10.1.15

Antero de Quental: "Nirvana"




Nirvana

Para além do Universo luminoso,
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De forças, de desejos e de vida,
Abre-se como um vácuo tenebroso.

A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida...
Numa imobilidade indefinida
Termina ali o ser, inerte, ocioso...

E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as coisas naturais,

À bela luz da vida, ampla, infinita,
Só vê com tédio, em tudo quanto fita,
A ilusão e o vazio universais.



QUENTAL, Antero de. "Nirvana". In:_____. Sonetos. Organização de António Sérgio. Lisboa: Sá da Costa, 1962.

3 comentários:

Anônimo disse...


Belo Soneto, Cicero!

Grande Antero. Que arrebatou Eça e tanto outros jovens para a luta literária que se avizinhava.

Aos 20 anos, o poeta dos Açores escreveu as suas "Odes Modernas", cuja intenção revolucionária terminou por causar escândalo e perplexidade nos puristas.

Refiro-me à famosa Questão Coimbrã. Antero viu-se defrontado e ofendido pelo todo poderoso das letras portuguesas, Antonio Feliciano de Castilho, uma espécie de caudilho à la Pinochet, com ares de Fidel Castro, que não admitia novos rumos, como se a poesia ou a prosa e o pensamento fossem um feudo inexpugnável a aventureiros imberbes, jovens despudorados e sem rigor.

Pobre Castilho. Não sabia com quem havia se metido. Em um artigo virulento e desengonçado, Castilho pôs-se a esbravejar contra Antero e seus colegas, chamando-os de doentes, obscuros, antipoéticos, ladrões das letras.

Incensado por uma horda de bajuladores, vaidoso como alguns cartolas da belle époque, Castilho confiou petulantemente o seu bigode, e de bengala em punho (ele era cego, literalmente), deve ter atirado a bengala aos céus, pois Antero, de bate pronto, respondeu-lhe que o velho escritor “pertencia ao clube da banalidade que quer dormir sossegada em ninharias”. E isto foi só o começo. O niilismo de Antero encontra razões bem situadas em suas odes, na própria obra dos seus soneto, belíssima, tida como uma das quatro joias da língua portuguesa, ao lado da de Camões, Bocage, e Fernando Pessoa.
Abraços
Arsenio Meira Júnior

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

belo soneto! Belo! Grato por compartilhá-lo!


Abraço forte,
Adriano Nunes


P.s.: bom ler os comentários do Arsênio!

Anônimo disse...

Adriano,

Perdoe-me não ter agradecido-lhe antes, mas nunca é tarde. Obrigado!
É a empolgação em face da poesia e dos poetas que a sensibilidade do Cicero elege e publica neste blog essencial, e incluo os seus poemas e, obviamente os poemas do editor do blog.

Abraços do
Arsenio

Ps: Não esquecer de aplaudir as traduções de ambos! e dos colegas de vocês, que salvam gente como eu, irremediavelmente monoglota...