16.3.08

A visita a Cabral

Héber Sales pergunta como foi que convencemos João Cabral a participar do encontro do Banco Nacional de Idéias. Não foi tão difícil fazê-lo porque contávamos com dois trunfos. O primeiro era exatamente que seu grande amigo, Joan Brossa, já havia concordado em vir. O segundo era que Waly e eu tínhamos uma amiga em comum com Cabral: a Susana Moraes. Esta marcou uma visita de nós três ao poeta pernambucano, no apartamento dele, no bairro do Flamengo, no Rio. Cabral gostava muito de Susana. Não só ele a conhecia como a filha de seu querido Vinícius, quando ela era ainda uma menina, mas, no final da década de cinquenta, haviam ficado realmente amigos em Marseilles, no sul da França, em cujo consulado brasileiro tanto ele quanto o primeiro marido dela, Rodolfo Souza Dantas, serviam como diplomatas.

A visita foi uma delícia. Cabral estava proibido de beber, mas nos serviu whisky e, de vez em quando, escondido de Marly de Oliveira, sua mulher, dava uma bicada no copo da Susana. Ele estava muito alegre e nos contou várias histórias sobre o jovem Brossa. Narrava-as com muito humor, mas com o rosto sério. Ria por dentro. Uma das histórias ainda me faz pensar. Certa vez, ele e Brossa vinham pela rua, conversando, quando, sem mais nem menos, o poeta catalão começou a falar de modo desarticulado e a fazer gestos amalucados. Cabral só entendeu o que se passava quando percebeu que os avós de Brossa se aproximavam. É que este, embora já não fosse criança, continuava a ser sustentado por eles, que o consideravam deficiente mental: e ele fazia tudo para mantê-los nessa convicção.

Além de agradabilíssima, a visita, felizmente, foi um sucesso, pois Cabral concordou em participar do encontro.

3 comentários:

O Fantasma de Chet Baker disse...

Sua história me fez ir até a adolescência, quando acampava debaixo do prédio de Cabral,na esperança de vê-lo. Um dia, trepada na minha velha caloi, desembestada pela estreita calçada da praia do Flamengo aconteceu o milagre: praticamente o atropelei!
mil luas pra vc, meu amigo.

Arthur Nogueira disse...

Esse texto me despertou uma série de coisas boas. São ótimos os seus relatos mais passionais. Um beijo, Cicero.

Héber Sales disse...

História deliciosa essa que o João Cabral contou do Joan Brossa. Lembrou-me o poema Fábula de Joan Brossa, em que o poeta "sem alma" (?) chama-o "místico da aberração", explorador de uma "poética sem-razão".

E a amizade dele com Vinícius, hein? Um poeta que parece ser tudo aquilo de que o João Cabral abominava(a poesia inspirada). Aliás (1), um dos mais extraordinários poemas do pernambucano, "Uma Faca só Lâmina", é dedicado ao poetinha. Aliás (2), se eu não me engano, o Eucanãa escreveu um artigo em que desmitifica essa idéia de que o Vinícius era um poeta (só) inspirado.

Um abraço, meu caro.