23.5.10

John Keats: trecho do poema "Endymion": trad. p. Augusto de Campos





Endymion (trecho)

O que é belo há de ser eternamente
Uma alegria, e há de seguir presente.
Não morre; onde quer que a vida breve
Nos leve, há de nos dar um sono leve,
Cheio de sonhos e de calmo alento.
Assim, cabe tecer cada momento
Nessa grinalda que nos entretece
À terra, apesar da pouca messe
De nobres naturezas, das agruras,
Das nossas tristes aflições escuras,
Das duras dores. Sim, ainda que rara,
Alguma forma de beleza aclara
As névoas da alma. O sol e a lua estão
Luzindo e há sempre uma árvore onde vão
Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos
De uvas num mundo verde; riachos
Que refrescam, e o bálsamo da aragem
Que ameniza o calor; musgo, folhagem,
Campos, aromas, flores, grãos, sementes,
E a grandeza do fim que aos imponentes
Mortos pensamos recobrir de glória,
E os contos encantados na memória:
Fonte sem fim dessa imortal bebida
Que vem do céus e alenta a nossa vida.


Endymion (trecho)

A thing of beauty is a joy for ever:
Its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness; but still will keep
A bower quiet for us, and a sleep
Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.
Therefore, on every morrow, are we wreathing
A flowery band to bind us to the earth,
Spite of despondence, of the inhuman dearth
Of noble natures, of the gloomy days,
Of all the unhealthy and o'er-darkened ways::
Made for our searching: yes, in spite of all,
Some shape of beauty moves away the pall
From our dark spirits. Such the sun, the moon,
Trees old and young, sprouting a shady boon
For simple sheep; and such are daffodils
With the green world they live in; and clear rills
That for themselves a cooling covert make
'Gainst the hot season; the mid forest brake,
Rich with a sprinkling of fair musk-rose blooms:
And such too is the grandeur of the dooms
We have imagined for the mighty dead;
All lovely tales that we have heard or read:
An endless fountain of immortal drink,
Pouring unto us from the heaven's brink.



KEATS, John. "From Endymion" / "Do Endymion". In: CAMPOS, Augusto de. Byron e Keats: Entreversos. Traduções de Augusto de Campos. Campinas: Editora Unicamp, 2009.

23 comentários:

Climacus disse...

belíssimo dia em que o poeta se torna amigo do filósofo e do político.

João Renato disse...

Cícero,
Taí um poema em que eu sinto o autor realmente tocado pela emoção objeto dos versos, muito além da construção poética.
E isso é raro.
Esse é para "guardar".
Abraço,
JR.

Anônimo disse...

PUTZ... QUE POEMA E TRADUÇÃO
MARAVILHOSOS!!!
VINICIUS.

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,


você sabe que eu tenho um amor imenso por Augusto de Campos e toda vez que você posta algo dele(mesmo traduções, transcriações, intraduções...) eu vibro de alegria! Esse poema de Keats é fantástico, lindo demais, muito bem construído. Augusto dá a ele um cor nova, um brilho a mais.

Grato!
Um grande abraço,
Adriano Nunes.

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

meu novo soneto:


"Por isso é importante compor" - Para Caetano Veloso.


Atravesso o tempo sem ter-
Minar aquele antigo ver-
So: era tecer a vida, ver-
Tê-la de tudo e nada ter.

Que mais querer eu poderia
Além disso, do ver, da qui-
Mera mágica viva, aqui,
Dentro da mais rara alegria?

Deve haver mesmo sentido
Guardado no coração, por-
Que um batimento é permitido

Toda vez que outro cessa. Por
Isso um poema ainda é lido,
Por isso é importante compor!


Grande abraço,
Adriano Nunes.

Nobile José disse...

"Tome Nota

por todas as ruas
onde ando sozinho
eu ando sozinho
com você
e você
se é que se lembra
(se lembra)
olha assim pra mim
como capa de revista
pelo rabo-do-olho
de artista,
e sorri.

eu acho tudo muito legal
mas a verdade
é que o nome normal disso aí
é
s-a-u-d-a-d-e;
pois bem:
sei que vou sozinho
sei que vou também sozinho
mas acontece
que parece
que você
é como se é que fosse
o próprio caminho."

Torquato Neto

Anônimo disse...

Belo poema !!!
Bela tradução !!!
Parabéns ao blog !!!!
Viva ANTONIO CÍCERO !!!

JORGE SALOMÃO RIO 2010

Silvio Amado Amantti disse...

Olhos que são fachos de chamas
abrindo caminho

Para o belo, porto
do nosso destino

Zatonio Lahud disse...

Obrigado, Cícero, por tantos momentos sublimes. Abraço!

Ana Cristina Penov disse...

Antonio Cícero

Hoje, especialmente, eu estava precisando muito ler um poema assim. Obrigada e parabéns pela escolha que mais uma vez é excelente.

guilherme e. meyer disse...

A Passagem dos Dias
(poemas)

www.fundodocopoprofundo.blogspot.com

rodrigo madeira disse...

