26.4.09

Oscar Wilde: de "The critic as artist"

Trecho do diálogo "The critic as artist":



Nenhum poeta canta porque tem que cantar. Pelo menos, nenhum grande poeta o faz. Um grande poeta canta porque resolve cantar. É assim agora e sempre foi. Às vezes somos levados a pensar que as vozes que se ouviam na alvorada da poesia eram mais simples, mais arejadas, mais naturais que as nossas e que o mundo que os poetas primevos contemplavam e pelo qual passeavam era dotado de uma espécie de virtude poética própria que podia quase sem alteração passar à canção. Hoje a neve está acumulada no Olimpo e suas encostas íngremes e escarpadas estão ermas e estéreis, mas imaginamos que outrora os alvos pés das musas roçavam o orvalho das anêmonas pela manhã e, à noite, chegava Apolo para cantar aos pastores do vale. Mas com isso estamos apenas atribuindo a outras eras o que desejamos, ou cremos desejar, para a nossa. Nosso senso histórico é deficiente. Todo século que produz poesia é, na medida em que o faz, um século artificial, e a obra que nos parece o produto mais natural e simples da sua época é sempre o resultado do esforço mais autoconsciente. Creia-me, Ernest, não há belas-artes sem autoconsciência, e a autoconsciência e o espírito crítico são uma coisa só.



De: WILDE, Oscar. "The critic as artist". The complete works of Oscar Wilde. London and Glasgow: Collins, 1966.

10 comentários:

ADRIANO NUNES disse...

Amado Cicero,


Oscar Wilde foi um grande artista e defensor das Artes em geral... Da Arte dita Arte, feita do trabalho árduo e dedicado para o bem da mesma. Para ele, a única coisa que poderia superar a Arte era o Amor: "O amor é muito mais maravilhoso que a arte"(in O Retrato de Dorian Gray; página 119;obra completa; editora Nova Aguilar;2003) e que a dor era fundamental para que as coisas belas viessem ao mundo: "...a dor é a coisa mais sensível da criação. Nada existe no mundo do pensamento a que não corresponda a dor com sua palpitação estranha e terrível ao mesmo tempo."(in De Profundis;página1381;idem).
Parabéns pela postagem e por sempre estar defendendo a Arte, o artista - A Arte, esse diamante da alma!


Abraço forte!
Adriano Nunes.

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Completando o meu comentário, se você achar coerente e couber no que Oscar Wilde diz, por que não posta a seguir o poema de Cecília Meireles "MOTIVO" do livro "VIAGEM" ? Apenas uma sugestão! Beijo imenso!

Adriano Nunes.

Angela disse...

"Nenhum poeta canta porque tem que cantar. Pelo menos, nenhum grande poeta o faz. Um grande poeta canta porque resolve cantar". Quando li Oscar Wilde, lembrei de Rilke que dizia "Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade.Basta sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo". Penso que são dois pensamentos opostos.Sou mais Wilde.
Abraço
Angela

João Renato disse...

A. Cícero,
Creio que do ato fulminante ou do premeditado, ou da união dos dois, a arte pode nascer ou não. Tudo depende das circunstâncias, pois ninguém sequer define o que é arte.
Talvez, na poesia, seja o leitor que a defina, e as frases dos artistas não tenham credibilidade.
Abraço,
JR.

Arthur Nogueira disse...

Querido Cicero,

tiro certeiro esse excerto. O livro é obrigatório, sou fã. Como Wilde é foda... E você idem.

Um beijo grande.

A.

Ricardo Valente disse...

Pois saiba, que não concordo! Escrever bonito não é poetar, é usar o nome pra ditar ordens - no caso. Grande escritor(pensador), sim! Poeta medíocre!

fred girauta disse...

autoconsciência/espírito crítico.
Essa "coisa só" não permite ver a arte como Arte. A autoconsciência crítica (ela ainda existe?) me parece dispensar a maiúscula.
A motivação do escritor, qualquer que seja ela (necessidade, vaidade, loucura), não faz a beleza de um poema.

Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece.
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Paulo Leminski, Distraímos venceremos, 1989.

Anônimo disse...

Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece.
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Paulo Leminski, Distraímos venceremos, 1989.

tive que repetir o comentário do fred, pq é perfeito.

abraços

paulinho disse...

que engraçado, que coincidência boa!

pensei, de cara, após a leitura, nas duas palavras que iniciam o comentário do arthur nogueira: tiro certeiro!

achar que o poeta não se utiliza da autoconsciência, como já bem falou chico buarque, é creditar muito pouca credibilidade à sua criatividade, à sua capacidade de criar, consciente, grandes achados.

oscar wilde está certíssimo!

beijo nocê, meu poetósofo de primeira!

Thais Abrahão disse...

Olá Cícero,

Pensei muito antes de escrever esse comentário, ou talvez o meu comentário é que tenha me pensado.
Sei lá.
Chorei ao ler a publicação.
Não sei exatamente por que, mas para deixar claro que as palavras me atingiram as lágrimas serviram.
Procurei um conhecimento avançado, como o dos outros comentaristas.
Encontrei somente o pequeno saber que passeia desorientado pelas minhas veias.
Ainda assim, sem ferramentas precisas e com a alma exposta quis lhe falar...
Não por qualquer motivo, simplesmente para não guardar.