4.2.19

Hélio Schwartsman: "Trevas cristãs"



Ontem foi publicado na Folha de São Paulo um artigo em que, oportunamente, Hélio Schwartsman nos lembra do perigo que pode representar um lema como "Deus acima de todos", do Presidente Jair Bolsonaro, do seu Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, e de outros membros do atual governo brasileiro:



Trevas cristãs

O “Deus acima de todos” que integrou o lema da campanha de Jair Bolsonaro e ainda o acompanha em muitas de suas declarações deveria provocar calafrios em todas as pessoas historicamente alfabetizadas, sejam elas religiosas ou não. Como a maioria dos brasileiros votou em Jair Bolsonaro conhecendo seu lema, parece lícito concluir que ou a maioria das pessoas é masoquista ou não é historicamente alfabetizada.

Nesta última hipótese, nossos professores de história, todos eles esquerdistas, fracassaram miseravelmente em mostrar para seus alunos os crimes cometidos em nome de Deus. Um bom jeito de sanar essa falha é a leitura de “The Darkening Age” (a idade das trevas), de Catherine Nixey (há uma edição lusitana).

A tese central do livro é simples. O cristianismo triunfou na Europa e cercanias destruindo o mundo clássico que o precedeu. O “destruir” deve ser interpretado literalmente, para incluir a pilhagem de templos, vandalização de estátuas, queima de livros e, é claro, tortura e assassinato de adversários. Nixey conta os detalhes dessa história.

Para dar uma ideia da escala da destruição, estima-se que apenas 10% da literatura clássica tenha sobrevivido até a Idade Moderna. Se considerarmos só os latinos, o quadro é ainda pior. Só 1% do que foi escrito por romanos não cristãos foi preservado. Santos das Igrejas Católica e Ortodoxa, como João Crisóstomo, gabavam-se de ter feito desaparecer toda uma cultura.

O que mais perturba na leitura de “The Darkening Age” é a total semelhança entre o que fizeram os cristãos dos anos 300, 400 e 500 o que fazem hoje membros do Taleban e do Estado Islâmico. A intolerância que militantes religiosos radicais mostram para com outros credos, os assassinatos praticados com requintes de crueldade e a insana “certeza” de estar obedecendo a comandos de um ente supremo infalível revelam quão perigoso é pôr Deus acima de tudo.


Hélio Schwartsman

Um comentário:

bea disse...

O que é perigoso não é pôr Deus acima de tudo, mas a interpretação que os homens fazem disso em seu próprio proveito. É verdade que as grandes perseguições e mortandades foram religiosas. Isto porque o poder ilude quem pouco sabe e ilude usando a bengala do pobre: a religião; fazendo-se passar aos olhos do povo pelo antípoda do que é. Tudo muda mas continua muito igual. É assim com Bolsonaro. E mais se há-de ver.