13.7.13

W. H. Auden: "In memory of W. B. Yeats" / "Em memória de W. B. Yeats": trad. por Margarida Vale de Gato






Em memória de W. B. Yeats


Desapareceu no rigor do Inverno:
Os regatos gelados, os aeroportos praticamente desertos,
E a neve desfigurava as estátuas da praça;
O mercúrio afundava-se na boca do dia que morria.
Ó, os instrumentos todos são unânimes,
Que o dia da sua morte foi um frio e escuro dia.

Longe da sua agonia
Corriam os lobos pelas florestas perenes,
O rio da província desdenhava os cais elegantes;
Pelas línguas pesarosas
A morte do poeta furtou-se aos seus poemas.

Mas para ele foi a tarde derradeira de si próprio,
Uma tarde de enfermeiras e rumores;
As províncias do seu corpo em revolta,
Os sectores do seu cérebro esvaziados,
O silêncio invadiu os subúrbios,
Estancou a torrente do seu sentir; tornou-se nos seus admiradores.

Agora está disperso por centenas de cidades,
E de todo entregue aos afectos alheios;
Para achar a felicidade num outro tipo de bosque
E sofrer o castigo de um código de consciência estrangeiro.
As palavras de um morto
Modificam-se nas entranhas dos vivos.

Mas na importância e no ruído de amanhã
Quando os corretores rugirem como feras no salão da Bolsa,
E os pobres padecerem dos martírios a que já se habituaram,
E cada um na cela de si mesmo quase se convencer da sua liberdade;
Uns parcos milhares pensarão neste dia
Como se pensa num dia em que se fez algo um tanto invulgar.
Ó, os instrumentos todos são unânimes
Que o dia da sua morte foi um escuro e frio dia.

2

Foste tonto como nós; a tudo sobreviveu o teu talento;
À paróquia das ricas senhoras, à decadência física,
A ti mesmo; a louca Irlanda feriu-te para a poesia.
Agora a Irlanda tem ainda a sua loucura, a sua temperatura,
Porque a poesia não faz acontecer nada: sobrevive
No vale do seu dizer, onde os executivos
Não gostariam nunca de lavrar; corre para Sul
Das herdades isoladas e das mágoas agitadas,
Rudes cidades em que acreditamos e morremos; sobrevive
Uma forma de acontecer, uma boca.

3

Recebe, ó terra, um hóspede honrado;
William Yeats jaz descansado:
Que repouse a vasilha vazia
Deste irlandês sem a sua poesia.

O tempo que é intolerante
Para com os bravos e inocentes,
E numa semana indiferente
Ao físico mais elegante,

Venera a linguagem e perdoa
Todos os que ela povoa;
Perdoa a vaidade e a cobardia,
E aos seus pés faz cortesia.

O tempo, que com tal justificação
Perdoou de Kipling a opinião,
E perdoará a Paul Claudel,
Perdoa-lhe a ele pela escrita fiel.

No pesadelo do breu
Ladram os cães europeus,
E aguardam as nações vivas,
Pelos seus ódios cativas.

A desgraça intelectual
No rosto humano é geral,
E há oceanos de pesar
Trancados e pétreos no olhar.

Vai, poeta, segue afoito
Até ao fundo da noite,
Com teu canto livrador
Traz-nos ainda o esplendor.

Com um verso bem arado
Faz vinha deste mau fado,
Canta o humano insucesso
Num arroubo de possesso.

Que nos regue o coração
A fonte da regeneração,
E ao homem, preso em seus dias,
Dá-lhe um canto de alforria.




In memory of W. B. Yeats


He disappeared in the dead of winter:
The brooks were frozen, the airports almost deserted,
And snow disfigured the public statues;
The mercury sank in the mouth of the dying day.
O all the instruments agree
The day of his death was a dark cold day.

Far from his illness
The wolves ran on through the evergreen forests,
The peasant river was untempted by the fashionable quays;
By mourning tongues
The death of the poet was kept from his poems.

But for him it was his last afternoon as himself,
An afternoon of nurses and rumours;
The provinces of his body revolted,
The squares of his mind were empty,
Silence invaded the suburbs,
The current of his feeling failed; he became his admirers.

Now he is scattered among a hundred cities
And wholly given over to unfamiliar affections,
To find his happiness in another kind of wood
And be punished under a foreign code of conscience.
The words of a dead man
Are modified in the guts of the living.

But in the importance and noise of to-morrow
When the brokers are roaring like beasts on the floor of the Bourse,
And the poor have the sufferings to which they are fairly accustomed,
And each in the cell of himself is almost convinced of his freedom,
A few thousand will think of this day
As one thinks of a day when one did something slightly unusual.

O all the instruments agree
The day of his death was a dark cold day.

II

You were silly like us; your gift survived it all:
The parish of rich women, physical decay,
Yourself; mad Ireland hurt you into poetry.
Now Ireland has her madness and her weather still,
For poetry makes nothing happen: it survives
In the valley of its saying where executives
Would never want to tamper, it flows south
From ranches of isolation and the busy griefs,
Raw towns that we believe and die in; it survives,
A way of happening, a mouth.


III

Earth, receive an honoured guest:
William Yeats is laid to rest.
Let the Irish vessel lie
Emptied of its poetry.

Time that is intolerant
Of the brave and innocent,
And indifferent in a week
To a beautiful physique,

Worships language and forgives
Everyone by whom it lives;
Pardons cowardice, conceit,
Lays its honours at their feet.

Time that with this strange excuse
Pardoned Kipling and his views,
And will pardon Paul Claudel,
Pardons him for writing well.

In the nightmare of the dark
All the dogs of Europe bark,
And the living nations wait,
Each sequestered in its hate;

Intellectual disgrace
Stares from every human face,
And the seas of pity lie
Locked and frozen in each eye.

Follow, poet, follow right
To the bottom of the night,
With your unconstraining voice
Still persuade us to rejoice;

With the farming of a verse
Make a vineyard of the curse,
Sing of human unsuccess
In a rapture of distress;

In the deserts of the heart
Let the healing fountain start,
In the prison of his days
Teach the free man how to praise.




AUDEN, W.H. Outro tempo. Trad. por Margarida Vale de Gato. Lisboa: Relógio D'Água, 2003.

3 comentários:

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

muitíssimo obrigado por postar tão belo poema! Salve! Salve!


Abraço forte,
Adriano Nunes

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Antonio Cicero disse...

Caro Carlos Augusto,

obrigado pela gentileza quanto ao meu blog. Tentei entrar no seu, mas não consegui, não sei por que. Recebi a mensagem: "O Internet Explorer não pode exibir a página da Web". Vou tentar mais tarde.

Abraço,
ACicero