16.3.13

Wisława Szymborska: "O quarto do suicida": trad. de Regina Przybycien






O quarto do suicida


Vocês devem achar que o quarto estava vazio.
Pois havia ali três cadeiras de encosto firme.
Uma boa lâmpada contra a escuridão.
Uma mesinha, e sobre a mesinha uma carteira, jornais.
Um Buda alegre, um Jesus aflito.
Sete elefantes para dar sorte, e na gaveta um caderninho.
Você acha que nele não estavam nossos endereços?

Acham que faltavam livros, quadros ou discos?
Pois lá estava o trompete consolador nas mãos negras.
Saskia com uma flor cordial.
Alegria, centelha divina.
Na estante Ulisses num sono reparador
depois dos esforços do Canto Cinco.
Os moralistas,
seus nomes inscritos em letras douradas
nas lindas lombadas de couro.
Ao lado, também os políticos perfilados.

Não parecia que o quarto fosse
sem saída, pelo menos pela porta
nem sem vista, pelo menos pela janela.
Os óculos para longe largados no parapeito.
Uma mosca zunindo, ou seja, ainda viva.
Devem achar que ao menos a carta explicasse algo.
E se eu lhes disser que não havia carta –
éramos tantos os amigos e coubemos todos
no envelope vazio apoiado no lado do corpo.




SZYMBORSKA, Wisława. "O quarto do suicida". In:_____. Poemas.  Trad. Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

3 comentários:

Renê Dióz disse...

Sou muito grato por todo o conhecimento que o senhor, com tanta simpatia e humildade, despejou durante uma palestra no final do ano passado em Cuiabá. Além de me levar ao incrível 'Porventura', aquele encontro sobre filosofia e poesia me levou à Wisława. Acompanhar teu blog virou uma doce rotina desde então. E agora vou para 'O mundo desde o fim'. Grande abraço, Antônio Cícero!

Antonio Cicero disse...

Muito obrigado, Renê. Eu lhe recomendaria ler "Poesia e filosofia", que publiquei no ano passado, e que desenvolve assuntos de que falei em Cuiabá.

Abraço

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

que lindo poema! Grato por compartilhar!


Abraço forte,
Adriano Nunes