5.5.12
Nicolás Gomez Dávila: de "Sucesivos escolios a un texto implícito"
Salvo nos primeiros momentos de entusiasmo revolucionário, a maioria da população, em todo país e em toda época, pertence à centro-direita.
***
A inveja costuma ser a verdadeira mola das indignações morais.
***
O público rarmente elogia um livro porque o admire, geralmente o admira porque o elogiam.
DÁVILA, Nicolás Gomez. Sucesivos escolios a un texto implícito. Barcelona: Altera, 2002.
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28 comentários:
Então, façamos uma homenagem ao pai dos aforismos modernos: La Rochefoucauld.
"A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude."
Você acha mesmo que a maioria da população, em toda parte, é de centro-direita?
Caro Anônimo,
acho que sim, infelizmente. Sou realista. As pesquisas mostram que a maioria é conservadora e não gosta, por exemplo, dos defensores dos direitos -- das liberdades -- humanas. Por exemplo, a maioria é a favor da pena de morte. É lamentável, mas é assim.
Caro Cicero,
Permita-me uma intervenção: será que vc não estaria associando - indevidamente, penso eu - a defesa dos direitos humanos com a esquerda, quando todos sabemos que, seja à direita, seja à esquerda, há violações das liberdades individuais?
Penso que é verdade que a maioria da população seja de centro-direita, mas no sentido explicitado por Ferreira Gullar, em recente artigo na Folha.
Forte abraço!
Aetano
Caro Aetano,
Acho que nossa diferença é sobretudo de natureza terminológica. De maneira geral, acho que a direita representa conservadorismo e reacionarismo, e reivindico a expressão “esquerda” para a defesa de mudança, no sentido de tornar a sociedade mais aberta, mais tolerante, mais porosa e mais equitativa.
No Brasil – e, penso eu, em praticamente todos os países, como diz o Gomez Dávila – quando a maior parte da população se opõe à legalização da união civil de homossexuais, por exemplo, faz isso por conservadorismo ou reacionarismo associado, em geral, a ideologias religiosas e laicas esclerosadas, logo, por considerações direitistas, e não por considerações de esquerda.
Abraço
Caro Cicero,
Compreendo o problema terminológico. Bobbio, em seu livro "Direita e Esquerda - razões e significados de uma distinção política", adotou o critério da "aspiração à igualdade" para distinguir a direita da esquerda, mas enumera outros (que teriam sido apontados por seus críticos):
1. "Há quem tenha sustentando que o traço característico da esquerda é a não-violência" (p. 34);
2. "Também não me parece convincente a figuração da esquerda como a posição que tende à criação de sociedades abertas contra as sociedades fechadas, que expelem os diversos" (p. 35);
3. "Gostaria de citar ainda um clássico contemporâneo do liberalismo, Isaiah Berlin, que considera de esquerda o liberalismo que se opõe ao excessivo poder da autoridade fundada sobre a força da tradição, na qual identifica a principal característica das direitas" (p. 36);
4. "Neste grupo deve-se também incluir D. Cofrancesco que [...] argumenta que o melhor critério para distinguir a direita da esquerda é a posição diante do poder: a direita sublinha sua imprescindibilidade, a esquerda denuncia suas potencialidades repressivas e desumanizadoras" (nota de rodapé à p. 36/37 - estou utilizando a segunda edição);
5. "Não o liberalismo, mas a liberdade, como valor fundamental - a liberdade e não a igualdade -, seria a característica da esquerda conforme Vittorio Foa" (p. 37);
Por fim, Bobbio, em nota à página 30, expõe mais um critério e faz um comentário com o qual concordo. Diz ele:
"Desde que Matteucci já nos deu tantas provas de que considera a liberdade de direita e a igualdade de esquerda [...] a diferença entre mim e Matteucci está no fato de que, para mim, a liberdade pode ser tanto de direita quanto de esquerda".
Sendo assim, "a contrario sensu", restrições à liberdade podem partir tanto da direita quanto da esquerda.
Bom, esse meu comentário é apenas para explicitar o anterior e para acrescentar que sou fortemente tentado a me declarar AMBIDESTRO: concordo e discordo de Rousseau, tanto quanto concordo e discordo de Nietzsche - autores que, segundo Bobbio, são "passíveis de serem elevados à condição de representantes, respectivamente, do ideal igualitário e do ideal inigualitário".
Quero dizer ainda, se vc me permite, que entendo, mas lamento que os homossexuais estejam querendo casar. Explico: não é que seja contra o DIREITO dos homossexuais casarem. É que simpatizo MAIS com quem - homossexual ou não - batalha junto àqueles que lutam para o reconhecimento de formas alternativas de constituir família e para o fortalecimento do "status" jurídico destas outras formas (observe que, segundo uma doutrina jurídica conservadora, o casamento teria uma "status" superior à união estável, p.ex., sendo, por conseguinte, a "principal" forma de arranjo familiar).
