31.7.12

Harold Alvarado Tenorio: "En espera del gran dia" / "À espera do grande dia"




En espera del gran dia

Gran vida que todo das y todo quitas
ni siquiera él recuerdo quedará en nuestros huesos
ni siquiera la música del violín de Mendelssohn.


À espera do grande dia

Grande vida que tudo dás e tudo tomas
nem sequer a lembrança ficará em nossos ossos
nem sequer a música do violino de Mendelssohn.



TENORIO, Harold Alvarado. Summa del Cuerpo. Bogotá: Deriva Ediciones, 2002.

28.7.12

Fernando Pessoa / Alberto Caeiro: "O mistério das coisas, onde está ele?"

XXXIX

O mistério das coisas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio e que sabe a árvore
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as coisas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as coisas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: -
As coisas não têm significação: têm existência.
As coisas são o único sentido oculto das coisas.



PESSOA, Fernando. "O Guardador de Rebanhos". In_____.  Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

22.7.12

Lançamento de "Poesia e filosofia", de Antonio Cicero, e "Clarice Lispector: uma literatura pensante", de Evando Nascimento







23 de julho, segunda-feira:

18h. Conversa sobre as relações entre literatura e filosofia.
Participantes: Antonio Cicero, Evando Nascimento e Noemi Jaffe

19h30. Sessão de autógrafos e coquetel

Casa do Saber / Livraria da Vila
Rua Dr. Mario Ferraz, 414, Jardins SP

21.7.12

Octavio Paz: de "Poesia e modernidade"




O mundo de Dante era finito e por isso pôde traçar a geografia do inferno, do purgatório e do paraíso. Mas esse mundo limitado era eterno: os homens estavam destinados a viver pelos séculos dos séculos e, depois do Juízo Final, sem experimentar mudança alguma. A eternidade dissipa o tempo e a sucessão. Seremos para sempre o que somos. Nisso consiste a diferença radical entre o mundo medieval e o moderno. O cristão medieval vivia num espaço finito e estava destinado à eternidade dos bem-aventurados ou dos réprobos; nós vivemos num universo infinito e estamos destinados a desaparecer para sempre. Nossa condição é trágica num sentido que nem os pagãos da Antiguidade nem os cristãos da Idade Média suspeitaram.



PAZ, Octavio. "Poesía y modernidad". In:_____. La otra voz. Poesía y fin de siglo. Barcelona: Seix Barral, 1990.

19.7.12

George Gordon Byron: de "Childe Harold": trad. de Augusto de Campos




113

O mundo eu não o amei, nem ele a mim;
Não bajulei seu ar vicioso, nem dobrei
Aos seus idólatras o joelho do sim. -
Meu rosto não abriu risos ao rei
Nem repetiu ecos; a turba, eu sei,
Não me inclui entre os seus. Vivi ao lado
Deles, porém sem ser da sua grei;
E à mortalha da sua mente atado
Estaria se não me houvesse precatado.


113

I have not loved the world, nor the world me;
I have not flatter'd its rank breath, nor bowed
To its idolatries a patient knee, --
Nor coined my cheek to smiles, nor cried aloud
In worship of an echo; in the crowd
They could not deem me one of such; I stood
Amongst them, but not of them; in a shroud
Of thoughts which were not their thoughts, and still could,
Had I not filed my mind, which thus itself subdued.



BYRON, George Gordon. "Childe Harold: From Canto III / Do canto III". In: CAMPOS, Augusto de (org. e trad.). Byron e Keats: Entreversos. Campinas: Unicamp, 2009.

17.7.12

Gertrude Stein: de "O que são as obras primas e porque são tão poucas?"




[...]
O que aos poucos se descobre é que não se tem identidade quando se está no ato de fazer alguma coisa. Identidade é reconhecimento, você sabe quem é porque os outros se lembram de alguma coisa sobre você, mas essencialmente você não é isso, quando está fazendo alguma coisa. Eu sou eu porque meu cachorrinho me conhece, mas, do ponto de vista criativo, o cachorrinho saber que você é você e você reconhecer que ele sabe é o que destrói a criação. É o que faz escola. Picasso uma vez comentou pouco me importa quem me influencia desde que não seja eu mesmo.
[...]


