12.9.18

Juan Arias: "A visão apocalítica do "Le Monde" sobre o Brasil"



Há alguns dias, o Le Monde publicou uma reportagem pessimista sobre o Brasil. Na verdade, ela corresponde ao que, nas circunstâncias atuais, muitos brasileiros também pensam. Ontem, porém, o jornal espanhol El País  publicou um artigo, assinado por Juan Arias, que, criticando o artigo do Le Monde, oferece-nos outra perspectiva. Conheci-o na tradução portuguesa oferecida pelo site IHU On-Line. Ei-lo:


A visão apocalítica do "Le Monde" sobre o Brasil


O mundo tem os olhos voltados ao Brasil a um mês das importantes e já ensanguentadas eleições presidenciais, ofuscadas pela história infinita da candidatura de Lula na prisão, negada pela Justiça brasileira. Entre as visões negativas da imprensa internacional sobre o Brasil, o editorial do importante jornal francês Le Monde é especialmente apocalíptico.

Com o título de “O naufrágio de uma nação”, o Le Monde chega a afirmar que o Brasil “é um país que parece ter perdido o controle de seu destino”. É, acrescenta, “uma nação que se sente abandonada”. A classe política também não se salva, chamada de “tão angustiante como envelhecida, minada pela corrupção”.

O Le Monde já foi uma referência de jornalismo no mundo que formou gerações inteiras. Talvez por isso sua visão catastrofista sobre o Brasil, para os que, sem ser brasileiros, vivem aqui de perto a crise que assola o país é surpreendente. Não que tenhamos os olhos vendados para reconhecer que o país vive um de seus momentos mais difíceis após a ditadura, mas também não é verdade que o país tenha naufragado e perdido o controle de seu destino.

Não deixa de surpreender que os que colocaram há poucos anos esse país no Olimpo dos deuses, inveja do mundo, hoje o apresentem como uma nação que perdeu o controle, sem que se preocupem em analisar por que isso teria ocorrido, em tão pouco tempo, do céu ao inferno. Dentro e fora do Brasil, hoje são necessárias mais do que visões catastrofistas, e às vezes até injustas, sobre esse importante país, coração econômico da América Latina, uma análise séria sobre as causas que conduziram a essa crise pela qual ele passa. Não existem crimes sem culpados e é importante ir às raízes do problema antes de se fazer julgamentos sumários como se o Brasil houvesse chegado a esse momento sem que ninguém se sinta responsável.

É verdade que existe hoje um perigo real de autoritarismo e saudades da ditadura, sobretudo dos que não a viveram em sua própria carne, e que existe uma crise entre as instituições que tentam rivalizar entre elas invadindo a independência das mesmas que deveria ser mais respeitada. Acreditar, entretanto, que a democracia naufragou é uma ofensa ao trabalho que esse país realizou para se manter dentro dos padrões das democracias mundiais. O Brasil, dentro do continente, faz parte, apesar de todos os seus problemas, dos mais bem aparelhados do continente na defesa dos direitos humanos. O Brasil não é a Venezuela e a Nicarágua e com toda a sua carga de violência ainda não chega aos índices de alguns países do continente.

É um país com total liberdade de expressão e com a Justiça, com todos os seus possíveis erros, agindo e punindo os crimes de corrupção das elites políticas e empresariais como nunca aconteceu em sua história, em que a prisão era privilégio de pobres e negros. É um país com um grande debate nacional sobre a discriminação racial e de gênero. E com um jornalismo que, apesar de todas as críticas que possam ser feitas, é um dos mais vivos e responsáveis do continente, algo que me permito afirmar com meus 50 anos na profissão.

É verdade que há anos os brasileiros não estavam tão divididos por motivos políticos, agravado pelas redes sociais que ampliaram as possibilidades de debate. É um país, entretanto, que dos partidos políticos à sociedade mais madura reprovou, por exemplo, o atentado sangrento contra Bolsonaro, o candidato ultraconservador e cultor da violência.

Não sinto, como o Le Monde, que o Brasil seja um país como um barco já naufragado e sem esperanças. É um país irritado com seus governantes, descrente com seus políticos, mas como na maior parte do mundo de hoje. Prefiro ficar com a visão editorial do El País, que condenando dias atrás o atentado a Bolsonaro e o perigo de que possa ser usado para colocar em confronto uma sociedade já exasperada, concluiu dizendo: “O Brasil não está em guerra”. Eu diria que é uma sociedade sofrendo das dores do parto. Um Brasil que quer mais e o quer para todos, sem privilégios vergonhosos para os que deveriam dar exemplo à sociedade. Não é um país em agonia. É tão vivo que ainda é capaz de demonstrar sua raiva.


4 comentários:

Evandro disse...

Fraco, Juan Arias é muito fraco, vive ainda no mito do brasileiro cordial

Nobile José disse...

oi cicero, tudo bom?

concordo com o artigo. esse movimento reacionário é global e vem sendo construído há tempos. em entrevista concedida à folha, em 2006, vc já indicava essa ofensiva reacionária.

o curioso é que toda essa retração do pensamento, me parece, nada mais é do que uma forte reação à modernidade. o que me chamou a atenção é isso se dar em escala mundial, num movimento que tenta revitalizar valores tribais em detrimento do pluralismo.

acredito que essa tentativa de retorno à barbárie fracassará, mas tudo dependerá da defesa dos valores da civilização e da razão.

nisso confesso que me enganei: qdo li o mundo desde o fim e da atualidade do conceito de civilização, acreditei que a consolidação das sociedades abertas seria algo que aconteceria "naturalmente"; hj, vejo que se trata de uma luta contínua.

lutemos, pois.

um abraço!

Antonio Cicero disse...

Caro Nobile José,

Você tem toda razão.

Abraço

bea disse...

Desejo que os brasileiros não desistam da luta e nem da democracia que, como disse Churchil, não é uma boa forma de governo mas é a melhor que existe (não será esta a formulação exacta, mas tem o sentido).
O Brasil é um grande país com muito trabalho pela frente. Força gente! Não se pode dormir no posto.