30.5.10

Heidegger, Descartes e a razão




O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 28 de maio:



Heidegger, Descartes e a razão


EM ARTIGO intitulado "Irracionalismo", publicado há duas semanas nesta coluna, observei que, paradoxalmente, uma das explicações para a enorme influência de Heidegger sobre tantos intelectuais franceses parece ser justamente o seu feroz anticartesianismo.

Além disso, relacionei o irracionalismo que identifico nesses intelectuais "pós-modernistas" com a relativização a que o autor de "Caminhos de floresta" tenta submeter o próprio conceito de razão.

Quarta-feria desta semana, o sr. Maurício Tuffani publicou, na seção “Tendências e Debates” da Folha um artigo intitulado "O tabu em torno da razão" [que também se encontra em seu blog, aqui: http://laudascriticas.wordpress.com/2010/05/26/tabu/], em que, por um lado, afirma ser indevida minha atribuição a Heidegger de um feroz anticartesianismo e, por outro lado, pretende questionar minha crítica à tentativa heideggeriana de relativizar a razão. Tomo-o como ocasião para melhor explicar o que penso.

Confesso que o artigo me surpreendeu. Supõe-se que alguém que se arvore em defensor de determinado autor tenha um grande interesse nele, de modo que, além de ter lido ao menos algumas de suas obras, conheça e admire o teor geral do seu pensamento.

Ora, as palavras do sr. Tuffani evidenciam que ele não conhece bem a obra do autor que pretende socorrer. Não há outra explicação possível para sua declaração de que, em relação a Heidegger, "não faria sentido o rótulo "anticartesianismo", mesmo sem o adjetivo "feroz'"."

Digo isso porque um dos pontos em torno dos quais há praticamente consenso entre os comentadores de Heidegger é exatamente quanto ao caráter anticartesiano da obra do "Mestre da Floresta Negra". É que Heidegger considera Descartes o fundador da metafísica moderna da subjetividade. Essa metafísica, segundo ele, leva às últimas consequências aquela que, iniciada na antiguidade, com Platão, identifica-se com o que o autor de "Ser e tempo" considera o "esquecimento do ser". Heidegger pensa, ademais, que toda a filosofia moderna, inclusive a de Nietzsche, é refém da interpretação cartesiana do ente e da verdade. Ora, o pensamento de Heidegger pretende lutar exatamente contra esse esquecimento, do qual supõe decorrer o niilismo moderno, "o sombreamento do mundo, a fuga dos deuses, a destruição da terra, a massificação do ser humano, a suspeita rancorosa contra tudo o que é criador e livre". É evidente, portanto, que tal pensamento não poderia deixar de se constituir fundamentalmente contra a interpretação cartesiana do ente e da verdade: ergo, contra Descartes.

Naturalmente, reconhecer alguém como seu inimigo fundamental é antes respeitá-lo do que desprezá-lo. E embora, ao contrário do que o sr. Tuffani afirma, Heidegger nem sequer mencione Descartes no parágrafo 24 de "Ser e tempo", ele dedica os parágrafos 19, 20 e 21 do livro – e incontáveis parágrafos dessa e de outras obras – a atacar o filósofo francês.

Se isso não bastar para qualificar de "feroz" o anticartesianismo de Heidegger, lembro que ele, em "As questões fundamentais da filosofia", queixa-se da importância que é dada, nas universidades alemãs, ao estudo de Descartes, pois assegura que esse filósofo representa "o início de uma mais ampla decadência fundamental da filosofia".

No meu artigo, eu dera um exemplo da tentativa de Heidegger de relativizar o conceito de razão, tal como empregado pela tradição filosófica. Tentando rebater-me, o sr. Tuffani diz que "Heidegger problematiza as próprias noções de verdade e de razão. Ou seja, ele as recusa como absolutas". Ora, o que é recusar uma coisa como absoluta senão relativizá-la?

Concluindo seu artigo, o sr. Tuffani, citando a tese de Nietzsche de que toda filosofia esconde intenções morais, afirma que as minhas, sejam quais forem, "parecem fazer do questionamento da razão um tabu".

Primeiro, confesso não entender como alguém que pense desse modo não tenha explicitado as intenções morais que o predispõem contra a defesa da razão.

Segundo, observo que o questionamento da razão não é um tabu; contudo, como todo questionamento é feito pela própria razão, é evidente que esta, ao se questionar, não pode deixar de se afirmar.

Terceiro, chamo atenção para o fato de que defender a razão, assim como defender a liberdade de pensamento contra o dogma, o obscurantismo e o irracionalismo já constitui indiscutível obrigação moral.

89 comentários:

Maurício Tuffani disse...

Prezado Antonio Cicero,

você está absolutamente certo ao apontar meu erro na referência ao § 24 de Sein und Zeit. Não foi a primeira vez em que fiz essa mesmíssima confusão, baseada em um erro de anotação minha, na qual marquei “§ 24″ em vez do correto, que é “p. 24″.

A versão que tenho dessa obra é a 18ª edição alemã [Martin Heidegger, Sein und Zeit . (18. Aufl.). Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 2001]. O trecho da página 24 ao qual me referi erroneamente em meu artigo corresponde, na segunda edição brasileira, às páginas 62 e 63 (tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2006). Na segunda edição mexicana, de 1971, corresponde à página 35 (tradução de José Gaos, México: Fondo de Cultura Economica, 2004).

Ainda não sei onde e em em quais condições editoriais responderei ao seu novo artigo.

Saudações,

Maurício Tuffani

Antonio Cicero disse...

Prezado Maurício Tuffani,

Obrigado pelo esclarecimento. Entretanto, uma vez que, dado esse equívoco, suponho que você tenha lido o § 6, em que se encontra a referida página, há algum tempo, de modo que a tenha citado de memória, recomendo-lhe amigavelmente que releia esse parágrafo com calma. Tenho certeza de que você concordará que ele é, na verdade, profundamente anticartesiano.

Saudações

Climacus disse...

o que é, afinal, ser anticartesiano? o que é, por outra, pensar de modo cartesiano? acho o estilo de Descartes bem interessante, ele quase não cita ninguém, parece um poeta discorrendo sobre o homem e a vida, Pascal cita e dia-loga muito mais...

Antonio Cicero disse...

Climacus,

"Cartesiano" é tudo o que é relativo a Descartes, à sua filosofia e a seus discípulos. Dizem-se cartesianos o cogito, o racionalismo, o sujeito consciente do cogito etc.

Heidegger considera cartesiana a metafísica da subjetividade.

Climacus disse...

obrigado, vou pensar.

Anônimo disse...

Cicero,

Excelente a sua resposta ao jornalista M. Tuffani. Mas ele tem razão pelo numa coisa: "Heidegger problematiza as próprias noções de verdade e de razão".

O problema é que toda vez que os críticos de Heidegger fazem uso de termos como verdade, razão, sujeito etc., os seus defensores objetam que a crítica não procede simplesmente porque Heidegger rejeita as respectivas noções. Ou seja, para os heideggerianos, Heidegger só pode ser criticado a partir de si mesmo...

Mas eu queria levantar outra questão: será que Descartes é mesmo um cartesiano? Um racionalista que constroi seu sistema sobre a intuição? Um mecanicista que faz depender a realidade da máquina do mundo de Deus? Um moderno que postula uma moral provisória tradicionalista?

Abraço,
edg

wilson luques costa disse...

Prezado Antonio Cicero,
Hoje, li o texto (traduzido para o português)de Heidegger QU´EST-CE QUE LA PHILOSOPHIE? - aliás o texto emaranha-se com aquelas traduções do grego - que vira uma salada paulistana - você não acha que deveria se gravar no próprio grego? -- porque fica aquela coisa SIC `ó lógos on thaumazein kaí legein´ e por aí VAI (rs) - não obstante isso, encontrei tal excerto lá no livro:`A FILOSOFIA, PELO CONTRÁRIO, NÃO É APENAS ALGO RACIONAL, MAS A PRÓPRIA GUARDA DA RATIO`. Aliás, qual ratio ele cita? Eu não li no alemão, aliás, nem sei se conseguiria porque o meu alemão é mais chinfrim que o próprio grego que não deixa de ser por outro lado tão chinfrim quanto o meu português. Mas não querendo opilar o assunto, eu pergunto: será que Heidegger entendia mesmo do babado? Eu falo de toda estruturação com o nominativo, vocativo, acusativo, dativo , instrumental em ó mikron, alpha, étha, consonantal, os dêiticos, o presente, subjuntivo, optativo, imperativo, alocando aos temas os devidos prefixos... Se sim, preciso mesmo voltar ao estudo da gramática helena para compreender melhor Heidegger...
Grato
wilson

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Li o seu artigo e fui ao blog do Maurício. É inadimissível que um colunista cite erradas referências sobre assuntos em que , principalmente, rebate colegas do mesmo jornal.

Mas que isso seja permitdo, ninguém é perfeito. Há um ponto crucial. Ter conhecimento sobre o que se diz. E Maurício se perde em ter tal razão. Ou melhor, flui melhor pela irracionalidade.

Meros leitores de Heidegger não podem agir descomedidamente como aprendizes e decoradores de citações. Estudar e saber a fundo algo exige mais que referências,citadas erradas ou não.


Abraço forte.
Adriano Nunes.


Como sempre, você lançando luz nas trevas!

Anônimo disse...

Tuffani, que provavelmente só bebe água Caxambu com gás, teve a delicadeza de colocar links com seus dois textos no blog lá dele. O sr., que só bebe água Perrie, não se sentiu obrigado a pagar-lhe com a mesma gentileza e, por tabela, facilitar a vida dos seus leitores. Bom, o que dizer? Abrandai vossa vaidade?

Anônimo disse...

Scevole de Saint-Marthe (1536-1623)

Graves Sonnets, que la docte Italie
a pour les siens la primiere enfantez,
et que la France a depuis adoptez,
vous apprenant une grace accomplie.

Assez des-ja vostre gloire annoblie
par tant d’esprit, qui vous ont rechantez,
fait que de vous le haults Cieux son hantez,
fait que de vous ceste terre est remplie.

Venez en rangs aussi petits Huitains,
vennez Dizains, vrais enfans de la France.
si au marcher vous n’estes si hautains,

vous avez bien dessous moindre apparence
autant de grace, et ne meritez pas
qu’un estranger vous face mettre au bas.


Grave soneto, a Itália, douta pluma,
tem para si primícias de tua cria,
criança que França, então, adotaria,
ensinando-te graça que te apruma.

Há muito que tua glória se consuma
com teu canto que a tanta alma extasia,
que só contigo, o céu se cobriria,
que só contigo, a terra se avoluma.

Alinhai-vos também, breves Oitavas,
e Dezenas, nascidas desta França,
se vosso andar a tanto não se agrava,

decerto tendes vós, em vossa nuança,
tanta graça que nunca mereceis
que estranho algum deponha-vos de vez.

Abraço para você e para o Adriano,

Marcelo Diniz

Antonio Cicero disse...

Anônimo:

não se trata de vaidade. Confesso que não conhecia o blog dele. O link já está lá.

Antonio Cicero disse...

Caro Edson,

Para Heidegger, basicamente o cartesianismo consiste em tomar o ser humano como único sujeito (subjectum), isto é, único centro de referência dos entes enquanto tais; o que tem como consequência que a entidade se torna objetividade da representação e a verdade, certeza da representação.

