27.2.18

Leo Gonçalves: "todo dia pela manhã"



todo dia pela manhã
eu beijo a minha própria boca
não é beijo no espelho não
é beijo na boca de verdade

todo dia pela manhã
eu beijo a minha própria boca
não é narcisismo não
é beijo de língua

e você? já beijou a sua própria boca?
não é beijo no espelho não
é beijo na boca

e você já beijou a sua própria boca?
não é narcisismo não
é beijo de língua



GONÇALVES, Leo. "todo dia pela manhã". In:_____. Use o assento para flutuar. Belo Horizonte: Crisálida, 2018.

26.2.18

Fabiano Fernandes Garcez: "A poesia de Antonio Cicero"



Adorei o que o poeta e professor Fabiano Fernandes Garcez escreveu sobre minha poesia na revista Literatura, aqui: http://literatura.uol.com.br/conheca-a-poesia-de-antonio-cicero/

25.2.18

José Régio: "Demasiado humano"



Demasiado humano

                                     ao Adolfo Casais Monteiro

Escancarei, por minhas mãos raivosas,
As chagas que em meu peito floresciam.
Versos a escorrer sangue eis escorriam
Dessas chagas abertas como rosas...

Assim vos disse angústias pavorosas
Em versos que gritavam... ou sorriam.
Disse-as com tal ardor, que todos criam
Esse rol de misérias fabulosas!

Chegou a hora de cansar..., cansei!
Sabei que as chagas todas que aureolei
São rosas de papel como as das feiras.

Que eu vivo a expor minh’alma nas estradas,
Com chagas inventadas retocadas...
Para esconder bem fundo as verdadeiras.



RÉGIO, José. "Demasiado humano". In:_____. BERARDINELLI, Cleonice (org.). Antologia de José Régio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

23.2.18

Alphonsus de Guimarães: "Ismália"



Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...




GUIMARAENS, Alphosus de. "Ismália". In: BARBOSA, Frederico (org.). Cinco séculos de poesia. Antologia da poesia clássica brasileira. São Paulo: Landy, 2003.

21.2.18

Mário Quintana: "Das utopias"



Das utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!



QUINTANA, Mário. "Das utopias". In:_____. Nova antologia poética. Rio de Janeiro: Codecri, 1981.

20.2.18

Curso "Estudos Narrativos", ministrado pelo professor William Soares



Neste primeiro semestre de 2018 o poeta e professor William Soares ministrará o curso “Estudos Narrativos” no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Linguística Aplicada da Faculdade de Letras da UFRJ. O curso será dividido em cinco módulos nos quais serão explorados elementos tais como a estrutura narrativa, a narrativa como instrumento de análise do discurso, narrativas em entrevistas, narrativas escritas e orais, narrativas como performance, narrativas em contextos diversos e o princípio narrativo em educação.
O curso acontecerá na Faculdade de Letras da UFRJ às quintas-feiras entre 09:00 e 12:30. Para mais detalhes vejam o programa abaixo:


17.2.18

Curso de grego antigo ministrado por Adriano Nunes



O poeta Adriano Nunes anuncia que oferecerá um curso básico de grego antigo (totalmente gratuito!) para aqueles que querem se iniciar na leitura de obras clássicas gregas. Serão estudados textos de Homero, Platão, Safo, Eurípides, Sófocles, entre muitos outros. Serão 25 lições (iniciais!) onde Adriano ensinará desde o alfabeto até a análise etimológica de termos gregos, o verso grego, etc. O curso será disponibilizado em uma página oficial criada no Facebook (https://www.facebook.com/cursodegregoantigoporadrianonunes/?ref=bookmarks) bem como no canal de Adriano no Youtube ( https://www.youtube.com/channel/UCmIl64Ja_zjf_ZZyHSye9BQ).



Antero de Quental: "Hino à Razão"



Hino à Razão

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!




QUENTAL, Antero de. "Hino à Razão". In:_____. Sonetos. Lisboa: Sá da Costa, 1963.





15.2.18

Cecília Meireles: "Canção excêntrica"

Atendendo à sugestão de Ricardo, posto aqui a bela "Canção excêntrica" de Cecília Meireles:


 Canção excêntrica

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
– Saudosa do que não faço,
– Do que faço, arrependida.




MEIRELES, Cecília. "Canção excêntrica". In:_____. Obra poética. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967.

13.2.18

Euclides da Cunha: "Nestes três dias esplêndidos"

Agradeço ao poeta André Vallias por me ter chamado atenção para o seguinte poema de Euclides da Cunha:


Nestes três dias esplêndidos
Em que o Prazer tudo arrasa
Desde o cristão ao ateu,
Quem se sente neurastênico
Faz como eu,
Fica em casa



CUNHA, Euclides da. "Nestes três dias esplêndidos". In: Revista Fon-Fon!, Ano III, nº 8, 18/02/1909.