Ou seja, conquanto defenda o direito de todos viverem em sociedade como quiserem, tenho MAIS SIMPATIA com aqueles que não expressam desejos CONCESSIVOS aos ideais e/ou institutos dominantes e, assim, forçam a sociedade a ter uma configuração mais tolerante.
Espero ter sido claro.
Forte abraço!
Aetano
Sua utilização de conceitos sociológicos é bem leviana e arbitraria. Sorte sua: você é um poeta...
Caro Aetano,
Como se sabe, o sentido político da palavra “esquerda” vem do fato de que na França, em 1789, os monarquistas se colocaram ostensivamente à direita do presidente, enquanto os partidários da revolução, à esquerda. Pelas citações que você faz, vê-se que o próprio Bobbio mostra a diversidade de opiniões sobre o que “esquerda” quer dizer.
Obviamente “direita” e “esquerda” são noções tanto correlativas quanto contextuais. Elas queriam dizer uma coisa na França do século XVIII, outra coisa depois de Marx, no século XIX, uma terceira coisa a partir do “socialismo” do século XX, e ainda uma quarta coisa hoje, no século XXI. Concordo com Gabeira (O Globo, 27/10/2008), quando ele diz, por exemplo, que um grande defeito da esquerda do século passado é ter sempre pensado que os fins justificam os meios. “Minha posição de esquerda do século XXI”, continua, “é de que os fins não justificam os meios”.
No século XX, a esquerda era representada pelos Estados e pelos partidos soi disant socialistas. Sendo assim, as restrições à liberdade podiam ser associadas tanto à esquerda quanto à direita, como diz Bobbio. Ora, não devemos mais pensar assim. Por exemplo, não considero ser de esquerda o regime da Coreia do Norte.
Eu disse que “direita” e “esquerda” são noções correlativas e contextuais. Em última análise, ser de direita é ser conservador ou reacionário. Concordo com Contardo Calligaris quando (Folha de São Paulo, 9/5/2002) ele diz que “o denominador comum [da direita] é uma espécie de nostalgia de casa à qual todos somos sensíveis: a nostalgia de um tempo em que o mundo talvez fosse menor, mais estável, mais seguro, mais igual a si mesmo”. Trata-se da nostalgia da comunidade. Assim também pensa o economista Paul Krugman (New York Times, 23/4/2002), que afirma que “nossa direita zangada se enfurece contra os liberais ateus; a direita da França ataca os imigrantes. Em ambos os casos o que realmente parece incomodá-los é a perda da certeza; querem voltar a uma época mais simples, sem a moderna mistura de pessoas e ideias”. É o horror à sociedade aberta.
Nostalgia da comunidade e horror à sociedade aberta: eis as principais características do direitista de hoje. Ele quer restaurar os princípios ligados à comunidade contra a sociedade aberta, à tradição contra a inovação, à religião contra a razão, à hierarquia contra a igualdade etc. Já a esquerda defende exatamente, como eu disse antes, a sociedade mais aberta, mais porosa, mais tolerante e mais equitativa.
Quanto ao “casamento” homossexual, observe que não empreguei essa palavra no meu comentário anterior. Tampouco eu tenho simpatia pela noção de “casamento”. Falei de “união civil”. É absurdo que os homossexuais não tenham esse direito. Por exemplo, é justo que, com a morte de um dos parceiros de uma união civil, o parceiro sobrevivente herde o patrimônio construído pelo casal. É injusto que isso não ocorra, no caso de uma união homossexual.
Abraço
Caro Cicero,
Seguem mais algumas observações:
AC - No século XX, a esquerda era representada pelos Estados e pelos partidos soi disant socialistas. Sendo assim, as restrições à liberdade podiam ser associadas tanto à esquerda quanto à direita, como diz Bobbio. Ora, não devemos mais pensar assim. Por exemplo, não considero ser de esquerda o regime da Coreia do Norte.
AETANO - Cicero, confesso que estou tentando conter a minha perplexidade. Jamais imaginei que essa fosse a sua concepção de "esquerda", assim como nunca pensei que, pra vc, Zizek fosse alguém de direita. Com efeito, em artigo publicado na Folha de São Paulo (21/01/2009), vc diz:
"Não admira, portanto, que Zizek chame os direitos humanos de 'obscenos' ou que faça a apologia de Robespierre, Lênin, Stálin e Mao."