Abraço

Antonio Cicero disse...

Caro Wilson,

Acho que Heidegger conhecia bem o grego; o que não o impedia de frequentemente forçar as suas traduções, para adequá-los às interpretações que lhe eram mais convenientes.

Abraço

Climacus disse...

sim, subjectum, como o grego hupokeimenon, traduz, também, substrato, uma e a principal definição da ousia, segundo Aristóteles (1029a)

Nobile José disse...

a impressão q dá é q há algo oculto ao debate, como se tuffani não revelasse a moral por trás de sua crítica ao texto de cícero.
suponho que seja algo de natureza política, e dois elementos me levam a crer dessa forma:
1) a citação de marx feita por tuffani; 2) o comentário do anônimo sobre caxambu x perrier.
agora, estando eu enganado (provavelmente esteja), sairá um debate filosófico interessante.

Anônimo disse...

Cicero,

A minha questão não era sobre Heidegger, mas sobre o cartesianismo em geral. Cartesianismo virou palavrão. Mas me parece que Descartes tem pouco a ver com o cartesianismo dos manuais (e de livros-filme como Ponto de mutação). Enfim...

Quanto a Heidegger, acho que a subjetividade moderna é inescapável: não adianta evitar e trocar as palavras. -- O curioso é que ele ainda faz o cartesianismo retroceder até os socráticos, uma verdadeira façanha! Culpa de Santo Agostinho?

Heidegger fala de uma verdade inobjetiva, como se uma árvore, além de existir, também pudesse ser verdadeira ou falsa: o sentido do ser. Ora, a árvore só tem sentido para mim, sujeito.

Mas, para Descartes, nem todo conhecimento é objetivo. O cogito, Deus etc. não são representações mentais de coisas. São intuições: verdades certas, certezas verdadeiras.

Além disso, se, para o pai da filosofia moderna, o cogito é o princípio do saber, Deus o é da realidade --inclusive do cogito. Mas claro: para Heidegger, Deus é um ente objetivo entre outros...

Abraço,
edg

wilson luques costa disse...

Prezados,
Ousia que vem de ovtja > ovsia > essência/substância/riqueza

Afrânio disse...

Desculpem-me a ignorância, caros comentadores. É verdade que Heidegger escreveu algures que o tempo é a maturação da temporalidade? E, no caso positivo, alguém poderia me explicar o que quer dizer isso. Muito grato.

Maurício Tuffani disse...

Prezado Nobile,

Com a certeza da receptividade de Antonio Cicero, respondo à sua inteligente provocação. Sempre haverá algo oculto em um debate, assim como em toda filosofia, como disse Nietzsche:

"Toda filosofia é uma filosofia-de-fachada — eis um juízo-de-eremita: 'Existe algo de arbitrário no fato de ele se deter aqui, de olhar para trás e em volta, de não cavar mais fundo aqui e pôr de lado a pá — há também algo de suspeito nisso'. Toda filosofia também esconde uma filosofia, toda opinião é também um esconderijo, toda palavra também uma máscara." [Além do Bem e do Mal, § 288. (Desta vez a referência está correta.)]

Observo apenas que não me atrevi a dizer quais são as intenções morais de Antonio Cicero, mas apenas de dizer que elas fazem do questionamento da razão um tabu. Nesse sentido, sou suspeito para dizer quais são as minhas, embora tenho minhas suspeitas de quais são elas. E creio, sinceramente, que você está no caminho certo com as pistas que levantou.

Saudações,

Maurício Tuffani
http://laudascriticas.wordpress.org

Climacus disse...

desde Plotino, ou melhor, desde Píndaro, viu-se o tempo como uma imagem da eternidade, do sem tempo, mas como entender que algo sem medida, como a eternidade, possa servir de referência para o que vivemos?

Pessoa:

“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”

Anônimo disse...

Caro Tuffani,

Não que eu tenha algo contra o raciocínio ad hominem, que, bem entendido, não constitui falácia e sim método.

Mas as teses nietzschianas que você cita -- "toda filosofia é uma filosofia-de-fachada"; "toda filosofia esconde uma filosofia"; "toda opinião é um esconderijo", e "toda palavra, uma máscara" -- não são circulares ou autocontraditórias?

Sim, porque, se são enunciadas por um filósofo, no contexto de um discurso filosófico, então elas também são fachada, esconderijo, máscara...

Qual é a filosofia por trás da sua filosofia? E a filosofia por trás da filosofia por trás da filosofia? Como se evita o regresso ao infinito nessa verdadeira filosofia de esconde-esconde?

Ou será que, para você, tudo é máscara? Mas se não há nada por trás da máscara, então também não há máscara...

Faz sentido isso? Você quer argumentar ou fazer poesia? O Cicero é muito bom tanto numa como na outra coisa. Mas ele não mistura as estações.

Abraço,
edg

rodrigo madeira disse...

sei que não tem nada a ver com a discussão dos posts acima, mas quero fazer uma homenagem ao ferreira gullar, que ontem foi agraciado com o "prêmio camões". já era tempo.
pra não fugir tanto assim, um poema filosófico (filho da moderna metafísica da subjetividade?)

UMA PEDRA É UMA PEDRA


uma pedra
(diz
o filósofo, existe
em si,
não para si
como nós)
uma pedra
é uma pedra
matéria densa
sem qualquer luz
não pensa
ela é somente sua
materialidade
de cousa:
não ousa
enquanto o homem é uma
aflição
que repousa
num corpo
que ele
de certo modo
nega
pois que esse corpo morre
e se apaga
e assim
o homem tenta
livrar-se do fim
que o atormenta

e se inventa

***
e este, camoniano, a mostrar o fabuloso sonetista - se ele não abrisse mão do soneto ainda em seu primeiro livro - que ele poderia ser...

*
Prometi-me possuí-la muito embora
ela me redimisse ou me cegasse.
Busquei-a na catástrofe da aurora
e na fonte e no muro onde sua face,

entre a alucinação e a paz sonora
da água e do musgo, solitário nasce.
Mas sempre que me acerco vai-se embora
como se me temesse ou me odiasse.

Assim persigo-a, lúcido e demente.
Se por detrás da tarde transparente
seus pés vislumbro, logo nos desvãos

das nuvens fogem, luminosos e ágeis!
vocabulário e corpo - deuses frágeis -
eu colho a ausência que me queima as mãos.

- Ferreira Gullar

wilson luques costa disse...

Prezados, não achei nada nas palavras do M. Tuffani que pudesse causar toda essa polêmica. Em alguns aspectos, até concordo com ele. Eu penso que se fez um tsunami com uma marola. Não entro no mérito das citações indevidas ou não; mas que a ideia clara e distinta de razão não me passa, não me passa. PENSO QUE TEMOS VERDADES ESPECÍFICAS E QUE O PROBLEMA SERIA UNIVERSALIZAR ESSAS VERDADES EM FUNÇÃO DE: SE A = A ENTÃO JOÃO = JOÃO; EU = EU; ZERO = ZERO ETC. Uma coisa que também penso é que ninguém é contra ciência, posto que ciência é muitas vezes verdade legiferada e aceita por uma comunidade; ao passo que uma verdade do tipo aritmética como 2 x 3 = parece-nos até o momento verdadeira para
2 x 3 = 6 sem que sirva de baluarte ou esteio para outras digressões supostamente lógicas. Uma coisa é ciência; outra é razão -- não que não ocorra ou exista razões na ciência. Como diria um filósofo austríaco, é necessário colocar as regras do jogo ates de jogarmos bem o jogo. As minhas regras? Nem eu mesmo as saquei ainda de minha algibeira.
grato

Nobile José disse...

Querido Cicero,

trechos da entrevista interessante de ferreira gullar na forlha hj, da qual pinço umas frases interessantes sobre razão:


"O senhor ainda se considera de esquerda? Essa coisa de direita e esquerda é bastante discutível. Quem é de esquerda hoje? O Lula é de esquerda? Não me faça rir. Eu nunca tive medo de pensar por mim mesmo. Não fico preso a uma verdade indiscutível. "

"Arrepende-se de ter sido filiado ao Partido Comunista na década de 1960? O marxismo foi uma atitude correta e digna diante do capitalismo selvagem do século 19. Surgiu como uma alternativa contra aquela coisa inaceitável. Mas a projeção da sociedade futura, com a ditadura do proletariado, é um sonho equivocado. O marxismo tem uma visão política generosa, mas equivocada."

"O senhor, então, também se equivocou? Eu também cometi muitos erros na época [anos 60]. A fúria fundamentalista só conduz ao erro. Queria me sacrificar pelos interesses do país, mas não basta ter razão para estar certo. "

"não basta ter razão para estar certo" é óóóóóóóótimo.

bj e bom feriado!

Anônimo disse...

Caro Antônio Cícero,


Venho acompanhando esse debate com muito interesse e atenção. Uma das dificuldades que encontrei, na tentativa de compreender a polêmica, é bem sintetizada num comentário que surgiu, recentemente, em “Laudas Críticas – o blog de Maurício Tuffani” (http://laudascriticas.wordpress.com/2010/05/26/tabu/). Lá, na área de comentários, em 31/05, encontramos o seguinte acerca de observações suas sobre o anticartesianismo de Heidegger em “Ser e Verdade”:
“Dúvida 1: de fato na p. 53 ele reclama mesmo da grande importancia de Descartes nas universidades da Alemanha, e na p. 54 ele fala q Descartes é o início da decadencia da filosofia, mas ñ é como o Cicero diz pq o Heideger ñ relaciona uma coisa c/ a outra do jeito q esse parágrafo dele diz. Quer dizer, ele força a barra, vc ñ acha?
Dúvida 2: mas antes disso o Heidegger superelogia o Descartes na p. 51, dizendo q ele arrancou a filosofia de uma situação indigna. Na p. 52 ele fala tb q “ele ousa filosofar radicalmente” e faz outros elogios q ñ tive tempo de anotar.”
Por seu turno, Maurício Tuffani diz que não pretende seguir tal linha em sua tréplica, e que prepara algo sustentado em bases totalmente diferentes. Ainda assim, fiquei curioso e fui verificar o alegado pela comentadora (aliás, Anônima) quanto ao texto de Heidegger. E, bem: realmente, as citações estão todas corretas, como se pode observar na edição da Vozes de 2007, tradução de Emmanuel Carneiro Leão, revisão de Renato Kirchner.
Assim, já que a dúvida foi posta – e não esclarecida – penso que seria interessante se o senhor pudesse abordar a relação, entre as afirmações de Heidegger, acerca do excesso de Descartes nas universidades alemãs e “o início de uma mais ampla decadência fundamental da filosofia”.

Atenciosamente,

André Falavigna

wilson luques costa disse...

errata

(a ciência)

(não que não ocorram ou existam razões na ciência)

grato

Afrânio disse...

A filosofia de Heidegger exemplifica o que disse Nietzsche, segundo o qual toda filosofia esconde uma filosofia. No caso de Heidegger não é necessário regresso ao infinito. Está logo ali, segundo Cícero. De acordo com Antonio Cícero, a filosofia de Ser e Tempo é protonazista. A adesão ao nacional-socialismo proveio da essência da sua filosofia, como reconheceu o próprio Heidegger, segundo Cícero. A ética de Heidegger apoiou-se, pois, na sua metafísica, o que me parece natural em qualquer filósofo, a menos que seja incoerente.

