30.7.15

OCUPAÇÃO POÉTICA DO TEATRO CÂNDIDO MENDES






OCUPAÇÃO POÉTICA – TEATRO CÂNDIDO MENDES

Divididos em três noites, seis importantes poetas – Adriano Espínola, Alex Varella, Antonio Carlos Secchin, Antonio Cícero, Paulo Henriques Britto, Salgado Maranhão – lerão obras autorais, inéditas e consagradas, e também textos de outros poetas.

Coordenação: PAULO SABINO
Sexta-feira (31/07): ANTONIO CICERO & ALEX VARELLA
Sábado (01/08): SALGADO MARANHÃO & ADRIANO ESPÍNOLA
Domingo (02/08): ANTONIO CARLOS SECCHIN & PAULO HENRIQUES BRITTO

Horário: 20h
Entrada: R$ 5,00
Centro Cultural Cândido Mendes. End.: Joana Angélica, 63 – Ipanema, Rio de Janeiro. Tel.: (21) 
2523-3663.

29.7.15

Guilherme de Almeida: "Mormaço"





Mormaço

Calor. E as ventarolas das palmeiras
e os leques das bananeiras
abanam devagar
inutilmente na luz perpendicular.
Todas as coisas são mais reais, são mais humanas:
não há borboletas azuis nem rolas líricas.
Apenas as taturanas
escorrem quase líquidas
na relva que estala como um esmalte.
E longe uma última romântica
-- uma araponga metálica -- bate
o bico de bronze na atmosfera timpânica.




ALMEIDA, Guilherme de. "Mormaço". In: BANDEIRA, Manuel (org.). Apresentação da poesia brasileira. São Paulo: Cosac Naify, 2009. 

27.7.15

Antonio Cicero: "Francisca"




Francisca


Francisca veio do lá do Piaui
quando era ainda quase uma criança
e já chegou sonhando em retornar
e cultivar em meio a certas brenhas
algum roçado junto à sua mãe,
pois lá ficara o mundo de verdade:
o sol a chuva a noite a festa a morte.

Um certo norte está onde ela está,
em frente à praia de Copacabana,
onde ela faz cuscuz, beiju ou peta,
e seu sotaque não sei se é mais forte
quando ela ralha com o feirante esperto
ou quando prosa com a mãe ausente
ou o sabiá pousado em sua mão.

Entre o Nordeste que deixou na infância
e o Sul que nunca pareceu real
Francisca tem saudade de uns lugares
que passam a existir quando ela os pinta:
são mares turquesinos e espumantes
em frente a uns casarões abandonados
que, não sei bem por que, nos desamparam.



CICERO, Antonio. "Francisca". In:_____. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002.

25.7.15

Arthur Nogueira e Antonio Cicero: "Truques"




Ouçam a canção "Truques", resultado de uma parceria minha com Arthur Nogueira. Ela se encontra no novo e belo album dele, Sem medo nem esperança.











23.7.15

Mário Quintana: "As covas"





As covas

O bicho,
quando quer fugir dos outros,
faz um buraco na terra.

O homem,
para fugir de si,
fez um buraco no céu.



QUINTANA, Mário. "As covas". In:_____. Nova antologia poética. Rio de Janeiro: Codecri, 1981.

20.7.15

Carlos Drummond de Andrade: "Ontem"





Ontem

Até hoje perplexo
ante o que murchou
e não eram pétalas.

De como este banco
não reteve forma,
cor ou lembrança.

Nem esta árvore
balança o galho
que balançava.

Tudo foi breve
e definitivo.
Eis está gravado

não no ar, em mim,
que por minha vez,
escrevo, dissipo.



ANDRADE, Carlos Drummond de. "Ontem". In:_____. A rosa do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

18.7.15

Adriano Espínola: "Atento"





Atento

Todos os dias,
batalho silenciosamente.

Ao respirar, busco ser o vento.
Ao caminhar, sou o caminho.
Ao sonhar, engendro o sonho do sonho,
delirante e consciente.
Ao pensar, penso o pensamento
e devagar o componho.
Ao realizá-lo, sou a realidade,
simplesmente.

Não há outra verdade
senão a que invento.




ESPÍNOLA, Adriano. "Lixeira". In:_____. "Praia provisória". In:_____. Escritos ao sol. Antologia. Rio de Janeiro: Record, 2015.