Penso que outros também devem estar perplexos com as suas declarações. Se não muitos, ao menos Caetano Veloso, que em entrevista publicada aqui no blog, diz, a seu respeito:
CULT - Se fosse preciso (você pode recusar tal necessidade), como você se definiria politicamente? De esquerda, de direita, de centro, social-democrata, liberal?
Caetano - Nessa hora eu adoraria ser americano: nos EUA "liberal" quer dizer "de esquerda". Eu estaria unido a palavras que produzem bem-estar. Aqui tenho de me contorcer e dizer que sou de uma esquerda transliberal. Digo também que sou de centro mas não estou em cima do muro: estou muito acima do muro. Mas isso tudo é fanfarronice de artista.
Eu aplico o termo "direita" a conservadores reacionários. Todo o pessoal de esquerda gosta de citar Alain dizendo que se alguém diz que não há tal divisão "direita e esquerda", esse alguém é de direita. A observação é aguda e engraçada. Mas pode servir justamente a propósitos conservadores. VOLTO A ANTONIO CICERO: HÁ UMA REAÇÃO À MODERNIDADE QUE SE ORGANIZA EM ÁREAS DO QUE CHAMAMOS DIREITA E EM ÁREAS DO QUE CHAMAMOS ESQUERDA, HOJE. CONCORDO COM ELE QUE DESQUALIFICAR OS DIREITOS INDIVIDUAIS, OS DIREITOS HUMANOS PROPRIAMENTE DITOS, É UMA MANOBRA CONSERVADORA PROFUNDA - QUE VOCÊ PODE ENCONTRAR TANTO EM OLAVO DE CARVALHO QUANTO EM SLAVOJ ZIZEK. Tanto no cardeal que excomunga os médicos que fizeram o aborto da menina estuprada pelo padrasto quanto no dirigente comunista que nega o direito de ir e vir dos cidadãos do seu país.
(Grifei)
(continua)
CONTINUAÇÃO:
AC - Eu disse que “direita” e “esquerda” são noções correlativas e contextuais. Em última análise, ser de direita é ser conservador ou reacionário. Concordo com Contardo Calligaris quando (Folha de São Paulo, 9/5/2002) ele diz que “o denominador comum [da direita] é uma espécie de nostalgia de casa à qual todos somos sensíveis: a nostalgia de um tempo em que o mundo talvez fosse menor, mais estável, mais seguro, mais igual a si mesmo”.
AETANO - Eu tenho uma interpretação diferente desse texto de Calligaris. Transcrevo-o e depois explico:
"Quem vota em Le Pen não é propriamente de direita, pois abomina o capital internacional e financeiro. E muitos dos que militam na esquerda vivem, de fato, as mesmas indignações que o[s] lepenistas.
O denominador comum é uma espécie de nostalgia de casa à qual todos somos sensíveis: a nostalgia de um tempo em que o mundo talvez fosse menor, mais estável, mais seguro, mais igual a si mesmo."
Entendo que Calligaris não diz que “o denominador comum [da direita] é uma espécie de nostalgia de casa...". Calligaris está-se referindo, na verdade, àqueles que votam em Le Pen, cujo denominador comum seria a tal "nostalgia da casa". E nem todos que votam em Le Pen, segundo ele, é de direita. Ao contrário, para Calligaris, quem vota em Le Pen é gente que "não é propriamente de direita" e "muitos dos que militam na esquerda", logo, aquele denominador comum não se refere somente a quem é de direita.
AC - Assim também pensa o economista Paul Krugman (New York Times, 23/4/2002), que afirma que “nossa direita zangada se enfurece contra os liberais ateus; a direita da França ataca os imigrantes. Em ambos os casos o que realmente parece incomodá-los é a perda da certeza; querem voltar a uma época mais simples, sem a moderna mistura de pessoas e ideias”. É o horror à sociedade aberta.
AETANO - Prefiro, por ser mais complexo, o pensamento de Calligaris: quem tiver a oportunidade de ler, por inteiro, o artigo que estamos mencionando, verá que ele diz:
"[...] uma das razões do voto de quem desfilou para Le Pen é o medo de perder-se, de não ser mais si mesmo, o risco de não ser mais nada.
Não é um medo incomum. Há um sentimento tipicamente moderno que ultrapassa em muito os limites do eleitorado dos vários Le Pen do mundo. ELE JOGA PONTES INSUSPEITADAS ENTRE SUJEITOS QUE PARECEM DISTANTES, POLÍTICA E SOCIALMENTE [...]".