ADRIANO NUNES disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Aetano disse...

Caro Cicero,

Esse norteamento, essa forma de apontar as direções é o que eu mais lhe devo. Aliás, esse tributo eu devo a todos aqueles que me ajudam na difícil tarefa de orientar-se no mundo.

Obrigado mesmo!

P.S. Caro Tuffani, a citação de Nietzsche a que você se refere está na seção 289 (e não 288) de "Além do bem e do mal".

Para quem quiser conhecer as (possíveis) máscaras do pensamento de Nietzsche, eu recomendo entusiasticamente a leitura de "Nietzsche - o rebelde aristocrata", de Domenico Losurdo.


Aetano

Prozaico disse...

Excelente texto, Antonio Cicero.

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Da série "A fim de ser aforismo":

A linha do horizonte sempre se afasta: agora é o caminhar que me basta.

Prozaico

Prozaico disse...

A propósito desse debate, venho trazer a minha palavra do dia:

"ACRIBIA"

Prozaico

WILSON LUQUES COSTA disse...

PREZADOS,

Descartes comete alguns deslizes na sua explicitação no Discurso do Método, sobretudo no que se segue: ´...e, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava.` Agora vou lhes demonstrar o problema lógico de Descartes: ´E, ao perceber que nada há no eu penso, logo existo, que me dê a certeza de que digo a verdade, salvo que vejo claramente que, para pensar, é preciso existir, concluí que poderia tomar por regra geral que as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras, havendo somente alguma dificuldade em notar bem quais são as que concebemos distintamente.` O problema de Descartes não é, a meu ver, a não certeza que afirma a posteriori, mas sim um problema atinente à lógica, se reduzirmos a conceituação de verdade a enunciados lógicos, onde teríamos um conjunto V de verdade com Clareza e Distinção e um conjunto particular em que só comporta a Clareza para a verdade cartesiana -- donde se concluí que o Penso, logo existo é claro, mas jamais verdadeiro, sob o estrito ponto de vista de verdade cartesiano.

QUADRADO DOS OPOSTOS E A CONTRADIÇÃO CARTESIANA
(A)Toda verdade é distinta
(O)Alguma verdade não é distinta
Isso, contudo, não significa dizer que não aprecio Descartes.
Aliás, julgo o Discurso do Método um livro muito aprazível.
Já o reli várias vezes.
Mas eu não posso, com efeito, deixar pedra sobre pedra.

27/04/2008

Antonio Cicero disse...

Caro André,

Não admira que a comentadora que você cita se mantenha anônima. Ou se trata de uma pessoa de extrema má fé ou de alguém que não entende nada de filosofia, de modo que não consegue sequer ler uma página de Heidegger.

Não tenho a edição brasileira que ela cita, mas foi fácil verificar que o texto em que ela diz que Heidegger “superelogia o Descartes” se encontra no §10 do texto que citei. Esse parágrafo se intitula “Die neuzeitliche Metaphysik in ihrem scheinbaren Neuanfang bei Descartes und ihre Verfehlungen”, isto é: “A metafísica moderna em sua aparente renovação por Descartes e seus equívocos”. Preste atenção: “APARENTE renovação” e “seus EQUÍVOCOS”.

A primeira parte (a) desse parágrafo se intitula: “Das übliche Bild des Descartes. Die strenge Neugründung der Philosophie aus der radikalen Zweifelsbetrachtung”, isto é: “A imagem corriqueira de Descartes. A refundação rigorosa da filosofia a partir da consideração da dúvida radical”. Preste atenção: “a IMAGEM CORRIQUEIRA DE DESCARTES”.

Já esses títulos deveriam fazer um leitor medianamente inteligente compreender que Heidegger está, nesse parágrafo, a criticar a concepção que vulgarmente se tem de Descartes. Para tanto, a primeira coisa que Heidegger faz é descrever essa imagem vulgar. E o capítulo começa com a seguinte frase: “A imagem comum desse filósofo (1596-1650) e de sua filosofia é a seguinte”. Tudo o que se segue é, evidentemente, a descrição do que se pensa vulgarmente sobre Descartes. Pensa-se, por exemplo que “Na Idade Média, a filosofia se encontrava, se é que ela se encontrava, sob o domínio da teologia [...]”. Pensa-se também que, “Dessa situação indigna a filosofia foi arrancada por Descartes”. E se pensa igualmente que “ele ousou filosofar radicalmente” etc. São as frases que a anônima cita.

E essa parte (a) do parágrafo conclui dizendo que “Esse Descartes, visto desse modo, com sua dúvida universal e a simultânea ‘ênfase’ no eu, é o mais amado e comum objeto para as provas e trabalhos de filosofia nas universidades alemãs. Este uso persistente há séculos não passa de um sinal, mas é um sinal inconfundível da ausência de pensamento e falta de responsabilidade que nelas se difundiu [...]”.

Na segunda parte (b), do parágrafo, ele diz que “O radicalismo da dúvida de Descartes e o rigor da nova fundamentação da filosofia e do conhecimento em geral é uma aparência e, com isso, a fonte de erros perigosos e, ainda hoje, dificilmente erradicáveis” e que “esse suposto novo começo da filosofia com Descartes não só não existiu, mas é na verdade o começo de uma maior e mais essencial decadência da filosofia”.

Que a desonestidade e/ou a burrice dessa comentadora anônima não tenha sido percebida imediatamente pelo próprio Tuffani é muito estranho.

Meus argumentos sobre o anticartesianismo de Heidegger repousam no parágrafo do meu artigo que começa com “Digo isso porque [...]”. Quem não entender, depois de o ler, que Heidegger não podia deixar de ser anticartesiano, entenda ao menos que, carecendo de qualquer vocação para o pensamento filosófico, deve dedicar-se a outras coisas.

Atenciosamente

Antonio Cicero disse...

Caros leitores:

Confesso que, ao reler os comentários desta postagem, vi que perdi a paciência, ao responder ao comentário de André Falavigna, que citava certa anônima que, no blog do Tuffani, manifestava duas dúvidas. Ei-las:

“Dúvida 1: de fato na p. 53 ele [Heidegger] reclama mesmo da grande importancia de Descartes nas universidades da Alemanha, e na p. 54 ele fala q Descartes é o início da decadencia da filosofia, mas ñ é como o Cicero diz pq o Heideger ñ relaciona uma coisa c/ a outra do jeito q esse parágrafo dele diz. Quer dizer, ele força a barra, vc ñ acha?

Dúvida 2: mas antes disso o Heidegger superelogia o Descartes na p. 51, dizendo q ele arrancou a filosofia de uma situação indigna. Na p. 52 ele fala tb q “ele ousa filosofar radicalmente” e faz outros elogios q ñ tive tempo de anotar.”

Na “Dúvida 1”, ela me acusa de “forçar a barra”, ao relacionar a tese de Heidegger de que as universidades alemãs dão importância exagerada a Descartes e a tese do mesmo de que Descartes representa uma decadência essencial da filosofia. Ora, não há nenhuma “forçação de barra” por mim, mas sim pela anônima. Heidegger fala da importância atribuída a Descartes nas universidades alemãs, que o consideram modelo do pensador radical; diz que essa importância é um sinal da ausência de pensamento e da irresponsabilidade que vige nessas universidades; e afirma que o radicalismo que elas atribuem a Descartes é uma ilusão; que, na verdade, Descartes é um pensador decadente. A anônima, entretanto, não consegue ver nenhuma relação com entre essas teses de Heidegger e diz que sou eu que forço a barra...

Irritado com o que só pude interpretar como ignorãncia e/ou burrice e/ou má fé, fui até o blog do Tuffani, ver o que, integralmente, a anônima dizia. Ora, o que ela dizia, referindo-se a mim, era: “acho que ele mandrakeou a réplica contra sua crítica a ele”. Eu “mandrakear” alguma coisa? Francamente! Fiquei indignado. Foi quando perdi a paciência.

E o pior é que, em seguida (na “Dúvida 2”), ela citava as palavras em que Heidegger descreve o que considera a avaliação errônea, feita pelas universidades alemãs, de Descartes, como se representassem as ideias do próprio Heidegger, sem entender (ou fingindo não entender?) que este só as está citando para criticá-las.

Acho que a anônima merece todo o meu desprezo, mas peço desculpas, não a ela, mas aos leitores por ter perdido a paciência com ela aqui, no blog.

Anônimo disse...

Tranquilize-se, Cicero: se alguém "mandraqueou" alguma coisa, foi o próprio Heidegger.

Recusar a Descartes a sua posição de destaque na história do pensamento humano só pode ser obra de prestidigitação. Ele devia então fazer a mesma coisa com todos os outros filósofos que reconhecem a importância de Descartes, ou seja, quase todos os grandes modernos e contemporâneos! Por exemplo, Hegel, para quem Descartes foi um herói do pensamento, cuja importância não pode ser exagerada.

Mas fui conferir o que Heidegger pensava sobre Descartes na sua "História da filosofia: de Tomás de Aquino a Kant" (Vozes: 2009). Além de defender teses falsas, como a de que a recíproca do cogito (sou, logo penso) também vale, na verdade ele se limita a criticar Descartes por ser... moderno!

Quanto às universidades alemãs, porém, Heidegger tem certa razão. Nos anos 90, era possível assistir no Studium generale da primeira universidade privada da Alemanha a um curso, ministrado pelo excelente Franco Volpi, sobre o Nietzsche de Heidegger: isto sim é que é decadência!

Ab.,
edg

wilson luques costa disse...

Prezado Antonio Cicero,
Gostaria que, se possível, -- se já não discorreu em outros artigos - discorresse sobre a importância do cogito cartesiano. Quais seriam as suas implicações? Por que ser designado como algo racional? O que você compreende, por fim, como razão? O cogito seria universal ou não? Abordar sobre o cogitare do século 16. O que se entende como pensar? Uma criança de seis meses é capaz de pensar como um adulto e duvidar? Falo isso, embasando-me em Piaget. Outra coisa, um ser humano só teria a capacidade de pensar relacionando-se com os objetos sensíveis para poder representar o mundo? Qual seria o seu posicionamento em relação a uma pessoa internada numa uti num estado de coma? Ela existe ou não existe? Posto que (conforme Descartes) poderíamos reduzir o cogito, ergo sum a algo similar como: se A então B; Ou seja, B consequência de A -- ou melhor, a existência oriunda do pensar? Então haveria distinções entre ser, viver e existir? Falo tudo isso, porque poderá, a meu ver, ocorrer implicações nefastas no campo jurídico e ético. Muito obrigado, mais uma vez, pelo espaço a nós concedido. Agrada-me deveras essa máxima: ´As nossas ignorâncias poderão ser muito sábias.´

ADRIANO NUNES disse...

Caro Cicero,


Estou sempre aqui e lá no blog do Tuffani (depois desse debate, óbvio - porque lá não há nada que me interesse intelectualmente!). Li o comentário da "Anônima" e de outros e fiquei indignado como uma pessoa agradece a um ser anônimo, por mérito não merecido, por dar crédito à precária intectualidade do assunto ali tratado. Pergunto-me e pergunto-te:

1) O que é a tal máfia do dendê?
2) Porrada por vir pra você na folha?

