Dado que hoje – 16 de novembro –
é reconhecido pela UNESCO como o Dia Mundial da Filosofia, resolvi postar a
tradução de um pequeno trecho de um artigo do filósofo inglês A.C. Grayling. O
texto, que me parece muito oportuno no momento atual, intitula-se “As religiões não merecem tratamento especial”.
Já no século XVII,
o filósofo Descartes dizia, no seu Discurso do
método, que, “a pluralidade de vozes não
é uma prova que valha nada para as verdades um pouco
difíceis de descobrir , porque
é bem mais provável que um homem só as tenha encontrado do que
todo um
povo”. Ou seja, ele sabia que nenhuma crença – nenhuma crença religiosa, por
exemplo – merece intrinsecamente mais respeito do que qualquer convicção individual.
Mas passemos às palavras de
A.C. Grayling:
Está na hora de inverter o senso comum de que o comprometimento
religioso intrinsecamente mereça respeito e deva ser tratado com luvas de
pelica e protegido pelo costume e, em alguns casos, por leis que proíbem que ele seja criticado ou ridicularizado.
Está na hora de nos recusarmos a andar na ponta dos pés em torno de
pessoas que exigem respeito, consideração, tratamento especial ou qualquer
outro tipo de imunidade simplesmente porque têm uma fé religiosa, como se ter
fé fosse uma virtude merecedora de privilégios, e como se fosse nobre acreditar
em afirmações sem base e em superstições antigas. Nada disso: a fé é o
comprometimento com uma crença contrária à evidência e à razão.
Ora, acreditar em algo contra a
evidência e contra a razão – acreditar em algo por fé – é ignóbil,
irresponsável e ignorante, e merece o oposto do respeito. Está na hora de dizer
a verdade.
Está na hora de exigir dos crentes
que mantenham na esfera privada suas escolhas e preferências pessoais
nesses assuntos irracionais e frequentemente perigosos. Qualquer um tem a
liberdade de acreditar no que quiser, desde que não incomode (ou intimide ou
mate) os outros; mas ninguém tem o direito de exigir privilégios meramente na
base de ser devoto desta ou daquela das muitas religiões do mundo.
E, como essa última observação
implica, está na hora de exigirmos – nós, que não somos religiosos – o direito
de não sofrer interferência por parte de pessoas e organizações religiosas. Ninguém tem
o direito de impor suas próprias práticas e escolhas morais às pessoas que não
compartilham do seu ponto de vista.
GRAYLING, A.C. Trecho
de “Religions don’t desserve special treatment”. In: The Guardian, 19 de outubro de 2006.
2 comentários:
Sou ateu não militante. Não acredito em nenhum tipo de transcendência. Mas não tenho maiores problemas com pessoas religiosas. Conheço muitas que são excelentes. Bancada evangélica, lobby católico… A maioria dos religiosos que conheço deploram essa gente e até se manifesta claramente, e por escrito, a distância que mantém dessas pessoas. Existe muita flexibilidade, inclusive na área sexual, entre os dogmas das Igrejas e a vida concreta dos que acreditam. Quem está fora desses círculos de pessoas certamente se surpreenderia com a posição da maioria. Tolice existe em todos os grupos. Você mesmo deve conhecer um monte de gente da comunidade LGBT que são toscos e boçais. Religiões prestam muitos serviços, principalmente em uma sociedade rústica como a nossa. Amansam os temperamentos, burilam caráter. Também dão conforto a pessoas que não tiveram oportunidade de ler Sêneca, Epicuro, Heidegger… É o “platonismo das massas”, como quería Nietzsche… Desculpe o cabotinismo, mas tendo a pensar como Goethe: “Se não tem filosofia, que tenham religião”.
Caro anônimo,
o artigo de Grayling não ataca propriamente as religiões, mas os privilégios que as religiões e os religiosos pretendem ter - e têm - em países como o Brasil. Você diz: "Se não têm filosofia, que tenham religião". Sim, mas, ao contrário dos religiosos, os filósofos não pretendem que haja leis que os protejam de crítica, ironia ou sarcasmo. É a abertura à crítica que faz com que se possa progredir, na busca da verdade e do bem. Os dogmas intocáveis levam à falsidade e ao mal.
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