14.4.23

Charles Baudelaire, "Spleen 1", traduzido por Ivan Junqueira.





Spleen 1


Pluviôse, contra toda a cidade irritado, 

De sua urna verte um frio tenebroso 

Sobre os que moram sós no cemitério ao lado, 

E a morte entorna no subúrbio nebuloso. 


Meu gato em busca de onde estar aconchegado 

Agita inquieto o corpo flácido e asqueroso; 

A alma de um velho poeta erra pelo telhado, 

Com a lúgubre voz de um fantasma brumoso. 


O bordão se lamenta, e a tíbia acha de lenha 

Acompanha em falsete a pêndula roufenha, 

Enquanto num baralho, entre ácidos odores, 


Herança de uma velha hidrópica e entrevada, 

Um valete e uma dama, em sinistra jogada, 

Vão lembrando entre si seus defuntos amores.






Spleen 1


Pluviôse, irrité contre la ville entière,

De son urne à gransds flots verse un froit ténébreux

Aux pâles habitants du voisin cimitière

Et la mortalité sur les faubougs brumeux.


Mon chat sur le carreau cherchant une litière

Agite sans repos son corps maigre et galeux;

L'âme d'un vieux poëte erre dans la gouttière

Avec la triste voix d'un fantôme frileux.


Le bourdon se lamente, et la bûche enfumée

Accompagne en fausset la pendule enrhumée,

Cependant qu'en un jeu plein de sales parfums,


Héritage fatal d'und vielle hydropique,

Le beau valet d0e coeur et la dame de pique

Causent sinistrremment de leur amours défunts.




BAUDELAIRE, Charles. "Spleen 1". In: Les fleurs du mal. Publicado na edição em português desse livro, As flores do mal, traduzido por Ivan Junqueira (Rio de Janeiro, pela Editora Nova Fronteira, 1985).






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