No Brasil, há poucos intelectuais e pessoas inteligentíssimas como você. É inadmissível alguém tecer comentários sobre assuntos que não domina. Claro, tudo deve ser passível de crítica ( Salve Kant!).. Mas crítica, razão e não maldade forjada de falso conhecimento, ou mesmo jornalismo barato. O "X" da questão : brilhar incomoda. E como diz Wilde:
"A ambição é o último recurso do fracassado."


Parabéns pela elegância e humildade ao tratar de questões desse tipo. Bravo!


Adriano Nunes.

Maurício Tuffani disse...

Prezado Cicero,

Parece-me evidente que a "Anônima" interpretou erroneamente o trecho da pág. 51 da tradução brasileira da "Grundfrage" do Heidegger. E foi justamente por isso que eu respondi ao comentário dela que não existe essa contradição. Parece-me que você não percebeu isso ao afirmar: "Que a desonestidade e/ou a burrice dessa comentadora anônima não tenha sido percebida imediatamente pelo próprio Tuffani é muito estranho." Nem por isso atrevo-me a dizer que você cometeu "burrice" ou "má-fé" ao fazê-lo.

Sobre a questão de Edson Donaldo Gil a respeito da possibilidade de regressão ao infinito de Nietzsche no § 289 de "Além do Bem e do Mal": entendo haver uma diferença entre uma filosofia manifesta e uma filosofia oculta. O próprio trecho transcrito por mim deixa claro que a primeira consiste no "cavar aqui" e deixar de fazê-lo lá. A segunda consiste na recusa inconfessa de "cavar lá".

Ao Aetano, agradeço pela correção: § 289, e não § 288.

Saudações,

Maurício Tuffani

Antonio Cicero disse...

Caro Wilson,

você está pedindo demais! Responder a essas perguntas exigiria alguns volumes. Sobre a importância do cogito cartesiano, entretanto, já falei muito no meu livro "O mundo desde o fim". E falo mais sucintamente no ensaio "A sedução relativa", que se encontra no livro "O silêncio dos intelectuais", organizado por Adauto Novaes e publicado pela Companhia das Letras.

Antonio Cicero disse...

Adriano,

muito obrigado pelo seu apoio.

"Máfia do dendê", se não me engano, é uma expressão criada por Paulo Francis para falar pejorativamente de grandes artistas baianos como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Essa expressão, criada por um notório reacionário, é hoje empregada pelo segmento mais reacionário e burro da esquerda. Acho que pensam que sou baiano porque meu pensamento é independente e, naturalmente, incompreensível para eles.

Quanto a "porrada na Folha", só eles sabem.

Abraço

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,


Quero postar aqui um diálogo com Tuffani no blog dele:

O anonimato descomedido e intelectualmente fraco não merece crédito, muito menos agradecimentos, certo Tuffani?

Abraço,
Adriano Nunes.
adriano nunes

sexta-feira, 04/06/2010 em 20:38
Adriano Nunes,

Acho pior a reação descomedida como a sua e a de Antonio Cicero a uma interpretação claramente errônea, no caso a do trecho da pág. 51 da tradução brasileira da Grundfrage do Heidegger. Acabei de postar no blog dele um comentário ressaltando que eu disse a ela que não há a contradição que ela afirma, e que ele, apesar disso, disse: “Que a desonestidade e/ou a burrice dessa comentadora anônima não tenha sido percebida imediatamente pelo próprio Tuffani é muito estranho.” Ou seja, ele não notou isso, mas nem por isso eu me atrevo a dizer que ele cometeu “desonestidade” ou burrice”.

Quanto ao agradecimento, foi pelo elogio ao meu blog e também por algo muito específico, que é minha atuação contra a obrigatoriedade do diploma de jornalismo. Você não notou isso, mas também não direi que por isso você cometeu “desonestidade” ou burrice”.

Saudações,

Maurício Tuffani
Mauricio Tuffani

sexta-feira, 04/06/2010 em 22:23
Seu comentário está aguardando moderação.
Caro Tuffani,

Você sempre se perde em suas referências? Porque até citando Nietzsche você cometeu outro erro. O meu amigo Aetano fez com que você mesmo reconhecesse isso no blog do Cícero. Fico receoso de dar crédito à qualquer citação sua, pois todas até agora foram falhas. É fato ou mentira? Descomedido é apressar-se em tratar assuntos dos quais não se tem domínio pleno!

E reafirmo: anonimato para mim é vazio, vácuo, nada que me interesse! Covardia plena!

Abraço,
Adriano Nunes.

Antonio Cicero disse...

Prezado Maurício,

Já expliquei que respondi assim a essa anônima porque me senti ofendido por ela, que me acusou de desonestidade intelectual. Que mais quer dizer "ele mandrakeou a réplica contra sua crítica a ele"?

E também considero ofensivo o fato de que você, em resposta a ela, declarou: “de fato Antonio Cicero fez uma interpretação indevida e enganosa ao tomar duas afirmações de Heidegger distantes alguns parágrafos uma da outra e colocar na boca do pensador alemão uma inferência de ambas que ele não fez”. Isso é absolutamente falso, como já observei em resposta ao André Falavigna e na minha explicação aos leitores do blog. Heidegger diz (1) que a importância dada a Descartes é sinal de falta de pensamento e irresponsabilidade das universidades alemãs e, logo depois, explica (2) que a radicalidade da dúvida de Descartes é meramente aparente e (3) que o pretenso novo princípio da filosofia de Descartes é o início de uma decadência da filosofia. Dizer que relacionar (1), (2) e (3) é uma “forçação de barra” é absurdo.

Finalmente, devo dizer que o meu pensamento filosófico é inteiramente explicitado em livros, ensaios e artigos. Por exemplo, ninguém ignora que defendo a razão e ataco o relativismo contemporâneo. E afirmo que ocultas e suspeitas são as intenções de quem se sente ofendido pela defesa da razão, e não as de quem a defende.

Atenciosamente

Anônimo disse...

Maurício,

Desculpe-me, mas nem o trecho do Nietzsche e nem a sua tentativa de explicá-lo são claros.

Nietzsche contradiz-se o tempo todo, como nesse trecho que você cita. Ele é sim estiloso, e não claro.

Mas os genealogistas nietzschianos e arqueólogos foucauldianos alegam que, "em" Nietzsche, a autocontradição é deliberada, e mesmo metódica.

Para mim, isso é papo de quem cava em solo não filosófico.

Kant também cavava, mas fazia isso racionalmente: o bathos da experiência.

Ab.,
edg

wilson luques costa disse...

Prezado Antonio Cicero,

O CÉREBRO UM PRESENTE DE DEUS, DO MÍSTICO OU DOS DEUSES?

Grato pelo retorno. O seu livro eu venho lendo e compreendendo e não compreendendo. É um livro cheio de citações, difícil etc, e quando o não entendo largo-o para ler umas leituras mais amenas para mim, a saber, Schopenhauer, Cioran, Nietzsche, Ortega Y Gasset ou os parcos rudimentos gramaticais incipientes e insipientes do grego e do hebraico... Quanto ao livro da cia das letras, eu vou checar na minha parca biblioteca. Mas como dizia Descartes: eu penso que as coisas devem ser claras e distintas e eu tenho sempre um estranhamento aos estranhos escritos e às não-respostas e/ou respostas-evasivas; e olha que eu não tenho dificuldade em ler em grego noésis, noemata e até diferenciar um nominativo no singular e no plural e não confundir acustivo com o mesmo nominativo. Quanto às perguntas que faço, não vejo de mau tom questionarmos acerca; porque me parece que o cogitare é menos um pensamento movido -- até mesmo a definição do que é pensar torna-se um tanto obscura e indefinível. Será que o sonho, o devaneio, a esquizofrenia, a paranoia são tipos de pensamento - (pensamentos não movidos pela ´consciência´)? Aliás, se o homem herdou essa capacidade de raciocinar (o cérebro) e se o cérebro evoluiu, se, de fato, evoluiu, isso não me parece advindo pela razão (tout court dóra physis) -- a razão vindo a posteriori. Será que o homem em sua evolução, se realmente evoluiu, passou pelos 4 estágios piagetianos, até atingir (hodie)- alguns - a sua adolescência ou maturidade no lógico-formal? Foi com Descartes, então, que alguns homens´ saíram de seu egocentrismo e de sua lalía, para tornarem-se homines técnico-racionais? É, pelo que leio de seus escritos, o que me parece. Por isso, não olvide de agradecer a Deus, ao místico ou aos deuses por isso.
grato, na esperança de relevar o meu bom ou mau-humor...
vanitas vanitarum
Alguém já disse uma vez que toda ´UNANIMIDADE É BURRA´

ADRIANO NUNES disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
wilson luques costa disse...

Perdoem-me pelas erratas
´Poderão ocorrer´
data venia
escrevo
currente calamo

Prezados,

Pelo que compreendo, esse espaço, muito democraticamente cedido pelo Antonio Cicero, não pode se transformar numa bataha irracional. Eu sei que - com o meu lado muitas vezes sofismático e sardônico - alguém poderia dizer que faço daqui etiam um ringue filosófico, o que não seria verdade ou seria? É de espantar que o tema razão nos leve justamente ao seu oposto. Eu penso que se deve colocar o questionamento; a dúvida metafísico-conceitual para aclararmos o ínclito debate (non débâcle); o que não devemos é tomar partido, se se quer com efeito uma tentativa de um verdadeiro filosofar. Não devemos perder o foco filosófico. Eu fico imaginando essa contenda no boteco do galinha aqui na vila cisper regada a samba e cavalinho lá pelas 3 de la matina: no mínimo, um genocídio coletivo. Não podemos fazer desse debate uma batalha de pirro. Aos vencedores racionais as batatas racionais e não o fogo inimigo. Esse texto eu iria denominar de carta ou e-mail a um juvenil poeta, mas preferi denominá-lo de ´Veste tu a carupuça se quiseres´ Nossa, acredito que fiz sem querer mais um decassílabo...

wilson luques costa disse...

