14.10.12

Zuenir Ventura: "Crime e castigo"





Creio que o seguinte artigo de Zuenir Ventura, publicado em O Globo no dia 13 do corrente, é o mais equilibrado e correto dos muitos que li sobre o julgamento do "mensalão":


Crime e castigo


Com sua serena lucidez, a ministra Cármen Lúcia fez uma ressalva ao votar pela condenação de José Genoino e José Dirceu: "Não estou julgando a história de pessoas que em diversas ocasiões tiveram a vida reta. Estou julgando os fatos apresentados nestes autos." O mesmo poderia ser dito em relação ao PT, cuja trajetória até estourar o escândalo do mensalão foi também reta. Não são os princípios programáticos do Partido dos Trabalhares que estão sendo condenados pelo STF, "não é a história, mas os fatos", como também afirmou o decano Celso de Mello. O que se condena é um acidente grave de percurso, um mau passo, um enorme desvio de conduta. Em reunião com seu Ministério no dia 12 de agosto de 2005, Lula, chocado com as revelações sobre dirigentes do partido, desabafou: "Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis sobre as quais eu não tinha qualquer conhecimento. Não tenho nenhuma vergonha de dizer que nós temos de pedir desculpas. O PT tem de pedir desculpas. O governo, onde errou, precisa pedir desculpas."

Por que não pedir agora? Por que o Lula de 2012 reage ao julgamento mandando seus companheiros receberem o castigo de "cabeça erguida", como se houvesse algum motivo para soberba? Seria tão mais honesto, tão mais coerente com as origens éticas do partido se, em vez de desqualificar o trabalho do Supremo com suspeitas infundadas e se, em lugar de responsabilizar a mídia, os réus mensaleiros aceitassem o revés com humildade e fizessem uma corajosa autocrítica como pedia Lula sete anos atrás.

Como dirigentes partidários ousam suspeitar da isenção de uma Corte cujos membros em sua maioria foram indicados por Lula e Dilma e que, portanto, não têm qualquer razão para lhes ser deliberadamente hostis? Que interesses levariam esses juízes a sacrificar suas reputações para "condenar sem provas"? Como colocar em dúvida a correção de um personagem como Joaquim Barbosa, que pode ter um temperamento difícil, mas cuja opção política é conhecida (há dias, ele confessou em entrevista ter votado três vezes em Lula, sem arrependimento, porque "as mudanças e avanços no Brasil nos últimos dez anos são inegáveis").

Os petistas acreditam ter motivos de queixa pelo rigor inédito do STF, que, espera-se, não seja de exceção, aplicado apenas nesse caso. Mas, ao se recusar a assumir a culpa que lhe cabe, o PT perdeu a oportunidade histórica de ser diferente também no erro, como foi um dia nos acertos.

Zuenir Ventura

2 comentários:

Mulher na Polícia disse...

Você acha mesmo que isso vai dar cadeia?

Tá.

carlos disse...

Desculpe-me Zuenir, desculpe-me o espaço...
O PT nunca foi diferente de qq partido, muito ao contrário, foi sempre mais fundo nesta canalhice que é o poder pelo poder. Se não me engano antes de 2003 já tinha o caso gravíssimo de Celso Daniel...
Ao espaço deste grande poeta, coloco como resposta ao artigo de Zuenir, um belo poema de outro belo poeta:Eduardo Galeano...

JANELA SOBRE OS SERES E OS AFAZERES

A pele da passadeira de roupas é lisa.
Longo e pontiagudo é o consertador de guarda-chuvas.
A vendedora de frangos parece um frango depenado.
Brilham demônios nos olhos do inquisidor.
Há duas moedas entre as pálpebras do avarento.
Os bigodes do relojoeiro marcam as horas.
Têm teclas as mãos da secretária.
O carcereiro tem cara de preso e o psiquiatra, cara de louco.
O caçador se transforma no animal que persegue.
O tempo transforma os amantes em gêmeos.
O cão passeia o homem que o passeia.
O torturado tortura os sonhos do torturador.
Foge o poeta, da metáfora que encontra no espelho.

Eduardo Galeano

E sintetizo...dentro da panela de pressão tudo está sendo cozido. Tem pessoas que preferem a carne da rabada outros a cenoura e diferentes a batata, aos vegetarianos sobra o agrião. Dentro de um espaço, ainda mais político brasileiro, quase todos (senão todos e estou sendo educado) tornam-se pares na busca desenfreado pela benesses que nosso Estado distribui. Neste caso Zuenir, e desculpe-me pela diferença de opinião, todos os partidos são iguais desde quando embrião. Obrigado Antônio e desculpe-me pela intromissão. Abraços Carlos Perez