(Grifei)
Mais adiante, Calligaris sustenta que:
"A globalização expande nossa tribo até incluir a humanidade inteira (o que nos parece simpático e desejável), mas, ao mesmo tempo, ela permite a livre circulação pelo mundo de interesses descomprometidos com o destino concreto das comunidades e das pessoas (o que é devastador).
De forma análoga, a resistência à globalização expressa a vontade de não abdicar a direção de nossas vidas concretas (o que é desejável), mas expressa também a nostalgia de uma casa tranquila e perdida (o que é inevitável) e, nessa nostalgia, o ódio do estrangeiro que atrapalhou a paz do vilarejo (o que é assustador e compromete o que há de melhor na globalização).
Os homens de cerâmica que votam em Le Pen lembram que, no coração de nossa nostalgia, está o risco de um tribalismo alimentado por caricaturas de nós mesmos."
Alguém aí dirá que a nostalgia da casa é, para Calligaris, algo exclusivo da direita?
(continua)
CONTINUAÇÃO (2)
AC - Nostalgia da comunidade e horror à sociedade aberta: eis as principais características do direitista de hoje. Ele quer restaurar os princípios ligados à comunidade contra a sociedade aberta, à tradição contra a inovação, à religião contra a razão, à hierarquia contra a igualdade etc. Já a esquerda defende exatamente, como eu disse antes, a sociedade mais aberta, mais porosa, mais tolerante e mais equitativa.
AETANO - Uma das razões da minha perplexidade com essa sua - para mim nova - abordagem é que ela é maniqueísta: à direita estão todos que são a favor da sociedade fechada, da tradição, da religião, da hierarquia etc; enquanto que à esquerda estariam os defensores da sociedade aberta, da inovação, da razão, da igualdade etc. Digo maniqueísta porque a sua concepção não é descritiva como a de Bobbio, mas emotiva, valorativa.
AC - Quanto ao “casamento” homossexual, observe que não empreguei essa palavra no meu comentário anterior. Tampouco eu tenho simpatia pela noção de “casamento”. Falei de “união civil”. É absurdo que os homossexuais não tenham esse direito. Por exemplo, é justo que, com a morte de um dos parceiros de uma união civil, o parceiro sobrevivente herde o patrimônio construído pelo casal. É injusto que isso não ocorra, no caso de uma união homossexual.
AETANO - De fato, vc não empregou a palavra "casamento", mas fiz questão de tecer algumas considerações sobre isso, porque a expressão "união civil" comporta duas interpretações: 1) uma mais extensiva, onde "união civil" seria gênero, cujas espécies seriam o casamento e a união estável; 2) e outra mais restritiva, onde "união civil" significaria apenas "união estável". Salvo melhor juízo, a interpretação mais condizente com a natureza das regras de direito de família - que têm finalidade protetiva e acolhedora - é a extensiva. Sendo assim, estariam assegurados aos homossexuais os direitos de casar ou de celebrar união estável. Diante da alternativa - casamento ou união estável -, eu disse que simpatizava mais com aqueles que escolhiam a segunda opção, pois estariam forçando a sociedade a reconhecer que tal união deve ter o mesmo "status" jurídico do casamento.
Aquele abraço!
Aetano
Em uma sociedade onde a dança dos afetos acelerou a mil, a noção de uniões que envolvam patrimônio é totalmente absurda. Defender "casamentos" e "união estáveis", é uma tolice arcaica. Quer dividir seu patrimônio? Faça um testamento ou dê presentes ao amado ou amada da ocasião. A luta por patrimônio de morto é a última vingança do falecido, contra a família ou contra o "amado". Por que não fez um testamento em cartório? Testamento é um documento legal simples e prático. Quem não testa tem os seus motivos...
Grande abraço,
Cláudio.
Quanto ao comentário do Cláudio, ele evidentemente não conhece a lei brasileira, logo, não sabe do que está falando. No casamento, quando falece um dos dois parceiros, o patrimônio é herdado pelo outro. Numa parceria homossexual, quando falece um dos dois parceiros, cinquenta por cento do patrimônio do falecido vai necessariamente, independentemente de qualquer testamento, para sua família de origem. Ou seja, o apartamento que o casal tenha comprado junto não vai pertencer exclusivamente ao parceiro do falecido.
De todo modo, embora eu, como disse, não tenha simpatia pela noção de casamento, acho que deve haver total isonomia entre todos os cidadãos, de modo que acho que, se alguns podem se casar, em princípio todos devem poder fazê-lo. Por isso, acho admirável, por exemplo, a declaração de Obama a favor da legalização do casamento gay. Tolice arcaica, nesse caso, é ser contra essa legalização.
