7.6.17

Carlos Drummond de Andrade: "Encontro"



Encontro

Meu pai perdi no tempo e ganho em sonho.
Se a noite me atribui poder de fuga,
sinto logo meu pai e nele ponho
o olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga.

Está morto, que importa? Inda madruga
e seu rosto, nem triste nem risonho,
é o rosto, antigo, o mesmo. E não enxuga
suor algum, na calma de meu sonho.

Oh meu pai arquiteto e fazendeiro!
Faz casas de silêncio, e suas roças
de cinza estão maduras, orvalhadas

por um rio que corre o tempo inteiro,
e corre além do tempo, enquanto as nossas
murcham num sopro fontes represadas.



ANDRADE, Carlos Drummond de. "Claro enigma". In:_____. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988.

Um comentário:

Ediney Santana disse...

Belíssimo memorialíssimo poema