27.10.19

Fernando Pessoa: "Ulisses"




Ulisses


O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.




PESSOA, Fernando. "Ulisses". In:_____. Mensagem. Lisboa: Ática, 1972.

Um comentário:

EMM disse...

Caro Cicero,

Sempre penso no mito tal qual Pessoa o concebe neste poema como o Deus de Spinoza, o princípio indeterminado, indiferenciado, que contem em ato todas as determinações e, justo por isso, a nenhuma se reduz.

Abraço!