[...]
The thing one gradually comes to find out is that one has no identity that is when one is in the act of doing anything. Identity is recognition, you know who you are because you and others remember anything about yourself but essentially you are not that when you are doing anything. I am I because my little dog knows me but, creatively speaking the little dog knowing that you are you and your recognising that he knows, that is what destroys creation. That is what makes school. Picasso once remarked I do not care who it is that has or does influence me as long as it is not myself.
[...]



STEIN, Gertrude. "What are masterpieces and why are there so few of them?" In:_____. Writings and lectures. 1909-1945. Org. por P. Meyerowitz. Baltimore: Penguin Books, 1971.

15.7.12

Gastão Cruz: "Na poesia"




Na poesia

Na poesia procuro uma casa onde o eco
existe sem o grito que todavia o gera




CRUZ, Gastão. "Rua de Portugal e outros lugares". In: Os poemas (1960-2006. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009.

14.7.12

Novalis: Sobre a romantização




Ao dar ao comum um sentido elevado, ao usual um aspecto misterioso, ao conhecido a dignidade do desconhecido, ao finito uma aparência infinita, eu os romantizo.



Indem ich dem Gemeinen einen hohen Sinn, dem Gewöhnlichen ein geheimnisvolles Ansehen, dem Bekannten die Würde des Unbekannten, dem Endlichen einen unendlichen Schein gebe so romantisiere ich es.



NOVALIS. "Logologische Fragmente". In: Schriften. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1964, fr.105.

12.7.12

Marisa Gandelman: "O autor existe"




Recomendo a leitura do artigo "O autor existe", de Marisa Gandelman, Diretora Executiva da União Brasileira de Compositores, a todos os que se interessem pela questão dos direitos autorais hoje. Ele se encontra no seguinte URL: http://www.culturaemercado.com.br/pontos-de-vista/o-autor-existe-parte-i/.

11.7.12

Baquílides: "É com o outro que cada qual"









BACCHYLIDES. Fragment 5. In: CAMPBELL, David A. (org. e trad.). Greek Lyric, vol. IV. Cambridge, Mass.: Harvard U. Press, 1992.

9.7.12

Adonis: "Caminho"





Caminho

Caminho e atrás de mim caminham as estrelas
até seu próximo amanhã
o segredo, a morte, o que nasce, o cansaço
amortecem meus passos, avivam meu sangue.

Não iniciei a trilha, ainda
não vejo nenhum jazigo
caminho até mim mesmo, até
meu próximo amanhã
caminho e atrás de mim caminham as estrelas.



ADONIS. Poemas. Organização e tradução de Michel Sleiman. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

7.7.12

Lançamento do livro "Céu em cima / Mar em baixo", de Alex Varella





Terça-feira, 10 de julho, a partir de 19h, na Livraria da Travessa de Ipanema, será o lançamento do belíssimo livro de poemas Céu em cima / Mar em baixo, de Alex Varella.



6.7.12

Carlos Drummond de Andrade: "Perguntas"




Perguntas

Numa incerta hora fria
perguntei ao fantasma
que força nos prendia,
ele a mim, que presumo
estar livre de tudo,
eu a ele, gasoso,
todavia palpável
na sombra que projeta
sobre meu ser inteiro:
um ao outro, cativos
desse mesmo princípio
ou desse mesmo enigma
que distrai ou concentra
e renova e matiza,
prolongando-a no espaço
uma angústia do tempo.

Perguntei-lhe em seguida
o segredo de nosso
convívio sem contato,
de estarmos ali quedos,
eu em face do espelho,
e o espelho devolvendo
uma diversa imagem,
mas sempre evocativa
do primeiro retrato
que compõe de si mesma
a alma predestinada
a um tipo de aventura
terrestre, cotidiana.

Perguntei-lhe depois
por que tanto insistia
nos mares mais exíguos
em distribuir navios
desse calado irreal,
sem rota ou pensamento
de atingir qualquer porto,
propícios a naufrágio
mais que à navegação;
nos frios alcantis
de meu serro natal,
desde muito derruído,
em acordar memórias
de vaqueiros e vozes,
magras reses, caminhos
onde a bosta de vaca
é o único ornamento,
e o coqueiro-de-espinho
desolado se alteia.