Prezado Adriano,
Parece-me que você vestiu a carapuça. Veja: Freud denominava algo de ato falho e o seu ato falho é o espanto da poesia que lhe assombrou, mas não sei se o seu estro assombrou a poesia. Fazedores são muitos, poetas são poucos. Não devemos jamais confundir mimese com arremedo e vice-versa. Eu não tenho nada contra você, posto que não o conheço. Mas acho o seu ataque ao Maurício indevido e injustificado. O próprio Antonio Cicero, creio, não concordaria com essa sua atitude. Eu não conheço o Maurício, nem conheço as suas ideias, mas ele foi uma pessoa humilde -- e se errou, vamos retificar o seu erro. Também não concordo com essa coisa de Dendê. Eu, por exemplo, se me iniciei em alguma coisa, foi graças a Caetano, Gil, Gal, Doces Bárbaros, Waly, Glauber - aliás, sou orgulhoso de ter meu pai que faleceu há um mês lá da chapada diamantina. Acho o Caetano cultíssimo e sinto falta de suas intervenções -- o mesmo ocorrendo quanto ao Antonio Cicero que é deveras culto; mas o fato de questionarmos é próprio da natureza filosófica e não o aplauso subserviente e tolo.(ALIÁS É NÃO SE SENTIR GRANDE, MAS IGNORANTE E NÃO IGNARO). Por aí você já imagina porque a filosofia brasileira é manca e porque nunca produziu quase nada de valor -- porque sempre foi mimética; porque sempre foi subserviente e colonizada, porque não há debates mas sim confrontos (Pálin: vanitas vanitarum). E se você quer saber, eu não entendo nada de nada de Heidegger e olha que já frequentei um semestre com um das maiores sumidades no assunto e acho que quem melhor definiu Heidegger foi o Romeno Cioran -- esse sim um dos maiores que já li; o mesmo ocorrendo com Descartes. O que faço, e isso faço na sala de aula, é apontar inconsistências lógicas no seu discurso, mas o faço com os meus brilhantes alunos. Quanto a ser grande ou pequeno eu não entendo sobre o que você pensa. Veja, eu mesmo fico aqui no meu cantinho sendo esse ponto insignificante pontuando o mundo. Não me apraz nem os encômios já algumas vezes recebidos de figuras - aí sim grandes - a saber: Olavo de Carvalho (goste ou não) e o próprio (data venia pálin) Antonio Cicero que me escreveu que o meu estudo pareceu-lhe intrigante e original. Outra coisa: a meu ver, não é o poeta que se autonomeia e sim o olhar do outro poeta. E tem mais: nunca fiz lobby com ninguém, nem nunca participei de grupelhos para me sair bem; uma porque talento não se pega por osmose; porque quero também ter a coisa mais sagrada que a vida me proporcionou a minha liberdade, por isso esse meu anonimato -- e não é por isso que deixei de sair com alguns textos por aí; compre a revista coyote e me verá lá insignificante -- aí sim -- ao lado de grandes como Bukoviski, Cecilia Vicuña, Edmond Jabès e outros. De fato, eu creio que algo de errado deve ter mesmo acontecido no reino da Dinamarca.

ALGUNS HOMENS
NASCEM PÓSTUMOS

EU
POR EXEMPLO

NASCI NO MEU PRÓPRIO TEMPO

TEMPO DE HORROR
TEMPO DE BARBÁRIE

Desde já, o meu mais cordial respeito

6 de junho de 2010 14:29

ADRIANO NUNES disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Dendê? Anônima? Sempre tenho a impressão de estar pegando o bonde andando. Máfia do Dendê? Não entendi bem... Isso é o nome de alguma operação maluca da Polícia Federal? Filosofia é uma coisa bastante complicada! Um dia eu entendo...

Afrânio disse...

Cícero afirma que a Razão é absoluta e qualquer tentativa de relativizá-la é desqualificá-la. Tuffani declara que relativizá-la não é desqualificá-la. Diante do impasse, permitam-me submeter-lhes, caros colegas, a minha teoria. O cérebro humano realiza várias funções (controle, memorização, imaginação, etc) entre as quais uma das mais importantes é a função da Razão que se manifesta principalmente pela construção de conceitos, proposições, teorias, argumentos, críticas etc. Todo construto (conceitos, proposições, teorias, trechos de teorias, argumentações, críticas, etc) é produzido e conservado por uma rede neuronial tanto mais complexa quanto mais complexo é o construto. Desses pressupostos decorre: 1) toda Razão é individual; inexiste a Razão coletiva, pela simples razão de que a coletividade é desprovida de cérebro. Quando muito pode haver uma aproximação dos produtos das Razões individuais. 2) Como há cérebros mais poderosos e possuidores de outras qualidades, e cérebros menos poderosos e desprovidos dessas qualidades, há Razões (porque produtos que são de cérebros) mais fortes e Razões mais frágeis etc. 3) Daí a produção de críticas profundas, críticas superficiais, críticas corretas, críticas incorretas, críticas mal-intencionadas, críticas hipócritas etc.
Concluíndo: 1) A Razão é relativa porque é individual, depende do cérebro que a produz. 2) A Razão só é absoluta no sentido de que deve criticar tudo, inclusive a si mesma.
Os físicos teóricos concebem teorias e as submetem à comprovação dos físicos experimentais. Submeto minha teoria à crítica dos colegas e à comprovação dos neurocientistas. Grato pela atenção.

wilson luques costa disse...

Prezado Adriano, grato pelas suas palavras. Eu só queria um leitmotiv para atuarmos pacificamente.PEÇO DESCULPAS SE FUI TRUCULENTO. NÃO QUIS LEVAR PELO LADO PESSOAL. VEJO QUE ÉS UM AMANTE DA POESIA E ISSO É TUDO. O TEMPO É O MAIOR JULGADOR DOS POETAS. QUANTO AO AFRÂNIO EU VOU UM POUCO NUM SENSO COMUM MEU NA MESMA DIREÇÃO, QUE LOGICAMENTE SERIA TAMBÉM PASSÍVEL DE CRÍTICAS.
UM ABRAÇO CARINHOSO EM TODOS OS COLEGAS E PRINCIPALMENTE NO MAURÍCIO E NO ANTONIO CICERO QUE NOS POSSIBILITARAM ESSE ARRAZOADO AQUI POSTO.

Nobile José disse...

a filosofia existe para que nada fique oculto ao debate!

do pouco de li e vi, parece que há um confronto entre o que deve se submeter a que: liberdade ou igualdade?

os racionais priorizam a liberdade e os irracionais, a igualdade.
assim, os irracionais pregam que a liberdade não existe: é mero floreio dos liberais para enganar os incautos. daí a necessidade do dogma do pensamento unificado, antes sistematizado em igrejas, atualmente pregado em partidos, facções, cuba, etc.

a razão precisa da liberdade, e a liberdade da razão. com a liberdade, pode-se chegar a algo perto da igualdade. mas priorizando-se apenas a igualdade, dificilmente se chega à liberdade.

atacar a razão, portanto, significa atacar a liberdade de pensar por si próprio, "veneno cor de rosa" a asfixiar os totalitaristas.

relativizar a razão significa dar razão a fidel pelos crimes politicos contra cubanos que pensam (e pensaram durante anos) diferentemente da família castro.

sou a favor da prisão da turma torturadora do brasil, da mesma forma que defendo a prisão de fidel. o fato de lá ter saúde e educação pra todos, e aqui termos uma ponte que liga niterói ao rio, não exime os delinquentes estatais de pagarem pelo o que fizeram.

ninguém tem o direito de pensar por ninguem, de decidir por ninguém - a menos que tenha um mandato legítimo. mas ainda assim, tal mandato só pode ser exercido dentro dos limites da lei.

a razão é o único instrumento que nos tira da submissão intelectual. e é de uma clareza meridiana que é isso que incomoda os que ela atacam.

(relendo, percebo que baixou o filósofo de botequim em mim!!!!! mas é que prefiro pagar um mico pensando por mim mesmo, a ser doutor naquilo que nem sei...)

Antonio Cicero disse...

Afrânio,

pretendo responder a seu comentário, mas não posso fazê-lo agora, pois estou sem tempo por esses dias.

Abraço

Anônimo disse...

Caro Afrânio,

Explique por favor como é possível que uma razão individual, relativa (a quê?) faça juízos universais, absolutos como os que você, ou melhor, sua razão individual, relativa acaba de fazer: "a razão é x", "não existe p" etc.

Ab.,
edg

Maurício Tuffani disse...

Prezado Antonio Cicero,

Já está publicada na Folha minha resposta. Para os assinantes do jornal e do UOL, ela pode ser acessada pelo endereço http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0806201008.htm.

Ela também está em meu blog: http://laudascriticas.wordpress.com/2010/06/08/banalizacao, onde estarei à disposição para eventuais questionamentos.

Saudações,

Maurício Tuffani

Prozaico disse...

Da série "A fim de ser aforismo":

Toda expectativa em torno da humanidade está fadada à frustração: há alguns dias o homem era apenas um verme.

*

Prozaico

wilson luques costa disse...

Somos apenas ainda meros jogadores

Acerca das conexões neurais, eu penso um pouco diferente em torno da razão. O que critico é justamente se essa diferença se estabelece; porque teríamos uma hierarquização dos homens que pensam a razão e pela razão e os que não pensam pela razão. O que pretendo dizer é que: se o homem herdou essa capacidade para pensar, isso não se deve a ele; ou seja, ele depende, vou designar assim, desse seu existir, de seu soma; e aí já coloco uma diferença do existir simplesmente: (respirar, alimentar-se etc) -- funções fisiológicas que seriam indispensáveis à possibilidade do pensamento; vejam, uma pessoa com hipoglicemia terá convulsões que poderão lhe destruir os neurônios e a capacidade para pensar; com isso quero dizer que o pensamento está atrelado antes de tudo a essa hígida e salutar capacidade cerebral; depois é necessário também criar signos (vide o homo adâmico)-- precisou nomear o mundo etc; como posso dizer eu, se não nomeio eu, como posso dizer tu, se não nomeio eu, para nomear o tu, o nós, o ele, o vós etc? -- e isso é meio análogo às 4 fases piagetianas, embasei-me só nos seus postulados para pensar dessa forma. Outra coisa, quais são os modos de pensar? Por exemplo, quando estou numa reunião asquerosa e me distraio, estou pensando e sou o guardião do meu pensamento? há um cotrole do meu pensamento ou ele simplesmente emana? e quando digo de certas patologias, o mesmo ocorrendo; podemos fazer até uma associação com o computador; você está na tela (vamos denominá-la de consciência) mas surgem os spans; e esses spans surgem de onde? o que seriam essas imagens não movidas pela razão ou melhor pela consciência? aliás são elas que dominam a razão? Mas para resumir essa salada aqui posta, eu quero simplesmente dizer que o pensamento está atrelado às circunstâncias fisiológicas e que são essas circunstâncias que fornecem as bases para o pensar -- e tudo isso está na physis doado não sei por quem que a ciência com a sua razão ainda não totalmente perscrutou. Ou seja, a razão é um órganon da filosofia e da ciência mas está de certa forma um degrau abaixo ainda dos mistérios do mundo, e é por isso que a razão não deixa de jogar o jogo -- jogado talvez já há muito tempo por algo mais racional que nós. O cosmos é pura razão e nós seus meros jogadores que não compreendemos ainda as velhas regras desse jogo. Por isso a nosa razão ser ainda, a meu ver, uma razão secundária (ódos e não télos).

Anônimo disse...

Maurício,

Você acusa agora o Cicero de ter banalizado Heidegger. Mas você apenas se limita a repetir o filósofo alemão. Como disse acima: para os heideggerianos, Heidegger só pode ser criticado a partir de si mesmo, inclusive com o próprio e idiossincrático vocabulário.

Se "decadência" não é um conceito negativo, então é o quê? E "falação"?

Você alega que Heidegger tinha em vista antes o dogmatismo acadêmico alemão do que o próprio Descartes. Para não ficar apenas repetindo Heidegger, você deveria então informar quais professores da Alemanha do entreguerras eram cartesianos.

Noutro comentário, referi um livro-curso em que Heidegger explica direitinho o que ele pensa de Descartes. Qualquer um que leia em português pode constatar ali, clara e distintamente, o anticartesianismo de Heidegger.

Ab.,
edg

Maurício Tuffani disse...

Prezado Edson,

Assim como Antonio Cicero (que até ontem era o autor do artigo mais recente) respondeu questões em seu próprio blog, farei também o mesmo a partir de agora. Talvez uma boa forma de doravante conduzirmos a discussão seja cada um receber e responder questões em seu respectivo blog... Não sei o que Cicero acha.

Seja como for, estarei lá a disposição para responder questões civilizadas como essa sua. Você pode postar lá, por favor?

