And death shall have no dominion" / "E a morte não terá domínio": trad. Augusto de Campos





And death shall have no dominion

And death shall have no dominion.
Dead man naked they shall be one
With the man in the wind and the west moon;
When their bones are picked clean and the clean bones gone,
They shall have stars at elbow and foot;
Though they go mad they shall be sane,
Though they sink through the sea they shall rise again;
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
Under the windings of the sea
They lying long shall not die windily;
Twisting on racks when sinews give way,
Strapped to a wheel, yet they shall not break;
Faith in their hands shall snap in two,
And the unicorn evils run them through;
Split all ends up they shan't crack;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
No more may gulls cry at their ears
Or waves break loud on the seashores;
Where blew a flower may a flower no more
Lift its head to the blows of the rain;
Though they be mad and dead as nails,
Heads of the characters hammer through daisies;
Break in the sun till the sun breaks down,
And death shall have no dominion.



E a morte não terá domínio

E a morte não terá domínio.
Nus, os mortos há de ser um.
Com o homem ao léu e a lua em declínio.
Quando os ossos são só ossos que se vão,
Estrelas nos cotovelos e nos pés;
Mesmo se loucos, há de ser sãos,
Do fundo do mar ressuscitarão
Amantes podem ir, o amor não.
E a morte não terá domínio.

E a morte não terá domínio.
Sob os turvos torvelinhos do mar
Os que jazem já não morrerão ao vento,
Torcendo-se nos ganchos, nervos a desfiar,
Presos a uma roda, não se quebrarão,
A fé em suas mãos dobrará de alento,
E os males do unicórnio perderão o fascínio,
Esquartejados não se racharão
E a morte não terá domínio.

E a morte não terá domínio.
Os gritos das gaivotas não mais se ouvirão
Nem as ondas altas quebrarão nas praias.
Onde uma flor brotou não poderá outra flor
Levantar a cabeça às lufadas da chuva;
Embora sejam loucas e mortas como pregos,
Testas tenazes martelarão entre margaridas:
Irromperão ao sol até que o sol se rompa,
E a morte não terá domínio.




THOMAS, Dylan. "And death shall have no dominion" / "E a morte não terá domínio". Trad. Augusto de Campos. In:_____. CAMPOS, Augusto de. Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.

1.12.15

Eduardo Tornaghi: "Graal"





Graal

Há uma outra leitura
Dentro de cada poema.
Não se contente nunca
Com um sentido apenas.

Há na superfície mesmo
Escondida nas obviedades,
Nas tônicas, nos termos,
Nas vírgulas, na sintaxe,

Uma pulsação que exala
O mistério das sensações,
uma alguma outra fala
que salta de formas e sons.

Sentidos muitos se tramam
em teias, em redes, impulso
onde o que nos humana
Goza ao tocar o oculto.



TORNAGUI, Eduardo. "Graal". In:_____. Matéria de rascunho: poemas. Rio de Janeiro: Edição 00 (duplo zero), 2011.