Perguntei-lhe por fim
a razão sem razão
de me inclinar aflito
sobre restos de restos,
de onde nenhum alento
vem refrescar a febre
desse repensamento:
sobre esse chão de ruínas
imóveis, militares
na sua rigidez
que o orvalho matutino
já não banha ou conforta.

No vôo que desfere,
silente e melancólico,
rumo da eternidade
ele apenas responde
(se acaso é responder
a mistérios, somar-lhes
um mistério mais alto):

Amar depois de perder.





ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

2.7.12

Entrevista a Amarílis Lage




Há cerca de dez dias, concedi uma entrevista a Amarílis Lage, que usou alguns trechos da mesma em matéria intitulada "Um claro enigma", publicada no suplemento "Eu & Fim de Semana", do jornal Valor Econômico. Resolvi aqui postar a entrevista integral.


Entrevista a Amarílis Lage:




Amarlis Lage: Gostaria de começar abordando um tema sobre o qual vi você falar em uma entrevista na Globo News. Nela, você apontava uma diferença da poesia em relação à forma como lidamos com outros bens culturais: podemos desfrutar de uma música sem prestar muita atenção a ela, por exemplo, mas a poesia exige tempo, exige um mergulho. Por isso, seria “incompatível” com nosso tempo. Mas, também por isso, seria “necessária” ao nosso tempo. Achei essa ideia muito interessante e gostaria de entendê-la melhor. Hoje, é comum a impressão de que a poesia tem pouca visibilidade ou impacto (aliás, gostaria de saber se você compartilha essa impressão). Isso seria reflexo dessa incompatibilidade? A produção artística tem sido pressionada por aspectos como consumo e velocidade?

Antonio Cicero: Na aurora da cultura ocidental, na Grécia, a poesia era cantada. A poesia lírica se dava como letras de canções. Tudo indica que a poesia épica, como a de Homero, consistia num recitativo, isto é, numa espécie de rap. Nesse tempo, ela podia ser fruída passivamente, como hoje fruímos uma canção. Já a poesia escrita é diferente. Ela exige concentração. Ela consome tempo. Por isso, seu público sempre foi muito reduzido, em comparação com o público da poesia musicada. Hoje essa situação é mais dramática, pois nos encontramos presos a uma cadeia utilitária em que o sentido de cada coisa e pessoa que se encontra no mundo, o sentido inclusive de cada um de nós mesmos, é ser instrumental para outras coisas ou pessoas. Ninguém – nada – jamais vale por si, mas apenas como meio para outra coisa ou pessoa que, por sua vez, também funciona como meio para ainda outra coisa ou pessoa. Estamos praticamente o tempo todo trabalhando ou desempenhando, inclusive – e talvez sobretudo – através dos computadores, da Internet, dos celulares, dos tablets etc. Como ter tempo para a poesia? No entanto, parece que, justamente por isso, é ela que pode nos livrar, ao menos temporariamente, dessa cadeia, proporcionando-nos acesso a outra temporalidade. Ela representa uma alternativa à vida totalmente escravizada ao princípio do desempenho.

Enquanto pensava sobre isso, acabei me lembrando do papel que a internet pode ter. De modo geral, o mundo digital é muito associado a imediatismo e dispersão. Porém, algumas pessoas com as quais conversei consideram a internet um ambiente muito propício para a poesia. Um dos aspectos levantados foi o fato de tanto a poesia quanto o mundo virtual ultrapassarem a questão da linearidade. Outro, mais prático, se referia à facilidade para a divulgação de poemas, já que o espaço para a poesia seria restrito nas editoras e livrarias. Em sua opinião, a internet tem um efeito significativo sobre a produção, a divulgação ou a leitura de poesia no Brasil? Se sim, de que forma isso ocorre?


Sim. Como você observa, hoje qualquer um com acesso à Internet pode nela publicar seus poemas. Por outro lado, isso mesmo significa que os poemas de um poeta desconhecido provavelmente passarão despercebidos em meio a centenas de milhares de outros poemas de outros desconhecidos. E a Internet não propicia a atenção, mas a dispersão do internauta: o que significa também que ela não propicia as condições de concentração necessárias para a plena fruição da poesia.

Outra ideia com a qual tenho me deparado com frequência é a de que a poesia brasileira hoje vive um momento marcado pela diversidade. Você concorda com essa percepção ou vê pontos de convergência na boa poesia contemporânea? Havia de fato no passado (refiro-me, especificamente, ao século passado), uma percepção mais clara de quais eram os nomes e os modelos dominantes?