Saudações,

Maurício Tuffani

Afrânio disse...

Caro Edson, relembro como usei, no meu comentário, os termos Razão, relativo e absoluto. Razão é uma função do cérebro humano. Algo é relativo se e somente é dependente de outra coisa, é condicionado, tem limites. Algo é absoluto se e somente se não depende de coisa alguma, não é condicionado, não possui limites. Declarei naquele texto que a Razão por ser função de um cérebro é relativa, ou seja, depende das condições físico-químicas, biológicas etc, daquele órgão. Você me pergunta como é que eu, mediante a minha Razão de indivíduo, uma Razão individual, pode formular um juízo universal, absoluto, tal como: “A Razão individual é relativa”. Aceito que essa proposição seja universal, mas discordo que seja absoluta. Essa é uma proposição cuja verdade depende do conhecimento científico vigente, tanto no que diz respeito à sua (1) relatividade quanto à sua (2) universalidade. Explico-me: (1) Uma função do cérebro depende do cérebro é o que me diz o conhecimento científico vigente. Quando só havia a geometria euclidiana, os filósofos podiam supor que ela descrevia muito bem o espaço físico. Depois da invenção das geometrias não-euclidianas, ficou claro que os filósofos teriam de repensar a sua adesão à descrição do espaço baseados unicamente na geometria de Euclides. Ou seja, a Razão individual, mostrando-nos que é relativa, tem que se adequar ao conhecimento científico vigente, se quiser ter aceitabilidade. (2) A universalidade dessa proposição será admissível até o momento em que o conhecimento científico vigente mostrar que a Razão de um cérebro dado não depende desse órgão do qual é função. Finalizando: não vejo dificuldade alguma em admitir que o cérebro de um matemático formule, no exercício de sua função racional, isto é, mediante a sua Razão, evidentemente individual e relativa, uma proposição universal e absoluta, tal como: “Todos os números racionais são números”. Você vê alguma dificuldade nisso?

ADRIANO NUNES disse...

Caros Afrânio e Edson,


Edson: concordo com as suas exposições. Comento-as lá na frente. Sem tempo hoje. Vida de médico. Espero que entenda.

Afrânio: discordo das suas exposições ao tentar relacionar razão, relativismo e funções cerebrais. Como disse ao Edson acima, também adiante explico porque discordo.

Abraço fraterno para ambos!
Adriano Nunes.

Anônimo disse...

Afrânio,

Em primeiro lugar, o seu raciocínio me parece falacioso. Do fato de o pensamento racional depender de alguma forma do cérebro não se segue necessariamente que a razão seja uma função do cérebro. O violinista depende do violino para executar a música, mas nem por isso o violinista é uma função do violino. Muito menos a música. Se você explicitar todas as premissas de seu argumento, verificará que ele só é válido no contexto de uma teoria reducionista, o fisicalismo. Mas o fisicalismo não é uma teoria científica, e sim metafísica. Se neurocientistas ou mesmo a própria neurociência apoiam a sua tese, isso não afeta em nada o que acabo de afirmar.

De resto, não vejo RAZÃO alguma para aceitar como absolutas, universais e necessárias as proposições enunciadas por uma mente relativa, individual e contingente.

Ab.,
edg

wilson luques costa disse...

Prezados,
O que podemos dizer é que a razão, num certo sentido, é refém do pensamento organizado. Nesse sentido, podemos dizer, ainda, que a razão é um estágio que se aprimora e se eleva, na medida em que se relaciona com a historicidade do mundo. Portanto, o homem racional aqui posto distingue-se do homem racional detentor do cérebro. A razão depende do cérebro mas não se confunde com ele; a razão universal está da num processo dialético. Nesse sentido, o método cartesiano ou não é bastante benfazejo à ciência, à filosofia e à própria razão. A razão e a não razão também não tem correlato algum com o procedimento ético. Dizer que na guerra não se usa a razão para atacar seria uma heresia. Aí nesse caso a razão associada ao método e à técnica. Portanto, podemos ser irracionais fazendo o uso da razão. da técnica e do método.

Anônimo disse...

Antônio Cícero,

No blog do Tuffani, um certo Sergisapo disse: “Tuffani, acho que você deveria ter destacado que seu primeiro artigo questionou a afirmação de Antonio Cicero de que Heidegger promove a “desqualificação da razão e da tradição filosófica e da razão”, e que ele, como disse a anônima, mandrakeou o assunto, pegando pela relativização. Você nem sequer usou esse termo! Ele pôs palavras em sua boca, e ainda por cima com a pergunta “Ora, o que é recusar uma coisa como absoluta senão relativizá-la?” Não seria esse o ponto essencial: você contestou a tese da desqualificação e ele mudou completamente o foco da discussão para a relativização?”

Em resposta, o Tuffani disse: “De fato há uma diferença muito grande entre desqualificação e relativização, e eu acho também que Antonio Cicero desviou o foco que eu havia dado em cima da primeira”.

O que você diria?

Marcelo Silva

Antonio Cicero disse...

Marcelo,

Estou muito sem tempo, como expliquei ao Afrânio, ao qual devo uma resposta; mas o seu comentário tem que ser respondido antes, pois envolve uma questão ética.

Está truncada essa descrição da discussão. No meu primeiro artigo, eu digo que

“Heidegger, por meio de um de seus famosos passes etimológicos, chega a tentar RELATIVIZAR o conceito de razão (ratio), tal como empregado pela tradição filosófica, considerando-o como mais superficial do que o seu sinônimo alemão (“Vernunft”), com o argumento infame de que este, derivado do verbo “vernehmen”, “escutar”, seria mais “auscultante” do que aquele”.

E continuo:

“A DESQUALIFICAÇÃO da tradição filosófica não poderia mesmo deixar de se acompanhar de uma desqualificação da razão, uma vez que essa tradição consistiu exatamente no desdobramento da razão ao ponto máximo de sua ambição”.

Ou seja, a DESQUALIFICAÇÃO a que eu me referia era exatamente a RELATIVIZAÇÃO.

Em seu artigo “O tabu em torno da razão”, tentando refutar-me, Tuffani diz que

“Heidegger problematiza as próprias noções de verdade e de razão. Ou seja, ele as recusa como absolutas. Mas isso – que o colunista não aceita – não é DESQUALIFICAR a razão nem a ciência, a técnica e a modernidade”.

Ora, se a intenção dele é me refutar, a DESQUALIFICAÇÃO a que ele se refere só pode ser, implicitamente, aquela a que eu me refiro, isto é, a RELATIVIZAÇÃO: ou ele não poderia estar pretendendo me refutar. É por isso que eu respondo:

“No meu artigo, eu dera o exemplo da tentativa de Heidegger de relativizar o conceito de razão, tal como empregado pela tradição filosófica. Tentando rebater-me, o sr. Tuffani diz que “Heidegger problematiza as próprias noções de verdade e de razão. Ou seja ele as recusa como absolutas”. Ora, o que é recusar uma coisa como absoluta senão relativizá-la?”

É claro que uma pessoa como a “anônima” ou o Sergisapo não seria capaz de entender o que acabo de explicar. Tuffani entendeu, tanto que não falou no assunto, no artigo. É um lamentável sinal de fraqueza, não intelectual, mas ética, que ele agora concorde com a pobre “anônima”.

wilson luques costa disse...

Prezados, sou contra também à relativização levada ao seu máximo expoente. Essa coisa de achar que tudo é relativo seria um modo simplista de encarar o mundo. Há fatos que são platitudes. Por isso, quando se pede um acordo das regras, exige-se também concomitantemente um acordo sensorial. Se vejo um homem, não posso abster-me dessa evidência para dizer que vejo um quadro-negro. Isso não seria relativizar -- mas sim distorcer realidades. Mas alguém poderia questionar assim: mas quem lhe garante que vejo um homem? Vejam, nesse sentido é mister seguir o acordo conceitual que determina a essência do homem. E eu não diria para internar o homem do quadro-negro, mas que fosse devidamente tratado no escopo de evitar que abraçasse uma lousa e escrevesse com giz numa linda mulher. Todavia, há questões menos simplificadoras atinentes à hermenêutica que por ora não poderemos divagar por aqui. É também evidente que o cérebro é uma filtragem do mundo. Por isso ultimamente confundir estaria mais na intencionalidade de confundir no aspecto filosófico (no intuito mesmo da discordância) - porque quem confunde sabe que a sua guarida está por detrás desse anteparo que é a filtragem do cérebro que relativiza os objetos e que o exime de ser chamado de louco ou qualquer coisa que o valha. A experiência é, de fato, uma sursis ao pretigitador filosófico que não quer porque não quer ver claro aquilo que tem clareza mesmo não sendo uma verdade do tipo matemática. Por isso se deve em todos os aspectos procurar salvaguardar os limites das percepções e sensações. É como dizia o estagirita: devemos evitar os excessos e vícios (também sensoriais).

Maurício Tuffani disse...

Prezado Antonio Cicero,

Para mim, relativização não implica desqualificação, e, para você, implica. Não pretendo entrar no mérito dessa divergência agora devido à pressa motivada pelo objetivo de fazê-lo entender o seguinte: por eu entender que uma coisa não implica a outra, minha conclusão foi a de que você desviou o foco do assunto, mas eu não disse isso para denotar uma intenção diversionista sua. Percebe?

Tenho evitado a todo o custo afirmações sobre você que tenham conotações morais negativas, mas parece que suas lentes em alguns momentos estiveram embaçadas por elas. Mesmo quando eu disse, em minha primeira resposta à "Anônima" que sua interpretação era "indevida e enganosa" ficou claro que o engano era algo que afetava até a você mesmo, e não o fruto de uma intenção de enganar.

Uma leitura atenta e desarmada de minhas manifestações em relação a você deixará mais que evidente que evito supor intenções. Até mesmo quando me referi às intenções morais no sentido de Nietzsche eu não me atrevi a dizer quais são as suas, mas o que elas envolvem.

Lamento que você tenha entendido dessa forma. E prefiro não fazer nenhuma interpretação dessa sua interpretação como "sinal de fraqueza" ética, intelectual ou o que quer que seja. Aliás, prefiro nem qualificar que tipo de desvio de assunto é esse outro.

Eu esperava um pouco mais de um cartesiano no esforço de separar as coisas em partes.

Saudações,

Maurício Tuffani

Anônimo disse...

Antônio Cícero,

Desculpe importuná-lo mais uma vez com os comentários do Tuffani no blog dele, mas, como não sei alemão, agradeceria se você pudesse responder em poucas palavras se está correta a crítica que ele faz à sua tradução. Segundo ele, a tradução correta de “Die Grundfrage der Philosophie” é “A Questão Fundamental da Filosofia”, “e não ‘As Questões Fundamentais da Filosofia’, como disse Antonio Cicero em seu artigo, inclusive porque a questão a que se refere o título é uma só”. Ele está certo?

Marcelo Silva

Antonio Cicero disse...

Marcelo,

De novo, acabo lhe respondendo antes de responder ao Afrânio. Mas confesso que não estou mais tão preocupado com isso porque as observações que o Edson Dognaldo Gil tem feito sobre o comentário do Afrânio são muito parecidas com as que eu faria.

Sobre isso o Tuffani está certo. Mas o que aconteceu não foi propriamente um erro de tradução. É que Heidegger tem uma outra obra, ainda mais famosa do que essa, chamada “GRUNDFRAGEN der Philosophie”, isto é, “Questões fundamentais da filosofia”. Na hora de escrever o título da obra que estava citando, misturei um com o outro, de modo que pus “As questões fundamentais da filosofia”.