Sei lá... Diante do barroquismo da lei brasileira é bem possível que você tenha razão. Mesmo assim, não seria mais lógico mudar a lei do testamento do que insistir no "casamento" ou "união estável"? Fazer ou mudar um testamento é bem mais rápido do que casar e descasar, ou mesmo, reconhecer que uma "união estável", não era tão estável assim... Ora, transformar a legislação para que o testamento seja um "ato soberano" é muito mais fácil do que passar uma lei de "casamento gay", que envolve mil contratempos com os preconceitos arraigados de uma sociedade. Noves fora, a enxurrada de antipatias que esse tema atrai para a causa gay. Tanto isso é verdade, que o casamento gay tornou-se tema da campanha norte-americana. Os republicanos querem pintar o Obama como líder dos devassos anti-família que correm a sociedade americana. Arcaico, demasiadamente, arcaico...
Grande abraço!
Cláudio.
Cláudio,
o que penso ser mais importante é a isonomia: ou se abole o casamento ou qualquer adulto solteiro tem o direito de se casar com qualquer outro adulto solteiro, independentemente do gênero.
Quanto a Obama, a grande notícia, além do seu apoio à legalização do casamento gay, é que esse apoio é também resultado da constatação de que a sociedade americana já não está tão presa aos preconceitos religiosos que há anos são explorados pela extrema direita, isto é, pelo Partido Republicano.
Abraço
Aetano,
[1ª Parte]
Talvez a sua leitura do texto do Calligaris possa me ajudar a esclarecer como vejo a diferença entre a direita e a esquerda, do ponto de vista político.
O artigo do Calligaris, escrito em 2002, intitula-se “Quem vota em Jean-Marie le Pen?”. Le Pen é, como diz Calligaris, “um candidato declaradamente xenófobo, racista e neofascista”. Na eleição daquele ano, havia crescido o eleitorado dele. Por que? Segundo Calligaris, “pela dispersão das esquerdas e pela mediocridade das escolhas possíveis”. E afirma que o “denominador comum” dos eleitores de Le Pen “uma nostalgia de um tempo em que o mundo talvez fosse menor, mais estável, mais seguro, mais igual a si mesmo”.
Pois bem, eu digo:
1) Um candidato declaradamente xenófobo, racista e neofascista é de direita;
2) A pessoa que vota num candidato declaradamente xenófobo, racista e neofascista é de direita, independentemente de como ela mesma se conceba;
3) O que, desde a Revolução Francesa, caracteriza a direita e produz a xenofobia, o racismo e o neofascismo é principalmente a nostalgia de um tempo (real ou fictício, pouco importa) em que o mundo talvez fosse menor, mais estável, mais seguro, mais igual a si mesmo.
4) A nostalgia acima descrita, o “tribalismo”, como diz Calligaris, é a nostalgia da COMUNIDADE (GEMEINSCHAFT) pré-moderna, em oposição à SOCIEDADE (GESELLSCHAFT) moderna. É essa nostalgia e a correspondente condenação da sociedade moderna que constitui o núcleo do pensamento de direita.
5) Quando Calligaris diz que “quem vota em Le Pen não é propriamente de direita, pois abomina o capital internacional e financeiro”, ele comete um erro, pois o nazismo, que pretendia estabelecer uma comunidade pan-germânica, declarava-se inimigo não apenas dos judeus, mas também do capital internacional e financeiro.
[continua]
[2ª parte]
A comunidade pré-moderna supõe encontrar sua origem na grande família, que se estende até a nação ou a "pátria" e tem por horizonte a religião positiva, herdada dos antepassados. Os membros da comunidade, articulados hierarquicamente de modo pretensamente orgânico e natural, creem cultivar entre si relações pessoais e cooperativas, enraizadas numa cultura particular e tradicional. A própria palavra "cultura", aliás, liga-se etimologicamente ao trabalho com a terra e ao culto religioso.
A sociedade moderna solapou ou destruiu as condições de existência das comunidades pré-modernas. A família, as tradições, as religiões foram por ela atropeladas. O protótipo da sociedade moderna não é a família, mas a grande cidade. Nela, os indivíduos se agregam de modo mecânico e arbitrário e tendem a se relacionar de maneira impessoal e contratual. Em última análise, seu horizonte é o princípio racional, crítico, formal e negativo segundo o qual a limitação da liberdade de uma pessoa não é lícita senão enquanto necessária para tornar essa liberdade compatível com igual liberdade alheia. Tal é o princípio universal da civilização (palavra que se liga a “civilis”, “civis” e “civitas”, de onde “cidade”).