Há sem dúvida uma grande diversidade na poesia contemporânea. Não vejo nenhuma tendência dominante. Tampouco há modelos dominantes. Creio, entretanto, que o debate em torno do cânone poético continua, com o mesmo grau aproximado de concordância e discordância. Poucos hoje discordam, por exemplo, da importância de Bandeira, Drummond, Cabral, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Ferreira Gullar ou Augusto de Campos.

Vi uma entrevista na qual você dizia que “não há poesia contemporânea - ou melhor, não há boa poesia contemporânea - que se pretenda imune às influências vanguardistas”. De que forma essa influência se dá na boa poesia contemporânea? Lembro que você se referia à liberdade em relação ao uso das formas no poema. A influência se dá também em outros aspectos?

Antes da experiências das vanguardas era comum o fetichismo de determinadas formas poéticas. Uma sequência de versos que correspondesse a certas formas fixas – a um soneto, por exemplo – era já tida como um poema. Por outro lado, um texto que violasse certas regras tradicionais – que não consistisse de versos métricos, por exemplo – não era considerado um poema. Ao produzir textos que, violando essas regras tradicionais, não só pretendiam ser poemas, mas, efetivamente, funcionavam como verdadeiros poemas, as vanguardas mostraram a possibilidade da invenção de novas formas poéticas e superaram o fetichismo tradicional. Essas são as maiores lições que elas nos legaram. Além disso, os grandes poetas vanguardistas, como todos os grandes poetas, deixaram-nos poemas admiráveis, que muito nos ensinam sobre a poesia.

Ainda sobre o uso das formas – vejo que parte da crítica olha essa heterogeneidade com muita desconfiança. Posso exemplificar com trechos de um texto relativamente recente da Iumna Maria Simon publicado na Piauí: “O passado, para o poeta contemporâneo (...) ficou reduzido, simplesmente, à condição de materiais disponíveis, a um conjunto de técnicas (...) que podem ser repetidos, copiados e desdobrados”; “Até onde vejo, as formas poéticas deixaram de ser valores que cobram adesão à experiência histórica e ao significado que carregam”; “O poeta entra na dita contemporaneidade como um consumidor, que pode usar todas as formas disponíveis sem se comprometer”.
Essa tem sido uma questão central para a crítica no Brasil?
Que desafios e vantagens você acha que essa heterogeneidade traz para o poeta e para o leitor?


Sobre a primeira citação que você faz, isto é, “O passado, para o poeta contemporâneo (...) ficou reduzido, simplesmente, à condição de materiais disponíveis, a um conjunto de técnicas (...) que podem ser repetidos, copiados e desdobrados”, observo o seguinte. Desde sempre, o passado da poesia ofereceu aos poetas materiais e técnicas. Os poetas lírico gregos, como Píndaro, por exemplo, citavam em seus poemas versos inteiros de Homero. Atenaios dizia que as tragédias atenienses eram migalhas de Homero. O poeta romano Horácio se gabava de ter transplantado formas gregas para o latim. Os poetas contemporâneos fazem algo equivalente. Por que, porém, pensar que, na poesia contemporânea o passado “ficou reduzido” a materiais e técnicas, quando ele era muito mais que isso, para os antigos? Cada poeta tem sua relação singular com o passado, que jamais se reduz a técnicas ou materiais, embora também inclua estes. O que me parece redutiva é a leitura que Simon faz dos poetas contemporâneos.

Sobre a segunda citação, isto é, “Até onde vejo, as formas poéticas deixaram de ser valores que cobram adesão à experiência histórica e ao significado que carregam”, observo o seguinte. Formas jamais cobram coisa nenhuma. Um soneto tinha um sentido para Petrarca, outro, completamente diferente, para Ronsard, que se lixava para o sentido que o soneto tivera para Petrarca, outro, completamente diferente, para Góngora, que se lixava para o sentido que o soneto tivera para Ronsard ou Petrarca; e o mesmo pode ser dito, em relação a seus predecessores, de um soneto de Baudelaire ou de Mário de Andrade ou de Drummond, ou de Paulo Henrique Britto. No fundo, Simon é vítima do fetichismo da forma, que descrevi acima.