Afrânio disse...

Caro Edson, que tal uniformizarmos a linguagem? O que você entende por razão? O que você entende por pensamento racional? Você pode me dar uma proposição universal, absoluta e necessária? Grato pela atenção.

Paulo Sandoval Lima disse...

Caro Cícero,

Sou leitor habitual do seu blog Acontecimentos e também do Laudas Críticas, do Tuffani. Não tenho o hábito de postar comentários. Sou daqueles egoístas que preferem aproveitar o que lhes interessa.

Reconheço que sou mais chegado à sua visão da filosofia do que à do Tuffani. E, ainda por cima, não concordo com as opiniões dele sobre a regulamentação da profissão de jornalista. Mas reconheço também a impecável honestidade ética e intelectual dele ao tratar desse tema e de outros.

Assisti outro dia a um debate em um desses canais universitários, em que perguntaram a ele o que ele achava dos resultados de uma pesquisa de opinião pública que apontava maioria favorável à tese dele sobre a regulamentação da profissão. Em vez de aproveitar da chance para nadar de braçada e tripudiar em cima do adversário sindicalista, ele optou por não considerar a pesquisa porque existe muita desinformação sobre o assunto.

Bem, onde quero chegar? Vamos lá: acho que você extrapolou em considerações como, por exemplo, "fraqueza ética".

Sou muito amigo de sindicalistas e professores de jornalismo que consideram Tuffani um inimigo. Mas já vi muitos deles lamentarem não ter um cara do valor dele do mesmo lado da trincheira.

Outro dia, na USP, acho que em março deste ano, vi ele e o prof. José Coelho Sobrinho (defensor radical da obrigatoriedade do diploma) se aproximarem um do outro e... se abraçarem! Os dois participaram de um debate com os alunos. Sabe o que aconteceu? Eles defenderam cada um o seu ponto de vista, mas acabaram criticando juntos a banalização de problemas da profissão na visão de alunos e de sindicalistas. E foram juntos depois tomar um café juntos.

Poucos dias antes, eu assisti como ouvinte esporádico, na ECA-USP, a uma aula do Tuffani no curso de pós em Divulgação Científica. Acredite: ao fazer um panorama da passagem do pensamento medieval para o pensamento moderno, ele não poupou elogios a Descartes. Citou frases geniais do francês que eu não conhecia, mostrando-o como um dos grandes alicerces filosóficos da modernidade.

E aqui, poucos meses depois, ele virou um "anticartesiano", "irracionalista". Se você permite a opinião de um admirador seu, acho que você não entendeu direito a forma como ele se conduziu neste debate.

Aetano disse...

Caro Cicero,

fiz a questão abaixo ao Maurício, o que vc acha: há uma incompatibilidade entre os trechos que menciono, ou não entendi bem?


Caro Maurício,

Antes do meu questionamento, quero parabenizá-los (vc e Cicero) pelo alto nível do debate.

A minha questão é a seguinte:

No primeiro artigo, vc sustenta que:

"Em relação especificamente a Descartes, a obra principal de Heidegger, 'Ser e Tempo' (parágrafo 24), ressalta não ser contestação à validade da concepção de certeza do pensador francês. Trata-se, isso sim, de mostrar a noção cartesiana não como essência da certeza, mas como derivação dessa essência.
Em outras palavras, Heidegger problematiza as próprias noções de verdade e de razão. Ou seja, ele as recusa como absolutas."

No segundo artigo, porém, citando a mesma obra ("Ser e Tempo"), vc diz:

"Heidegger questionou as noções básicas do pensamento de Descartes, tradicionalmente concebidas como absolutas, e concluiu que elas são filhas da escolástica medieval. Essa investigação da 'certidão de nascimento' do cartesianismo não é imune a críticas. Mas Antonio Cicero simplesmente chamou-a de 'relativização', sem notar que, há 73 anos, 'Ser e Tempo' já previra e contestara essa rotulação (§ 6)."

Ora, no primeiro artigo "Heidegger problematiza as próprias noções de verdade e de razão", recusando-as como absolutas. Se não são absolutas, então são relativas. Ocorre que, de acordo com o segundo artigo, Heidegger, há 73 anos, "já previra e contestara essa rotulação". Sendo assim, como compatibilizar as duas afirmações? Não há aí uma contradição? Ou será que minha leitura não foi adequada?

Grato pela atenção,

Aetano

Antonio Cicero disse...

Aetano,

Seu questionamento é perfeito.

Ademais, está errada também a segunda parte da afirmação de que

"Heidegger questionou as noções básicas do pensamento de Descartes, tradicionalmente concebidas como absolutas, e concluiu que elas são filhas da escolástica medieval. Essa investigação da 'certidão de nascimento' do cartesianismo não é imune a críticas. Mas Antonio Cicero simplesmente chamou-a de 'relativização', sem notar que, há 73 anos, 'Ser e Tempo' já previra e contestara essa rotulação (§ 6)."

Ao contrário, já em “O mundo desde o fim”, de 1995 (p.96-7 da edição brasileira ou p.89 da edição portuguesa), eu ironizava a pretensão de Heidegger no § 6, dizendo:

“Negando que tenha a pretensão de efetuar uma "má relativização" (schlechte Relativierung) de pontos de vista ontológicos, Heidegger explica que tenciona levar a cabo uma "comprovação da procedência dos conceitos ontológicos fundamentais como exposição investigadora das suas 'certidões de nascimento'", tendo em vista "delimitar [a tradição ontológica] em suas possibilidades positivas"; e complementa: "e isso sempre quer dizer em seus limites". Em suma, ele pretende realizar uma boa relativização dos conceitos ontológicos -- para nós, noético-ontológicos – fundamentais”.

Abraço

Anônimo disse...

Caro Afrânio,
Razão tem pelo menos três sentidos básicos: como 1) conjunto de princípios, leis e regras universais; 2) como capacidade ou faculdade de pensar esses princípios, leis e regras, e 3) como argumento ou fundamento de argumento.
As leis básicas ou princípios da lógica, como o da identidade, são exemplos de proposições universais e necessárias.
Ab.,
edg

Anônimo disse...

Caros,
Qual é, na sua opinião, o problema ou problemática de "Ser e tempo"?
E qual é, para vocês, a resposta a esse problema ou problemática, ou seja, a tese, de Heidegger?
Grato,
edg

Antonio Cicero disse...

Edson,

o que penso sobre Heidegger se encontra no § 19 de "O mundo desde o fim" e no ensaio "A sedução relativa", na coletânia "O silêncio dos intelectuais".

Abraço

wilson luques costa disse...

Prezados,
Aliás de qual razão estamos falando? Do princípio da identidade; do princípio da não-contradição; do princípio do terceiro-excluído ou do princípio da razão suficiente? Outro ponto: se falamos em subjetividade como poderíamos abdicar do cérebro? Se o sol é mesmo o centro e se a terra gira no seu entorno numa elipse (vejam as minhas ressalvas) isso nunca dependeu da razão do homem ou dependeu? O homem com o seu órganon apenas confirmou (se confirmou) aquilo que já estava posto na physis? Isso me lembra muito o menino orgulhoso por descobrir algo no álbum de figrinha e ir correndo ao pai contar-lhe a sua sensacional façanha: - Papai, o senhor sabia que Pelé foi tri-campeão mundial pelo Brasil? - Sim, filhinho, seu papai (eu aqui) foi campeão sim e ainda por cima jogava no Santos. Com efeito, Pelé ficou orgulhoso com a razão do menino seu filho e ainda por cima sorriu-lhe um sorriso de pilhéria ou mesmo, por que não dizer, até mesmo de escárnio.

Afrânio disse...

Edson, frequento este blog para aprender. Quando deparei com impasse Cícero x Tuffani no tocante à relativização da razão, um dizendo que relativizá-la é desqualificá-la, e o outro, que relativizá-la não é desqualificá-la, esbocei uma teoria como ponto de partida para o meu entendimento da questão. Não tenho a menor dificuldade em alterá-la ou abandoná-la. se for o caso. A meu pedido, você precisou os significados do têrmo razão, dos quais os dois primeiros me parecem mais relevantes no momento. Para efeito de referência rápida, chamo o primeiro de razão-produto e o segundo, razão-atividade. Supus que ambas as espécies de razão provém do cérebro humano, e naquela ocasião, fiz referência aos neurocientistas porque acho que uma filosofia respeitável tem que levar em conta a ciência contemporânea, a astronomia, por exemplo, e não a astrologia. Se os neurocientistas me disserem que o pensamento provém do pâncreas, quem sou eu para desmentí-los?
Em 8 de junho, você declarou que não via razão alguma para aceitar como absolutas, universais e necessárias as proposições enunciadas por uma mente relativa, individual e contingente. Em 10 de junho, você, possuidor de uma mente relativa, individual e contingente, afirmou que “As leis básicas ou princípios da lógica, como o da identidade, são exemplos de proposições universais e necessárias.” Desculpe-me, mas em que ficamos? Você tem condições de enunciar ou não as leis básicas da lógica? Quem enuncia as leis básicas da lógica se não o portador de um cérebro humano?
Essa era a minha posição decorrente da teoria de que a razão é relativa pois dependente do cérebro humano. Como sabemos, um cérebro com demência senil produz pensamentos de baixa qualidade. No entanto, com o prosseguimento do debate, percebi que a disputa se dava em torno de outro conceito de “relativo”. Um conceito de relativo que se assemelha a inadequado, parcial, não exaustivo, até mesmo chegando a subjetivo, imperfeito, tendencioso, medíocre.
E agora, lendo a réplica do Cícero ao último artigo do Tuffani na Folha, vejo que o primeiro comprova que o filósofo alemão pretendeu realizar uma boa – na opinião do próprio Heidegger - relativização dos conceitos ontológicos fundamentais: uma "comprovação da procedência dos conceitos ontológicos fundamentais com exposição investigadora das suas 'certidões de nascimento'", tendo em vista "delimitar [a tradição ontológica] em suas possibilidades positivas"; e complementando: "e isso sempre quer dizer em seus limites".
Ora, se Cícero acha que a razão-atividade, no meu jargão, deve ser absoluta no sentido de poder criticar tudo, inclusive a si própria, nos dois sentidos citados por você, entendo que, de algum modo, a considera, em certos aspectos e em certos momentos, digna de correção, o que justificaria a referida crítica. Daí, se seguiria que o que Heidegger se propôs fazer era perfeitamente legítimo: uma crítica da razão. Ou seja, relativizá-la, no sentido de criticá-la, não seria, a priori, desqualificá-la. Espero de Cícero a gentileza de me esclarecer em que consiste criticar a razão e qual é a diferença entre criticar a razão e relativizá-la.
Agradeço-lhe a atenção e ao Cícero a possibilidade que nos dá de participar deste debate.

Anônimo disse...

Afrânio, espero que o Cicero encontre algum tempo para responder a você, pois eu estou simplesmente atolado. Direi apenas o seguinte.
As proposições científicas são empíricas e falíveis. O pensamento puramente racional não é empírico, e portanto não é objeto das ciências positivas. Os neurocientistas não têm nada a dizer sobre a razão pura, "objeto" da reflexão filosófica. Como disse, do fato de o pensamento racional depender de alguma forma do cérebro não se segue, necessariamente, que o pensamento racional seja um produto do cérebro. Ab., edg

wilson luques costa disse...