11.2.18

Eduardo Quina: "[nota]"



[nota]

continuamos estarrecidos a ouvir
a fatídica música de Orpheu.
a longínqua partitura do pranto
é alta. altíssima esta penúria
de que se fez irredutível o canto.
inculca-se a orquestração dos deuses
e da sua natureza impune.

e fez-se mytho e enigmático
na curva escarpada do tempo:
cesura que se abriu para sempre
nas entranhas.

inscrita na paisagem viva que se
desprende através da palavra
nas flores ocasionais da nossa infância
ou
nos estilhaços repercutidos e insignificantes da poesia.

tudo isto para dizer:
memória e ausência.



QUINA, Eduardo. "[nota]". In:_____. ausência. Leça da Palmeira: Eufeme, 2017 (2ª edição).

9.2.18

Fernando Pessoa: "Dom João, Infante de Portugal"



Dom João, Infante de Portugal

Não fui alguem. Minha alma estava estreita
Entre tam grandes almas minhas pares,
Inutilmente eleita,
Virgemmente parada;

Porque é do portuguez, pae de amplos mares,
Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita --
O todo, ou o seu nada.



PESSOA, Fernando. "Dom João, Infante de Portugal". In:_____. Mensagem. Org. de Clarice Berardinelli, Maurício Matos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.

7.2.18

Bocage: "Enquanto o sábio arreiga o pensamento"



Enquanto o sábio arreiga o pensamento
Nos fenómenos teus, ó Natureza,
Ou solta árduo problema, ou sobre a mesa
Volve o subtil, geométrico instrumento;

Enquanto, alçando a mais o entendimento,
Estuda os vastos céus, e com certeza
Reconhece dos astros a grandeza,
A distância, o lugar e o movimento;

Enquanto o sábio, enfim, mais sabiamente
Se remonta nas asas do sentido
A corte do Senhor omnipotente,

Eu louco, eu cego, eu mísero, eu perdido,
De ti só trago cheia, oh Jónia, a mente;
Do mais e de mim mesmo ando esquecido.




BOCAGE, Manuel Maria l'Hedoux de Barbosa du. Obra completa. Edição de Daniel Pires. Porto: Caixotim, 2004.

5.2.18

Paul Celan: "Schreib dich nicht" / "Não te escrevas": trad. de João Barrento



Não te escrevas
entre os mundos,

ergue-te contra
a variedade de sentidos

confia no rastro das lágrimas
e aprende a viver




Schreib dich nicht
zwischen die Welten,

komm auf gegen
die Bedeutungen Vielfalt,

vertrau der Tränenspur
und lerne leben




CELAN, Paul. "Schreib dich nicht" / "Não te escrevas". In:_____. A morte é uma flor. Poemas do espólio. Trad. de João Barrento. Lisboa: Cotovia, 1998.

3.2.18

Jean-Pierre Lemaire: "L'imprimeur" / "O impressor": trad. de Júlio Castañon Guimarães



O impressor

a Jean-François

Na entrelinha, entre os tipos,
ele às vezes põe um pedaço de papel,
acrescenta às palavras visíveis
uma folha de fino silêncio,
o arrepio dos pinheiros em torno da oficina,
a onda quase apagada
vinda de uma forja na saída do lugarejo
ou da grande bigorna
muda do Mézenc.
Mais tarde, distante dali,
o poeta relê a página impressa,
reconhece seu rosto e seu próprio mundo
com alívio:
o espelho respira.




L’imprimeur

à Jean-François

Sur la réglette, entre les caractères,
il glisse parfois un morceau de papier,
ajoute aux mots visibles
une feuille de fin silence,
le frisson des sapins autour de l’atelier,
l’onde presque éteinte
venue d’une forge au bout du village
ou de la grande enclume
muette du Mézenc.
Plus tard, loin de là,
le poète relit la page imprimée,
reconnaît son visage et son propre monde
avec soulagement :
le miroir respire.




LEMAIRE, Jean-Pierre. "L'imprimeur" / "O impressor". In:_____. Poemas. Trad. de Júlio Castañon Guimarães. São Paulo: Lemme Editor, 2010. 

1.2.18

Ramon Nunes Mello: "da sensibilidade e outras percepções agudas"



da sensibilidade e outras percepções agudas

há 
um sol
dentro de
cada palavra

todos os dias
abro janelas
para iluminar
a língua





MELLO, Ramon Nunes. "da sensibilidade e outras percepções agudas". In:_____. Há um mar no fundo de cada sonho. Rio de Janeiro: Verso Brasil Editora, 2016.