Na sociedade, fora dos círculos familiares restritos, as relações pessoais de caráter comunitário que tendem a prevalecer são aquelas em que cada um ingressa voluntariamente, e não aquelas de que cada um participa a despeito de sua vontade, como as de parentesco e vizinhança. Hoje, a Internet leva mais longe esse progresso das relações societárias. O internauta é capaz de ignorar os seus vizinhos reais para estabelecer, num lugar virtual, relações comunitárias com pessoas que nunca viu diretamente, mas que, do outro lado do mundo, tenham o mesmo interesse pontual que ele.
Para o pensamento racional, crítico, formal e negativo de esquerda, não só a comunidade compulsória da pré-modernidade representa uma prisão, em relação à qual à sociedade aberta da modernidade já representa uma emancipação, como esta contém potencialidades emancipatórias que ainda não se realizaram plenamente, e que podem e devem ser plenamente realizadas.
Nos séculos XIX e XX, os marxistas pensavam que a plena realização dessas potencialidades se daria sob o comunismo. A forma de chegar lá seria uma revolução que tornasse possível, em primeiro lugar, a construção do socialismo, através da ditadura do proletariado. Para conseguir isso em um só país ou em uns poucos países de cada vez, num mundo capitalista hostil, praticamente todos os meios lhes pareciam justificados. Assim, acabaram sendo produzidas sociedades tão fechadas e repressivas quanto as fascistas, produzidas pela extrema direita.
Hoje, porém, depois das malfadadas experiências do socialismo real, a verdadeira esquerda é aquela que é capaz de reconhecer que sequer sabemos precisamente o que significaria construir o socialismo ou o comunismo (ver meu artigo de 2/5/2010, na Folha de São Paulo, “A ideologia marxista hoje” (http://antoniocicero.blogspot.com.br/2010/05/ideologia-marxista-hoje.html). A falência do “socialismo real” não significa, portanto, o fim da esquerda, mas a sua transformação. A verdadeira esquerda de hoje luta para tornar o mundo cada vez mais aberto, mais tolerante, mais receptivo à inovação, mais equitativo.
[continua]
[3ª parte]
A declaração de Caetano que você cita não vai contra o que tenho dito. Ele, como eu, aplica o termo “direita” a conservadores e reacionários. Ele diz que “há uma reação à modernidade que se organiza em áreas do que chamamos direita e em áreas do que chamamos esquerda, hoje”. Está certo. Mas agora, como eu disse em postagem anterior, reivindico a palavra “esquerda” para a defesa de mudança, no sentido de tornar a sociedade mais aberta, mais tolerante, mais porosa e mais equitativa. Adiante, Caetano diz: “Concordo com ele que desqualificar os direitos individuais, os direitos humanos propriamente ditos, é uma manobra conservadora profunda, que você pode encontrar tanto em Olavo de Carvalho quanto em Slavoj Zizek”. Está certo também. E, como Caetano, segundo ele mesmo afirma, aplica o termo “direita” a conservadores e reacionários, segue-se que Zizek, sendo profundamente conservador, é, no fundo, de direita.
Abraço
[1a parte]
"Muitas vezes, as ideias mais caras aos humanitários foram altamente aclamadas por seus inimigos mais mortais, que desse modo penetraram no campo humanitário, sob o disfarce de aliados, causando a desunião e a completa confusão. Essa estratégia, não raro, tem sido o maior sucesso, como se vê do fato de que muitos humanitários genuínos ainda reverenciam a ideia de 'justiça' de Platão, a ideia medieval do autoritarismo 'cristão', a ideia de Rousseau da 'vontade geral', ou as ideias de 'liberdade nacional' de Fichte ou Hegel. Contudo, esse método de penetrar no campo humanitário, dividi-lo e confundi-lo, e construir uma quinta coluna intelectual amplamente inconsciente mas por isso mesmo duplamente eficaz, somente conseguiu seu maior êxito depois que o hegelianismo se estabeleceu como a base de um verdadeiro movimento humanitário: do marxismo, até agora a mais pura, a mais desenvolvida e a mais perigosa forma de historicismo.
É tentador o demorado exame das similaridades entre o marxismo, a ala esquerda do hegelianismo, e sua réplica fascista".
(Karl Popper, "A sociedade aberta e seus inimigos", Tomo 2, p. 88/89).
[continua]
[2a Parte]
Caro Cicero,
Antes de tudo, obrigado pela oportunidade e pelo prazer dessa conversa. Como vc é uma referência intelectual para mim, precisei explorar o seu ponto de vista – seja para reforçar, seja para repensar o meu.
Compreendi a sua idéia do que seja “esquerda” e agora não se trata apenas de discordar, mas, sobretudo, de entender como vc a concebeu.
Com efeito, tenho acompanhado com grande interesse seu pensamento e acreditei estar certo que vc – baseado na História e na Filosofia – via tanto à direita quanto à esquerda uma ameaça à sociedade aberta e seus consectários.