Prezados endoxos, zetéticos kaí kaí erísticos,

A matemática é racional? O espaço e tempo kantianos onde se dão? Onde a mente situa-se? O que dizer das dízimas? Tentem reduzir à base 2, 2º -- ou qualquer outro exponencial do tipo!... Por onde Descartes evidencia a sua dúvida? Com o que Descartes elabora ou engendra os seus conceitos para duvidar? Será que conceituaria o mundo sem os objetos sensíveis como estrutura basilar para os seus sentidos no que possivelmente resultou ns sensações e/ou percepções gestaltianas, fenomenológica ou não -- como queiram?

Afrânio disse...

Caro Edson, reconheço que, em virtude da pequena disponibilidade de tempo de que dispõe, você não pode me dar uma resposta mais ampla. Repito, pois, o meu questionamento na esperança de que algum outro comentador me possa satisfazer. Diz você que “do fato de o pensamento racional depender de alguma forma do cérebro, não se segue, necessariamente, que o pensamento racional seja um produto do cérebro”. Espero que você não esteja supondo que bolas de soprar, de festas infantís, cheias de pensamento racional, flutuem sobre as cabeças dos filósofos e que, eles, com um simples esticar de braço, apanhem uma, ao gosto de cada um, um pensamento azul, aqui, outro vermelho, ali, outro amarelo, acolá. Aceito prontamente que o cogito proveio do calcanhar de Descartes, se a neurociência me afirmar isso. Um abraço, e, mais uma vez, muito grato pela atenção.

Anônimo disse...

"Aceito prontamente que o cogito proveio do calcanhar de Descartes, se a neurociência me afirmar isso."

Desculpe-me, Afrânio, mas, mesmo se tivesse tempo, eu não me disporia a discutir com quem faz uma afirmação como essa. Muito menos num espaço como este.

Ab.,
edg

Afrânio disse...

Caro Edson, fiz-lhe essa provocação porque anteriormente você me aplicou três rótulos desacompanhados de comprovação: metafísico, fisicalista e falacioso. Pode me chamar de fisicalista e falacioso, mas, pelo amor de Deus, não me chame de metafísico. Falando sério: é sim função da ciência, embora você não goste, dizer de onde vêm as coisas, em particular, o pensamento, qualquer que seja o tipo dele. Pergunto-lhe: o pensamento racional é produto de qual órgão? Ou não é produto de nenhum órgão humano? Mas, então, que entidade fantasmagórica é essa que o produz? Quem é o metafísico aqui, meu caro? Um abraço.

Anônimo disse...

Afrânio,

Não tenho nada contra a metafísica moderna.

Segundo você, a ciência prova que o cérebro é a causa do pensamento. (Eu acho que não prova.) Essa prova científica pressupõe a causalidade. Mas o que é a causalidade? A ciência pode provar a causalidade, que ela pressupõe nas suas provas? Não pode. A crença na causalidade não é científica, mas metafísica: o fisicalismo é uma doutrina metafísica ingênua.

Segundo Gerold Prauss, filósofo alemão contemporâneo, as proposições científicas são empíricas e se referem à empiria. Enquanto as proposições filosóficas, embora também se refiram à empiria, não são empíricas, mas a priori.

O que você chama de metafísica fantasmagórica constitui o que Prauss, seguindo Hegel (sensível suprassensível) e outros, chama de "má metafísica": proposições empíricas sobre aquilo que não é empírico.

Ab.,
edg

Afrânio disse...

Edson, mais uma vez repito: frequento este blog para aprender. E para isso, pergunto. O que eu pergunto é simples: que órgão humano elabora o pensamento racional? A explicação, que você teve a gentileza de me enviar no comentário de 16 de junho p.p., foi construída em que parte do seu corpo? Muito obrigado pela atenção.

Anônimo disse...

Afrânio, não estou aqui para ensinar ninguém. Já respondi às suas perguntas. Mas parece que vc não quer entender. Como valoriza a ciência, talvez fosse melhor ler autores como John Eccles e Henry Margenau. Abraço e boa sorte, edg

Afrânio disse...

Edson, em 21 de junho p.p. fiz-lhe duas perguntas que, na verdade, se resumem numa só. Você diz que respondeu, mas, na verdade, não o fez. Custa-me acreditar que você não saiba em que parte do seu organismo foi elaborada a explicação que me enviou em 16 de junho p.p. Queria tão-somente a SUA opinião, não a de Margenau, Eccles, Prauss e outros. Você tem se recusado sistematicamente a dizer que é o cérebro o órgão que elabora o pensamento. Qual terá sido o filósofo que lhe incutiu no cérebro a posição que defende? Não terá sido Descartes? No “Discurso sobre o método”, logo depois do “penso, logo existo” afirma ele que “...EU era uma substância cuja essência ou natureza consiste exclusivamente em pensar e que, PARA EXISTIR, NÃO PRECISA DE NENHUM LUGAR, NEM DEPENDE DE NADA MATERIAL de forma que EU, isto é, A ALMA, pela qual eu sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo...” e “...MESMO QUE O CORPO NÃO EXISTISSE, A ALMA NÃO DEIXARIA DE SER TUDO O QUE É.” Em suma, para Descartes, a alma, entidade inteiramente distinta do corpo e que existe mesmo quando inexiste o corpo, é quem elabora o pensamento. Se, de fato, essa é a sua crença, respeito o seu direito de tê-la, paro por aqui e desisto definitivamente de prosseguir tentando convencê-lo de que ela não é razoável. Grato pela atenção.

Afrânio disse...

Edson, antes de puxar o freio e saltar da carruagem, esqueci-me de lhe dizer algumas coisas:
1) Os nossos cérebros, de acordo com a teoria da evolução, com seleção natural, gradualismo, multiplicação das espécies, origem comum etc, descendem de protocérebros primitivos. Por possuírem vantagens evolutivas, sobreviveram e deixaram descendentes os protocérebros que, coordenando melhor as sensações, formaram melhores percepções, e dentre esses, aqueles que, coordenando melhor as percepções, formaram melhores conceitos, juizos, teorias etc. Nesse processo evolutivo, as redes neuroniais tornaram-se mais e mais complexas e mais e mais flexíveis, tornando possíveis pensamentos mais e mais complexos e profundos.
Essa é, pois, a origem biológica dos grandes produtos intelectuais da humanidade.
2) Os conceitos de causa, espaço, tempo etc não caíram do céu; provieram todos da experiência. Já no útero materno, mergulhados no líquido amniótico, os fetos aprendem que não podem colocar a mãozinha direita no lugar da esquerda, pois dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço; aprendem que a passagem de qualquer mãozinha da posição A para a posição B não é instantânea, leva algum tempo para ser realizada; que a batida da mão direita na esquerda provoca dor e que esse sofrimento tem uma causa etc.
3) As proposições científicas não provam nada, apenas são confirmadas ou não pela experiência; sua verdade é provisória enquanto persistir a confirmação experimental. Os cientistas se contentam com a provisoriedade das suas proposições. Só os filósofos dogmáticos, os religiosos etc. ambicionam verdades absolutas. Não suportam a efemeridade das suas afirmações, como não suportam a efemeridade das suas vidas.
4) A ciência avança além dos fenômenos. Somente se detém no fenômeno, o ianomani que vê um pequeno disco luminoso se erguer diariamente no céu e se esconder no final da tarde. O cientista, indo além do fenômeno, nos diz que se trata, não de um círculo, mas de uma esfera brilhante cujo volume é um milhão e trezentas mil vezes maior que o da Terra e que o movimento aparente não se deve ao movimento dessa esfera, mas ao movimento da Terra em torno de si mesma.
5) Precisamos pensar com as nossas próprias cabeças. Há pessoas que sentem orgasmos múltiplos ao lerem frases obscuras em alemão. Os cientistas não se preocupam em dizer em alemão que o “tempo é o amadurecer da temporalidade”. Como pessoas de bom senso, tratam de medí-lo. E o resultado é que não ficam dois mil anos discutindo o que é e o que não é. O resultado é que, depois de apenas quatro séculos de ciência, você pode ver e conversar com um amigo no Japão, mediante um simples apertar de teclas no computador, coisa que nenhum Descartes, no seu tempo, sonharia ser possível.
6) Qualquer garoto da área rural sabe que, quando a mãe corta o pescoço da galinha para fazer uma canja, a galinácea deixa de cacarejar, ou seja, deixa de dizer ao mundo que botou um ovo. Não ria, estou falando sério. Todos os que possuem cérebro pensam.
A diferença entre os cérebros humanos e os demais é apenas de ordem qualitativa e quantitativa, não de essência. Isso é o que nos diz a teoria da origem comum.
Era o que tinha a dizer para encerrar o batepapo. Grato pela atenção.

wilson luques costa disse...

Prezados debatedores,

Give to Caesar what is Caesar's

Nunca me fiei em autoria nem nas precedências, porquanto julgo salutar toda discussão elegante no plano filosófico; mas só estou pontuando uma certa diacronia, a saber:
wilson luques costa disse...

Prezado Antonio Cicero,

O CÉREBRO UM PRESENTE DE DEUS, DO MÍSTICO OU DOS DEUSES?

Grato pelo retorno. O seu livro eu venho lendo e compreendendo e não compreendendo. É um livro cheio de citações, difícil etc, e quando o não entendo largo-o para ler umas leituras mais amenas para mim, a saber, Schopenhauer, Cioran, Nietzsche, Ortega Y Gasset ou os parcos rudimentos gramaticais incipientes e insipientes do grego e do hebraico... Quanto ao livro da cia das letras, eu vou checar na minha parca biblioteca. Mas como dizia Descartes: eu penso que as coisas devem ser claras e distintas e eu tenho sempre um estranhamento aos estranhos escritos e às não-respostas e/ou respostas-evasivas; e olha que eu não tenho dificuldade em ler em grego noésis, noemata e até diferenciar um nominativo no singular e no plural e não confundir acusativo com o mesmo nominativo. Quanto às perguntas que faço, não vejo de mau tom questionarmos acerca; porque me parece que o cogitare é menos um pensamento movido -- até mesmo a definição do que é pensar torna-se um tanto obscura e indefinível. Será que o sonho, o devaneio, a esquizofrenia, a paranoia são tipos de pensamentos - (pensamentos não movidos pela ´consciência´)? Aliás, se o homem herdou essa capacidade de raciocinar (o cérebro) e se o cérebro evoluiu, se, de fato, evoluiu, isso não me parece advindo pela razão (tout court dóra physis) -- a razão vindo a posteriori. Será que o homem em sua evolução, se realmente evoluiu, passou pelos 4 estágios piagetianos, até atingir (hodie)- alguns - a sua adolescência ou maturidade no lógico-formal? Foi com Descartes, então, que alguns homens´ saíram de seu egocentrismo e de sua lalía, para tornarem-se homines técnico-racionais? É, pelo que leio de seus escritos, o que me parece. Por isso, não olvide de agradecer a Deus, ao místico ou aos deuses por isso.
grato, na esperança de relevar o meu bom ou mau-humor...
vanitas vanitarum
Alguém já disse uma vez que toda ´UNANIMIDADE É BURRA´

5 de junho de 2010 14:04