21.7.12

Octavio Paz: de "Poesia e modernidade"




O mundo de Dante era finito e por isso pôde traçar a geografia do inferno, do purgatório e do paraíso. Mas esse mundo limitado era eterno: os homens estavam destinados a viver pelos séculos dos séculos e, depois do Juízo Final, sem experimentar mudança alguma. A eternidade dissipa o tempo e a sucessão. Seremos para sempre o que somos. Nisso consiste a diferença radical entre o mundo medieval e o moderno. O cristão medieval vivia num espaço finito e estava destinado à eternidade dos bem-aventurados ou dos réprobos; nós vivemos num universo infinito e estamos destinados a desaparecer para sempre. Nossa condição é trágica num sentido que nem os pagãos da Antiguidade nem os cristãos da Idade Média suspeitaram.



PAZ, Octavio. "Poesía y modernidad". In:_____. La otra voz. Poesía y fin de siglo. Barcelona: Seix Barral, 1990.

Um comentário:

rodrigo madeira disse...

maravilha isso aí, cicero. vou surrupiar e postar no meu blog.

conhece "cuarto de hotel", poema de octavio paz? abaixo, uma tradução que fiz...



QUARTO DE HOTEL


I

À luz cinzenta das reminiscências
que anelam redimir o já vivido,
é que arde o ontem fantasma. E então sou este
que dança aos pés das árvores, delira
com nuvens que são corpos que são ondas,
com corpos que são nuvens que são praias?
Eu sou alguém que toca e canta as águas,
a nuvem e voa, a árvore e sem folhas,
um corpo e se levanta e que contesta?
Arde o tempo fantasma:
o ontem arde, o hoje queima-se e o amanhã.
Aquilo que eu sonhei dura um minuto
e num minuto apenas, o vivido.
Que importam se são eras ou minutos?
Também o tempo de uma estrela é tempo,
gota de sangue ou fogos: piscar de olhos.


II

Lava o meu rosto com suas mãos frias
o rio do que passou, suas memórias
correm sob minhas pálpebras de pedra.
Não se detém jamais sua corrente
e eu, a partir de mim, sou eu que o verto.
É de mim que urge o passado?
Corro com ele e aquele que o verte
é apenas uma sombra, e me finge, oca?
Talvez ele nem corra: ao que eu me afasto,
sequer me segue, alheio, consumado.
E quem já fui estaca na ribeira.
Não se recorda nunca, não me busca,
não me contempla e nem de mim despede-se:
contempla, busca um outro fugitivo.
Um outro que, no entanto, não se lembra.


III

Nem antes nem depois. O que eu vivi
será que ainda o estou vivendo agora?
O que eu vivi! E acaso eu fui? E flui:
o que eu vivi estou morrendo ainda.
O tempo não tem fim e finge lábios,
minutos, morte, céus, e finge infernos,
portas que dão no nada e ninguém cruza.
Não há fim, nem paraíso, nem domingo.
Não nos aguarda Deus finda a semana.
Dorme, não o despertam nossos gritos.
É apenas o silêncio que o desperta.
Quando tudo se cale e já não cantem
os sangues, os relógios, as estrelas,
Deus abrirá seus olhos
e ao reino de seu nada voltaremos.