Vejo que me enganei. Mas será que fiz uma má leitura? Vejamos.
Na sua última postagem, vc diz:
"Mas agora, como eu disse em postagem anterior, reivindico a palavra ‘esquerda’ para a defesa de mudança, no sentido de tornar a sociedade mais aberta, mais tolerante, mais porosa e mais equitativa."
Contudo, em outra oportunidade, vc disse:
“As ideias de que o mundo mudou – que o próprio Obama não só afirma mas encarna – e de que devemos mudar com ele são, no fundo, as que mais irritam tanto os direitistas cínicos quanto os esquerdistas dogmáticos. OUTRA IDEIA QUE LHES É INACEITÁVEL -e que constitui o próprio teor do discurso de posse- É A DE QUE A SOCIEDADE ABERTA É MELHOR DO QUE A FECHADA.
Quanto à direita, ninguém ignora que ela se define exatamente em oposição às ideias de mudança para melhor e de sociedade aberta. Já para a esquerda dogmática, a situação é um pouquinho mais complexa. O que ela é incapaz de admitir é que possa haver qualquer melhora real no mundo antes da superação do capitalismo, isto é, antes da "Revolução". Sendo assim, dado que qualquer mudança real no mundo existente – principalmente nos Estados Unidos, que são o ápice do capitalismo – desmentiria suas teses, não lhe resta senão crer que toda mudança e todo projeto de mudança que se apresente como tal seja um mero engodo. ASSIM LHE PARECE SER TAMBÉM A SOCIEDADE ABERTA, QUE ELA DESCARTA COMO "DEMOCRACIA BURGUESA".
[continua]
[3a parte]
Do mesmo modo, em sua postagem anterior, vc sustenta que:
"PARA O PENSAMENTO RACIONAL, CRÍTICO, FORMAL E NEGATIVO DE ESQUERDA, não só a comunidade compulsória da pré-modernidade representa uma prisão, em relação à qual à sociedade aberta da modernidade já representa uma emancipação, como esta contém potencialidades emancipatórias que ainda não se realizaram plenamente, e que podem e devem ser plenamente realizadas."
(Grifei)
Ocorre que, numa outra ocasião, vc afirmou:
"A desqualificação da tradição filosófica não poderia mesmo deixar de se acompanhar de uma desqualificação da razão, uma vez que essa tradição consistiu exatamente no desdobramento da razão ao ponto máximo de sua ambição. Em Deleuze, Foucault e Derrida, O IRRACIONALISMO DE ESQUERDA é ainda envergonhado e não ousa dizer o seu nome.
Mas hoje, com Alain Badiou, por exemplo, ele é descarado. Vitalista, voluntarista e fideísta, como convém a um irracionalista, Badiou, emulando o apóstolo Paulo, prefere os acontecimentos milagrosos à racionalidade, a verdade dogmática à argumentação, a fé à razão.
E, segundo seu camarada Slavoj Zizek, "a força incomparável do pensamento de Badiou supera de longe tudo o que se publicou na França nos últimos anos". Pobre França!"
(“Irracionalismo”, Folha de São Paulo, 15/05/2010. Grifei)
Ora, cotejando os textos acima, fica a impressão de que o seu modo de ver a esquerda é decorrente de uma mudança - legítima, é claro, mas recente - de opinião. Estou certo? Se sim, o que mudou para que vc tenha mudado?
Na entrevista de Caetano – com a qual vc concordou – ele diz textualmente que “desqualificar os direitos individuais, os direitos humanos propriamente ditos, é uma manobra conservadora profunda”. Baseado nessa sentença, vc concluiu que Zizek é conservador e, portanto, no fundo, de direita.
Ora, sendo assim, posso afirmar, sem medo de errar, que durante a Revolução Francesa, quando se anunciavam os direitos humanos, os jacobinos eram, no fundo, de direita. Posso afirmar ainda que Marx, com sua defesa do comunismo (palavra cognata de “comunidade”) e da ditadura do proletariado, era também, no fundo, de direita. Isso não lhe parece absurdo?
Mais ainda: não lhe parece que o seu conceito de esquerda, em razão do que acabei de afirmar, é aistórico? Vc não vê uma continuidade entre o jacobinismo, o marxismo, as experiências socialistas do século passado – algumas ainda em vigor – e os atuais defensores – pasme, eles ainda existem! – da “Revolução”?
Abraço
Aetano
Cicero,
Só mais uma observação: alguns comentários atrás vc diz:
"o que penso ser mais importante é a isonomia: ou se abole o casamento ou qualquer adulto SOLTEIRO tem o direito de se casar com qualquer outro adulto SOLTEIRO, independentemente do gênero."