15.7.15

Gastão Cruz: "Chegada"




Chegada

Parece-me irreal que tenhas vindo,
quase irreconhecível: onde estava
o impossível
eco de vida, íngreme, o passado
tornado mais passado?

Parece-me real que tenhas ido
ser outro ser, distante desta praia
Reconheci-te?
A lua minguante
de agosto iluminou tua chegada.



CRUZ, Gastão. "Chegada". In:_____. Escarpas. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010.

13.7.15

Charles Baudelaire: "Elévation" / "Elevação": trad. de Ivan Junqueira





Elevação

Por sobre os pantanais, os vales orvalhados,
As montanhas, os bosques, as nuvens, os mares,
Para além do ígneo sol e do éter que há nos ares,
Para além dos confins dos tetos estrelados,

Flutuas, meu espírito, ágil peregrino,
E, como um nadador que nas águas afunda,
Sulcas alegremente a imensidão profunda
Com um lascivo e fluido gozo masculino.

Vai mais, vai mais além do lodo repelente,
Vai te purificar onde o ar se faz mais fino,
E bebe, qual licor translúcido e divino,
O puro fogo que enche o espaço transparente.

Depois do tédio e dos desgostos e das penas
Que gravam com seu peso a vida dolorosa,
Feliz daquele a quem uma asa vigorosa
Pode lançar às várzeas claras e serenas;

Aquele que, ao pensar, qual pássaro veloz,
De manhã rumo aos céus liberto se distende,
Que paira sobre a vida e sem esforço entende
A linguagem da flor e das coisas sem voz!




Elévation

Au-dessus des étangs, au-dessus des vallées,
Des montagnes, des bois, des nuages, des mers,
Par delà le soleil, par delà les éthers,
Par delà les confins des sphères étoilées,

Mon esprit, tu te meus avec agilité,
Et, comme un bon nageur qui se pâme dans l'onde,
Tu sillonnes gaiement l'immensité profonde
Avec une indicible et mâle volupté.

Envole-toi bien loin de ces miasmes morbides;
Va te purifier dans l'air supérieur,
Et bois, comme une pure et divine liqueur,
Le feu clair qui remplit les espaces limpides.

Derrière les ennuis et les vastes chagrins
Qui chargent de leur poids l'existence brumeuse,
Heureux celui qui peut d'une aile vigoureuse
S'élancer vers les champs lumineux et sereins;

Celui dont les pensers, comme des alouettes,
Vers les cieux le matin prennent un libre essor,
- Qui plane sur la vie, et comprend sans effort
Le langage des fleurs et des choses muettes!




BAUDELAIRE, Charles. "Elévation". In:_____. As flores do mal. Trad. de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

11.7.15

Geraldo Carneiro: "A semântica das rosas"





A semântica das rosas

o signo rosa significa a rosa
a rosa em si mora no mundo
e é no fundo a flor da metaflora
que só floresce nos jardins suspensos de Platão

(assim, se não se sabe se uma pena
é uma pena ou é uma pena
também nunca se sabe se uma rosa
é uma rosa ou é somente a insígnia
o enigma ou a senha ou a metáfora
significando alguma outra rosa)

em suma, cada signo é uma ponte
entre a palavra, seu império
e cada rosa sempre indecifrada
em seu mistério



CARNEIRO, Geraldo. "A semântica das rosas". In:_____. novo panglossário. In:_____. lira dos cinquent'anos (1996-2002). In:_____. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2010.

9.7.15

Eugénio de Andrade: "Arte dos versos"




Arte dos versos

Toda a ciência está aqui,
na maneira como esta mulher
dos arredores de Cantão
ou dos campos de Alpedrinha
rega quatro ou cinco leiras
de couves: mão certeira
com a água,
intimidade com a terra,
empenho do coração.
Assim se faz o poema.




ANDRADE, Eugénio de. "Arte dos versos". In:_____. Rente ao dizer. Lisboa: Fundação Eugénio de Andrade, 1992.

6.7.15

Arthur Rimbaud: "Âge d'or" / "Idade de ouro": trad. Ivo Barroso




Idade de ouro

Qualquer voz assim
Angélica e rica
– Trata-se de mim, –
De cara se explica

O mar de questões
E toda procura
Não trazem senão
Ebriez e loucura;

Reconhece o humor
Tão fácil, que brilha,
É tudo onda, flora,
E é tua família!

Pois ela canta. Ó
Tão fácil, tranquila.
Visível a olho nu...
– eu canto com ela, –

Reconhece o humor
Tão fácil, que brilha,
É tudo onda, flora,
E é tua família!

