1.5.13

Carlos Drummond de Andrade: "Fraga e sombra"





Fraga e sombra

A sombra azul da tarde nos confrange.
Baixa, severa, a luz crepuscular.
Um sino toca, e não saber quem tange
é como se este som nascesse do ar.

Música breve, noite longa. O alfanje
que sono e sonho ceifa devagar
mal se desenha, fino, ante a falange
das nuvens esquecidas de passar.

Os dois apenas, entre céu e terra,
sentimos o espetáculo do mundo,
feito de mar ausente e abstrata serra.

E calcamos em nós, sob o profundo
instinto de existir, outra mais pura
vontade de anular a criatura.





ANDRADE, Carlos Drummond de. “Cidadezinha qualquer”. In:_____. Poesia 1930-62. Edição crítica preparada por Júlio Castañon Guimarães. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

3 comentários:

Dalva M. Ferreira disse...

Preciso tanto conhecer melhor Drummond! Lindo sentimento...

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,


Drummond é tudo de bom! Belíssimo!



Abraço forte,
Adriano Nunes

Nobile José disse...

essa angústia de quem já morou em uma cidadezinha qualquer - dela conheço bem...