RANCHO DAS VAREJEIRAS


amor tão grande, nunca visto,
beijar sempre os lábios do lixo.
a enxaqueca canora, o vício
em restos sem qualquer espírito.
o despejado no esquecido:
cigarro, estopa, óleo de rícino;
o descartado e sem amigo:
laranjas podres, corpos findos;
o absurdo e desdentado lírio
mais legumes envilecidos.

tipo assim, floreira de esquina,
desastre calmo, entardecido,
lhes oferta o monturo ainda
(que importa o minério da sílaba?)
herói, amada, estrela extinta:
sem nojo, o despojo de um livro.

suguem, moscas. ou melhor, libem
o caldo pouco da poesia.

Projeto SP Arte disse...

Cícero,

Voce conhece esse poema de Mário Quintana?

Uma alegria para sempre

Neste poema Mário Quintana faz citação ao grande Keats.

"A thing of beauty is a joy for ever
disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer."

Alcione disse...

De novo as palavras
como larvas
de um vulcão.
calor de um coração
batendo descompassado
De novo, meu bem,
Não apenas uma forma
uma saída, imitação,
Na praça, os palhaços reunidos
não impedem a solidão
De novo a lembrança
criança
o gato quietinho
encostado ao violão.

Alcione disse...

ps: um erro: em vez de larva, é lava; mas não deixa de ser interessante, o erro, propicia outra leitura, abraço!

Eleonora Marino Duarte disse...

pensador,

belíssima tradução de um poeta grandioso e profundo!

grande abraço!

Anônimo disse...

Cicero,


Meu novo estranho poema:

"Desgosto"



Eu gosto disso
Porque isso é isso,
Não é aquilo,
Não é parte do que é
Agora dito
Do impossível.

Eu gosto
Disso, porque isso é
O que é, aquilo
É aquilo, a parte
Do visível
Escondido.

Eu não gosto é de tudo!
Eu não gosto é do todo!
Eu não gosto é de tanto!
Eu não gosto é de ter
Gosto definido,
Desgosto.


Abraço,
Mateus.

Anônimo disse...

Antonio,


Considero esse um dos mais belos poemas que já li. A transcriação de Augusto é uma dádiva! Parabéns pela postagem!


Um poema:

"Confissão"

era preciso ter sido
um mosquito,
um espectro,
um ácaro escondido,
um elétron
no circuito elétrico,
uma gota d'água
nas tubulações,
um trinco,
uma chave,
um pensamento
rápido,
denso,
livre.

era preciso estar
disperso,
quieto,
calado,
petrificado,
pronto para tudo,
para gritos,
sussuros,
silêncios profundos

era preciso ter sucumbido aos
venenos do cérebro,
às loucuras do tempo,
às intempéries do coração,
ter voltado às pressas,
ter corrido, percorrido
os andares todos,
os degraus,
lutando contra
o último momento,
era vencer
o cansaço,
era tudo ou nada.

o verso - todo pranto -
- todo dor -
resolve voar,
talvez, vingar
no ar,
no branco infnito
da folha,

do vigésimo andar,
quer atirar-se:

pensa
ser uma leve pena,
uma gaivota,
uma ave revolta...

ter pára-queda.


Beijos,
Cecile.

Liberté disse...

Sim um poema
que exprime a rara
e existente
dessa alegria.

Eduardo Ribeiro disse...

Vai complementando um breve e conciso de Keats. On Fame.

I.



Fame, like a wayward girl, will still be coy
To those who woo her with too slavish knees,
But makes surrender to some thoughtless boy,
And dotes the more upon a heart at ease;
She is a Gipsey,--will not speak to those
Who have not learnt to be content without her;
A Jilt, whose ear was never whisper'd close,
Who thinks they scandal her who talk about her;
A very Gipsey is she, Nilus-born,
Sister-in-law to jealous Potiphar;
Ye love-sick Bards! repay her scorn for scorn;
Ye Artists lovelorn! madmen that ye are!
Make your best bow to her and bid adieu,
Then, if she likes it, she will follow you.


II.

"You cannot eat your cake and have it too."--Proverb.

How fever'd is the man, who cannot look
Upon his mortal days with temperate blood,
Who vexes all the leaves of his life's
And robs his fair name of its maidenhood;
It is as if the rose should pluck herself,
On the ripe plum finger its misty bloom,
As if a Naiad, like a meddling elf,
Should darken her pure grot with muddy gloom:
But the rose leaves herself upon the briar,
For winds to kiss and grateful bees to feed,
And the ripe plum still wears its dim attire,
The undisturbed lake has crystal space;
Why then should man, teasing the world for grace,
Spoil his salvation for a fierce miscreed?

Ricardo disse...

Caro Cicero, faria alguma diferença se Keats tivesse escrito "A beautiful thing is a joy forever" ? Um abraço!

Antonio Cicero disse...

Caro Ricardo,
sim, faria uma diferença pelo menos no ritmo, isto é, na musicalidade do poema. O verso "A thing of beauty is a joy forever", sendo acentuado na 4ª, na 8ª e na 10ª sílaba tem o que se chama um ritmo sáfico. "A beautiful thing is a joy forever" sendo acentuado na 5ª, e não na 4ª sílaba, perde esse ritmo clássico. Veja, no esquema, a diferença:
O verso sáfico:
---/---/-/
O outro:
----/--/-/

Ricardo disse...

Caro Cicero, obrigado pela gentileza em responder e ensinar. Um abraço