30.7.10

Jorge Luís Borges: "Cuarteta" / "Quadra"




Quadra

Morreram outros, mas isso aconteceu no
                              [passado,
que é a estação (ninguém o ignora) mais
                              [propícia à morte.
É possível que eu, súdito de Yaqub Almansur,
morra como tiveram que morrer as rosas
                              [e Aristóteles?


Cuarteta

Murieron otros, pero ello aconteció en el
                              [pasado,
que es la estación (nadie lo ignora) más
                              [propicia a la muerte.
¿Es posible que yo, súbdito de Yaqub Almansur,
muera como tuvieron que morir las rosas y
                              [Aristóteles?


[De Diván de Almotásim El Magrebi (siglo XII)]



BORGES, Jorge Luis. "El hacedor". Obras completas I (1923-1972). Buenos Aires: Emecé, 1974

6 comentários:

rodrigo madeira disse...

NECROLÓGIO DE PULSO*


não morreu.
(para morrer é preciso
que se permaneça vivo,
verbo que pleno se conjuga apenas
no presente do indicativo.)
baldeou-se, pois não, a um tempo mítico
onde – em borgeana "noite unânime"
ou "amanhecer sem pássaros",
tarde sem moscas e formigas –
um homem é todos os homens,
uma era é todas as heras
sobre um muro de ruína.
não deixa mulher nem filhos.
gado, apartamento, livros.
lega propriedade vazia, gordurosa memória pegada às línguas
pálpebras dígitos gengivas
daqueles que (preciso fora reconhecer um corpo) o conheciam.


* este poema não existiria se também, nos dez minutos de “as ruínas circulares”, borges não me estivesse sonhando.

rodrigo madeira disse...

estou relendo "ficções". é assombroso!!

ao ler esta quadra, lembrei-me também de um de seus contos mais incríveis: "o imortal", do "aleph".
embora eu não concorde com a conclusão final do narrador - segundo a qual, caso fôssemos imortais, poderíamos ser todos (shakespeare, homero, todos...) e portanto ninguém -, a ilação intermediária me fala às vísceras. qual seja: se não morrermos (a morte inapelável, não aquela que é passagem a outra existência), a vida não faz o menor sentido. isso é o exato contrário da visão religiosa.

além de a morte ser "a prova de que se viveu" (rosa), todo o valor da vida advém de sua transitoriedade, do fim das coisas; do escasso e imponderável tempo que temos - tempus fugit - para realizar e nos realizar. sem a morte, a vida não teria o menor valor. e nem é preciso dizer:
sem a "instituição da morte", não restaria aos homens sequer
a sua humanidade.

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Lindo!


Abraço,
A. Nunes.

Climacus disse...

"para nele poder viver, o homem deve morrer em seu ser próprio" Schelling.

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Meu novo poema:

"Manguelândia" - Para Lêdo Ivo.

Aqui não se vê vergonha.
A cara do povo é robalo,
Caranguejo, lodo, lama.
O sonho? Como sonhá-lo
Entre a terra decomposta
E o mar? Nunca só suponha
O tamanho da alegria

Das crianças a brincar
Com inverterbrados cães,
Brinquedos sujos de barro,
Cipós, garrafas de plástico,
Camaleão na cabeça,
Atração para os turistas.
Aqui vive a dor quem ama

O peixe fritado em posta,
As picadas dos mosquitos,
As moscas, mormaço, maré,
Camarão, chama-maré,
Lagosta, mexilhão, craca.
A vida apenas é o que é:

Caranguejo aratu, uçá,
Guaiamum... Tudo atolado
No arcabouço das raízes
Aéreas... Graça das garças
A ver o porvir ruir
Rente à predatória luz
Da esperança. O litoral

Biodiverso abriga o tempo
Da promessa, do progresso.
Aqui toda praça pública
É canoé. A luz elétrica
É o farol... De vez em quando
Deuses aparecem cá,
Além das mãos calejadas,

Feitos martins-pescadores.
Os moradores não choram
Pelo leite derramado,
Não cantam a vã vitória
Das sangrentas e sagradas
Guerras diárias... Seus prantos
São tais lágrimas crustáceas!


Abração,
Adriano Nunes.

Ana Carla Nunes disse...

Grande Antonio Cicero!

Borges, é o único argentino que gosto!

E vc é um grande poeta, e letrista que admiro!!

Fernando Pessoa da contemporâneidade, sem duvidas ou demagogias...

Um abração baiano!!

Ana Carla Nunes
www.festasdabahia.com