Sobre a terceira citação, isto é, “O poeta entra na dita contemporaneidade como um consumidor, que pode usar todas as formas disponíveis sem se comprometer”, observo o seguinte. Primeiro, todo produtor é também um consumidor. Segundo, em cada poema, tudo é conteúdo: e tudo é forma. É entre formas que se repetem e formas que não se repetem que se criam todos os poemas. A sintaxe do poema, as relações paronomásticas das palavras que o compõem e as próprias palavras são formas/conteúdos. Em relação a tais formas, as formas fixas não possuem nenhum privilégio. Trata-se apenas de formas que são catalogadas porque se repetem. No final, o que conta é a totalidade das formas/conteúdos que interagem entre si para produzir um objeto absolutamente singular. Dado que não há fórmulas nem receitas para criar tais objetos, todos os poemas bons são experimentais. É pena que a professora não se tenha dado ao trabalho de observar de perto como trabalham os poetas contemporâneos. Ela talvez tivesse então percebido que como eles, ao contrário dela, não são vítimas do fetichismo da forma fixa, são capazes de usar tais formas simplesmente na qualidade de autoimposições formais arbitrárias que, contrapondo-se à espontaneidade criativa, imponham tensões estimulantes ao processo da produção do poema. Tal é o sentido, por exemplo, da afirmação de João Cabral de que a rima é necessária, pois “para se criar algo, é necessário um esforço. Um obstáculo diante do ser o obriga a muito mais esforço e faz com que ele atinja o seu extremo”. É normalmente com esse propósito que os poetas contemporâneos usam as formas fixas. Elas são, para eles, meios, e não fins.

Terceiro, o compromisso do poeta é e deve ser, em primeiro lugar, com a poesia, isto é, com o poema que está concretamente a fazer, e nem com esta ou aquela forma tomada de modo isolado ou abstrato, nem com esta ou aquela ideologia.

Você já mencionou também que um dos poetas mais marcantes na sua formação foi Carlos Drummond de Andrade. Como isso reflete em seu trabalho? Acha que, de modo geral, a poesia feita hoje no Brasil dialoga com a poesia de Drummond? Se sim, como?


Com certeza se reflete em meu trabalho, porém não sei dizer como. Dado que Drummond é, a meu ver, o maior poeta que já tivemos, creio que nenhum poeta contemporâneo pode deixar de, de algum modo, dialogar com ele. Aliás, Drummond já fazia tudo o que a professora Simon condena nos contemporâneos, tanto tendo usado as formas fixas (magistralmente) quanto tendo feito poemas experimentais (magníficos).

Nesse cenário que parece ser tão diverso, seria muito interessante se pudéssemos apresentar aos leitores alguns poetas que têm produzido trabalhos importantes no Brasil, como é o seu. O senhor poderia me ajudar indicando alguns de seus pares e me ajudando a ver onde o trabalho deles se destaca?


O problema de tais listas é que, com certeza, a gente sempre se esquece de algum nome importantíssimo. Mas cito os nomes que primeiro me ocorreram, em ordem alfabética: Alberto Pucheu, Alex Varella, Armando Freitas Filho, Arnaldo Antunes, Cláudia Roquette Pinto, Eucanaã Ferraz, Nelson Ascher, Ricardo Silvestrin, Salgado Maranhão...

1.7.12

Titos Patrikios: "Versos que gritam"





Versos que gritam


Versos que gritam
versos que se levantam como supostas baionetas
versos que ameaçam a ordem estabelecida
e através de seus poucos pés
fazem ou derrocam a revolução,
inúteis, falsos, arrogantes,
porque hoje nenhum verso derroca regimes
nenhum verso mobiliza as massas.
(Que massas? Entre nós agora
quem pensa nas massas?
Quando muito um alívio individual, se não uma promoção.)
Por isso já não escrevo
para oferecer fuzis de papel
armas feitas de palavras charlatonas e vazias.
Que levante só um extremo da verdade
que lance um pouco de luz em nossa falsificada vida.
Enquanto possa, e enquanto agüente.

 
 
 
PATRIKIOS, Titos. "Versos que gritam". trad. Antonio Cicero, a partir da tradução castelhana de Francisco Torres Córdoba. In: Arquitrave. Revista Colombiana de Poesia. Edición No.52, Abril-Junio de 3012. URL: http://www.arquitrave.com/