28.9.14

Casimiro de Brito: "13"




13

A morte é uma flor que palpita
no branco da noite, um rosto antepassado
que não posso ver, um rictus terribilis
que me fascina e cega. Uma flor
distraída, pensam uns,
mas há outros que sentem o brilho
da sua navalha. Abre quando quer
o seu olho de Medusa. É
uma deusa. Acolho-me à sua sombra.
Peço ao poema que me ajude
a encontrar um sentido neste segredo
que todos bebemos
e não se esgota.





BRITO, Casimiro de. Arte de bem morrer. Lisboa: Roma Editora, 2007.

24.9.14

Paul Celan: "Die Halde" / "A ladeira": trad. João Barrento e Y.K. Centeno




A ladeira

Junto a mim vives tu, igual a mim:
como uma pedra
na face caída da noite.

Oh, amada, esta ladeira,
onde rolamos sem parar,
nós pedras,
de regato em regato.
E cada vez mais redondas.
Mais iguais. Mais estranhas.

Oh, este olho embriagado,
que por aqui vagueia como nós
e que às vezes
com espanto nos vê unidos.



Die Halde                                                                                                    

Neben mir lebst du, gleich mir:
als ein Stein
in der eingesunkenen Wange der Nacht.

O diese Halde, Geliebte,
wo wir pausenlos rollen,
wir Steine,
von Rinnsal zu Rinnsal.
Runder von Mal zu Mal.
Ähnlicher. Fremder.

O dieses trunkene Aug,
das hier umherirrt wie wir
und uns zuweilen
staunend in eins schaut.



CELAN, Paul. "De limiar em limiar" / "Von Schwelle zu Schwelle". In:_____. Sete rosas mais tarde. Antologia poética. Seleção, tradução e introdução de João Barrento e Y.K. Centeno. Lisboa: Cotovia, 1996.


21.9.14

Luís de Camões: "Os bons sempre vi passar"




Esparsa sua ao desconcerto do mundo

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais m’espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assi que só para mim
Anda o mundo concertado.



CAMÕES, Luís de. "De cuidados rodeado". In:_____. Lírica completa I. Vila da Maia: Imprensa Nacional, 1980.

19.9.14

W.B. Lemos: "Desdito"




Desdito

Errabundo. Tão somente
Desocupado habitué das ruas
de qualquer lugar desmundo.

Desconheço seus nomes,
elas não os têm, sequer destino.
Têm só o que são: ruas.

Errante feito em transe,
posso apenas mal-vagar-me
pelo sem-mapa e advir.



LEMOS, W.B. Rasga-mortalha. Poemas dos outros. Rio de Janeiro: Circuito, 2014.

16.9.14

Octavio Paz: "Juventud" / "Juventude": trad. Antonio Cicero




          Juventude

o salto da onda
                       mais branca
cada hora
               mais verde
cada dia
             mais jovem
a morte



          Juventud

El salto de la ola
                        más blanca
cada hora
               más verde
cada día
             más joven
la muerte



PAZ, Octavio. "Ladera Este". In:_____. Lo mejor de Octavio Paz. Barcelona: Siex Barral, 1998.

15.9.14

Antonio Cicero em "O que é poesia?"



Clique, para ampliar:

14.9.14

Ferreira Gullar: "Pintura"



Pintura

Eu sei que se tocasse
com a mão aquele canto do quadro
onde um amarelo arde
me queimaria nele
ou teria manchado para sempre de delírio
a ponta dos dedos



GULLAR, Ferreira. Relâmpagos. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

12.9.14

Arnaldo Antunes: "intruso entre intrusos intraduzo"






                     intruso entre intrusos intraduzo


                                      o me smo

                                         me

                                         me

                                         me

                                    no me io

                                              yo

                                              i

                                              je


                                         do eu tro    




ANTUNES, Arnaldo. n. d. a. São Paulo: Iluminuras, 2010.

9.9.14

Francisco Alvim: "Espelho"





Espelho

Meu deus como é triste
Olhar a noite nos olhos
O som da treva ecoa
no brejo mais fundo

Lembrar a montanha
a tarde cheia de sinos
a menina — névoa no azul
o menino

Uma luz
que afastasse este breu
para além da estrela remota

Olho e vejo um furo
no escuro — um lago?
Aviões partem
Para que deserto?



ALVIM, Francisco. Poemas [1968-2000]. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

7.9.14

Ian Hamilton: "Poet" / "Poeta": trad. Nuno Vidal





“A luz sucumbe; o mundo sorve a escuridão invernosa
E por todo o lado
Vastas cidades abandonam-se aos seus fantasmas..."
O poeta, à escuta de outras vidas
Como a sua, recomeça: "E é tudo
Delírio...”


"Light fails; the world sucks on the winter dark
And everywhere
Huge cities are surrendering their ghosts…"
The poet, listening for other lives
Like his, begins again: "And it is all
Folly…"


HAMILTON, Ian. "Poet" / "Poeta". In:____. Cinquenta poemas. Trad. Nuno Vida. Lisboa: Cotovia, 1995.


5.9.14

Mário Quintana: "S.O.S."




S.O.S.

O poema é uma garrafa de náufrago jogada ao mar.
Quem a encontra
Salva-se a si mesmo...



QUINTANA, Mário. "S.O.S.". In: CALCANHOTTO, Adriana (organização e ilulstrações). Haicai do Brasil. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.

3.9.14

Abaixo-assinado Estatuto da Diversidade Sexual




Caros Amigos,

Acabei de ler e assinar o abaixo-assinado: «Abaixo-assinado Estatuto da Diversidade Sexual» no endereço http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=EDS

Concordo com este abaixo-assinado e cumpro com o dever de o fazer chegar ao maior número de pessoas.

Caso você concorde, agradeço que assine o abaixo-assinado e que ajudem na sua divulgação através de um email para os seus contatos.

Obrigado.


Antonio Cicero

1.9.14

Adriano Nunes: "Só"










Sem
     Seu
           Ser

Sol
     Sem
           Céu

Sal
    Sem
          Mar

Sim
      Sem
            Som

Sul
    Sem
          Lar

Sem
       Vós
             Eu

Sem
       Mais
              Voz

Sem
       Ter
            Vez

Sob
      Tal
          Véu

   





NUNES, Adriano. "Só". In: Quefaçocomoquenãofaço. URL: http://astripasdoverso.blogspot.com.br/. Acessado em 29/08/2014.