14.3.12

J.G. Hamann: de "Aesthetica in nuce"




A poesia é a língua materna da humanidade; assim como a jardinagem é mais antiga que a agricultura, a pintura que a escrita, o canto que a declamação, a parábola que a dedução, a troca que o comércio.



HAMANN, J.G. Sokratische Denkwürdigkeiten. Aesthetica in nuce. Stuttgart: Reclam, 1998.

7 comentários:

Ruy Lozano disse...

O ritmo não só é o elemento mais antigo e permanente da linguagem, como ainda não é difícil que seja anterior à própria fala. Em certo sentido pode-se dizer que a linguagem nasce do ritmo ou, pelo menos, que todo ritmo implica ou prefigura uma linguagem. Assim, todas as expressões verbais são ritmo, sem exclusão das formas mais abstratas ou didáticas da prosa. Como distinguir, então, prosa e poema? Deste modo: o ritmo se dá espontaneamente em toda forma verbal, mas só no poema se manifesta plenamente. Sem ritmo não há poema; só com o mesmo, não há prosa. O ritmo é condição do poema, enquanto é inessencial para a prosa. Pela violência da razão as palavras se desprendem do ritmo; essa violência racional sustenta a prosa, impedindo-a de cair na corrente da fala onde não regem as leis do discurso e sim as da atração e repulsão. Mas este desenraizamento nunca é total, porque então a linguagem se extinguiria. E com ela, o próprio pensamento. A linguagem, por inclinação natural, tende a ser ritmo. Como se obedecessem a uma misteriosa lei de gravidade, as palavras retornam espontaneamente à poesia. No fundo de toda prosa circula, mais ou menos rarefeita pelas exigências do discurso, a invisível corrente rítmica. E o pensamento, na medida em que é linguagem, sofre o mesmo fascínio. Deixar o pensamento em liberdade, divagar, é regressar ao ritmo; as razões se transformam em correspondências, os silogismos em analogias, e a marcha intelectual em fluir de imagens. O prosador, porém, busca a coerência e a claridade conceptual. Por isso, resiste à corrente rítmica que fatalmente tende a se manifestar em imagens e não em conceitos.
A prosa é um gênero tardio, filho da desconfiança do pensamento ante as tendências naturais do idioma. A poesia pertence a todas as épocas: é a forma natural de expressão dos homens. Não há povos sem poesia, mas existem os que não têm prosa. Portanto, pode-se dizer que a prosa não é uma forma de expressão inerente à sociedade, enquanto é inconcebível a existência de uma sociedade sem canções, mitos ou outras expressões poéticas. A poesia ignora o progresso ou a evolução, e suas origens e seu fim se confundem com os da linguagem.

(Octavio Paz, Signos em rotação. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1976. p. 11-12)

Felicidade Clandestina disse...

infinitamente lindo!

Nobile José disse...

cicero,

tinha preconceito com humberto de campos - talvez por ele ter sido surrupiado pelos cafonas espíritas e eu ter entendido que ele era espírita, sei lá. o fato é que vendo uma entrevista do cony, ele cita humberto de campos como o maior cronista brasileiro. meu avô tem a obra completa, então comecei a lê-la. confesso estar gostando. li esse trecho abaixo transcrito, escrito em 1929, e lembrei de vc. abrçs.

“A poesia foi, inicialmente, sentimento. O homem escutou a voz íntima que lhe falava em silêncio, e cantou. Pouco a pouco, porém, à proporção que ia sentindo a vida e a beleza das cousas que o rodeavam, começou a recorrer a estas, para definir e dar corpo à sua emoção. E a imagem apareceu, ornando, enfeitando, enriquecendo a poesia. Posteriormente, com o amadurecimento da razão, com a expansão do espírito filosófico, surgiu o conceito. E conceito e imagem tornaram-se as duas asas do inseto de ouro, de que foi crisálida o coração.

No estudo da poesia pura, conceito e imagens são tomados em geral, como formas artificiais, ou cerebrais. Essas formas artificiais invadiram, porém, de tal maneira, o ambiente poético, afeiçoaram-se tão estreitamente ao mundo do sentimento, que se tornaram, quasi, a sua verdadeira expressão. Elas tiraram a poesia de sua condição primitiva, deram-lhe brilho, vigor, e majestade. E de tal modo, que os maiores poetas, desde Homero e dos legisladores sagrados da Índia, são aqueles que melhor souberam servir-se do conceito e da imagem. A imagem dá extensão ao pensamento. O conceito dá-lhe profundidade.

Desaparecida, assim, a poesia ingênua dos primeiros homens, estendido até ela o domínio da arte, a poesia tornou-se, até agora, principalmente imagem, ou conceito. A geração atual, em todo o mundo, está tentando fazê-la tornar às fontes, despindo-a dêsses atributos eruditos, imitados instintivamente pela poesia popular. A verdade, porém, é que, moldada na mentalidade greco-latina, educada na escola que deu à humanidade os poetas mais do seu agrado, a poesia brasileira assenta, desde as suas origens, no século XVI, no prestígio do conceito e na graça da imagem. Um e outra resumem tudo que de melhor produzimos em quatro séculos de civilização.”

CAMPOS, Humberto de. O conceito e a imagem na poesia brasileira. São Paulo: W. M. Jacson Inc. Editores, 1954. Texto escrito em 1929.

Ursula disse...

Adorei a aula ontem. Experimentar as palavras como nunca antes as vi, é o que me fascina na poesia. Parabéns!

Antonio Cicero disse...

Obrigado, Ursula! Fico contente.

Abraços

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,


um poema meu:


"o substantivo lírico do teu eu"



substitua
a substância astuciosa
do teu eu sub-reptício
sujamente subjetivo
absurdamente decifrável
a parafernália tua

substitua
o substrato básico do teu eu
subproduto de algum deus recalcado
subitamente perecível
absolutamente imaginável
a algaravia tua

substitua
o substantivo lírico
do teu eu subordinado, servil,
submerso em liames íntimos,
abstraidamente alcançável
a cantilena tua



Abraço forte,
Adriano Nunes

Professor Antônio R. disse...

Cícero, tenho-me, a cada dia mais me aproximado da POESIA ... penso que, enquanto o que destrói a humanidade é a arrogância, a única salvação "delas" está na criatividade, na poesia ... porque poesia, muito mais que poucas palavras jogadas "esmas" em papel, é longas e sensíveis reflexões num eterno GUARDAR e Res-GUARDAR-se dos íntimos das coisas e de nós mesmos ... exercitar a poesia para mim é procurar outras soluções para tentar encontrar a mim mesmo, ao outro e poder penetrar em tudo isso ... saiba que sou seu discípulo silencioso e gostaria de um dia chegar a ter o respeito pelas palavras que você tem...