E uma voz enfim
– Angélica e rica! –
Trata-se de mim,
É claro, se explica;

Num hálito irmão
Canta de repente
Em tom alemão
Mas sonora e ardente:

O mundo é vicioso,
Se isso te apavora!
Vive e deita ao fogo
A desgraça obscura.

Ó belo castelo!
Tua vida é pura!
De que idade és tu,
Príncipe natura
Desse irmão mais velho! etc...

Também canto: em voz,
Mil irmãs que sois,
Não de todo pública!
Envolvei-me vós
De uma glória abúlica... etc...



Âge d'or

Quelqu'une des voix
Toujours angélique
– Il s'agit de moi, –
Vertement s'explique :

Ces mille questions
Qui se ramifient
N'amènent, au fond,
Qu'ivresse et folie ;

Reconnais ce tour
Si gai, si facile :
Ce n'est qu'onde, flore,
Et c'est ta famille !

Puis elle chante. Ô
Si gai, si facile,
Et visible à l'oeil nu...
- Je chante avec elle, -

Reconnais ce tour
Si gai, si facile,
Ce n'est qu'onde, flore,
Et c'est ta famille !

Et puis une voix
– Est-elle angélique ! –
Il s'agit de moi,
Vertement s'explique ;

Et chante à l'instant
En soeur des haleines :
D'un ton Allemand,
Mais ardente et pleine :

Le monde est vicieux ;
Si cela t'étonne !
Vis et laisse au feu
L'obscure infortune.

Ô ! joli château !
Que ta vie est claire !
De quel Âge es-tu,
Nature princière
De notre grand frère ! etc...

Je chante aussi, moi :
Multiples soeurs ! voix
Pas du tout publiques !
Environnez-moi
De gloire pudique... etc...



RIMBAUD, Arthur. "Âge d'or" / "Idade de ouro". Trad. Ivo Barroso. In:_____. Poesia completa. Edição bilingüe. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

4.7.15

Federico Garcia Lorca: "Este es el prólogo" / "Este é o prólogo": trad. William Agel de Melo




Este es el prólogo

Dejaría en este libro
toda mi alma.
Este libro que ha visto
conmigo los paisajes
y vivido horas santas.

¡Qué pena de los libros
que nos llenan las manos
de rosas y de estrellas
y lentamente pasan!

¡Qué tristeza tan honda
es mirar los retablos
de dolores y penas
que un corazón levanta!

Ver pasar los espectros
de vidas que se borran,
ver al hombre desnudo
en Pegaso sin alas,

ver la vida y la muerte,
la síntesis del mundo,
que en espacios profundos
se miran y se abrazan.

Un libro de poesías
es el otoño muerto:
los versos son las hojas
negras en tierras blancas,

y la voz que los lee
es el soplo del viento
que les hunde en los pechos,
– entrañables distancias –.

El poeta es un árbol
con frutos de tristeza
y con hojas marchitas
de llorar lo que ama.

El poeta es el médium
de la Naturaleza
que explica su grandeza
por medio de palabras.

El poeta comprende
todo lo incomprensible,
y a cosas que se odian,
él, amigas las llama.

Sabe que los senderos
son todos imposibles,
y por eso de noche
va por ellos en calma.

En los libros de versos,
entre rosas de sangre,
van pasando las tristes
y eternas caravanas

que hicieron al poeta
cuando llora en las tardes,
rodeado y ceñido
por sus propios fantasmas.

Poesía es amargura,
miel celeste que mana
de un panal invisible
que fabrican las almas.

Poesía es lo imposible
hecho posible. Arpa
que tiene en vez de cuerdas
corazones y llamas.

Poesía es la vida
que cruzamos con ansia
esperando al que lleva
sin rumbo nuestra barca.

Libros dulces de versos
son los astros que pasan
por el silencio mudo
al reino de la Nada,
escribiendo en el cielo
sus estrofas de plata.

¡Oh, qué penas tan hondas
y nunca remediadas,
las voces dolorosas
que los poetas cantan!

Dejaría en el libro
este toda mi alma...



Este é o prólogo

Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,

ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.

Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.

Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia é amargura,
mel celeste que mana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.

Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria neste livro
toda a minha alma...



GARCIA LORCA, Federico. "Este es el prólogo" / "Este é o prólogo". Trad. William Agel de Melo. In:_____. "Poemas sueltos". In:_____. Obra poética completa. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1989.