(grifei)
Concordo, mas faria um pequeno - mas fundamental - reparo: defendo o direito à poligamia, de modo que retiraria a palavra "solteiro". E não se pense que esse comentário se deve aos recentes artigos de João Pereira Coutinho e Hélio Schwartsman, na Folha. Na verdade, a minha monografia para graduação em Direito tem como tema: "A inconstitucionalidade do princípio da monogamia". Nela defendo a constitucionalidade de famílias simultâneas mantidas por adultos, desde que haja: 1) consentimento das partes envolvidas e 2) publicidade, ou seja, que as relações não sejam clandestinas.
Parti do princípio - defendido pelo civilista alagoano Paulo Lôbo - de que os três tipos de famílias expressamente previstos na Constituição - família baseada no casamento, na união estável e a monoparental - não configuram "numerus clausus" (rol taxativo, fechado), mas sim "numerus apertus" (rol exemplificativo, aberto), vez que, por natureza, as regras de direito de família são acolhedoras e não excludentes.
Forte abraço!
Aetano
Caro Aetano,
Você afirma que, uma vez que eu penso, como Caetano, que desqualificar os direitos individuais, os direitos humanos propriamente ditos, é uma manobra conservadora profunda, de modo que Zizek, por exemplo, é, no fundo, um conservador profundo, segue-se que eu devo achar que os jacobinos eram de direita e que Marx era de direita; ou então que, se eu não acho isso, é porque não vejo uma continuidade entre o jacobinismo, o marxismo e as experiências socialistas do século passado. E você pensa que, sendo assim, meu conceito de esquerda é ahistórico.
Para mim, Aetano, ahistórico é o seu modo de pensar. Eu, como aliás, o próprio Marx, penso que “esquerda” e “direita” são – como aliás já antes indiquei aqui – noções contextuais. Isso quer dizer que o emprego correto dessas noções é relativo ao contexto histórico considerado.
Assim, como observei no comentário de 13 de maio:
“nos séculos XIX e XX, os marxistas pensavam que a plena realização das potencialidades [da modernidade] se dariam sob o comunismo. E pensavam que a maneira de chegar ao comunismo era uma revolução que tornasse possível, em primeiro lugar, a construção do socialismo através da ditadura do proletariado. Para conseguir isso em um só país ou em uns poucos países de cada vez, num mundo capitalista hostil, praticamente todos os meios lhes pareciam justificados. Assim, acabaram sendo produzidas sociedades tão fechadas e repressivas quanto as fascistas, produzidas pela extrema direita.
“Hoje, porém, depois das malfadadas experiências do socialismo real, a verdadeira esquerda é aquela que é capaz de reconhecer que sequer sabemos precisamente o que significaria construir o socialismo ou o comunismo (ver meu artigo de 2/5/2010, na Folha de São Paulo, “A ideologia marxista hoje” (http://antoniocicero.blogspot.com.br/2010/05/ideologia-marxista-hoje.html). A falência do “socialismo real” não significa, portanto, o fim da esquerda, mas a sua transformação. A verdadeira esquerda de hoje luta para tornar o mundo cada vez mais aberto, mais tolerante, mais receptivo à inovação, mais equitativo”.
Em suma, o que Marx, Lenin, Mao e os Marxistas pensavam era de esquerda na época deles. Contudo, pensar o mesmo hoje, depois que sabemos o resultado daquelas ideias, já não pode ser considerado de esquerda. Quem, sabendo tudo o que se sabe depois daquelas experiências, insiste em lutar para produzir uma ditadura fechada e repressiva não pode mais ser considerado de esquerda. E como poderia ser de esquerda quem, sabendo de tudo isso, como Badiou e Zizek, rejeite a crítica racional a tais ideias com exortações irracionalistas, chegando ao ponto de invocar os feitos e o pensamento do apóstolo Paulo?!?!?!?
O que eu disse de Marx e dos marxistas vale para os jacobinos. Eles erraram, mas seu erro pode ser entendido, dado o contexto (e dada a paranóia) em que viviam.
Abraço
Caro Cicero,
Compreendo que para vc o conceito de esquerda seja contextual, mas ainda não compreendi – e esse é o único motivo da minha insistência – qual a mudança de contexto que o leva a afirmar, hoje, algo diferente do que vc afirmava em 2009 e 2010.
Com efeito, hoje vc sustenta que a esquerda defende a RAZÃO. Todavia, em 15/05/2010, em artigo publicado na Folha de São Paulo, vc sustentava que:
“[...] Em Deleuze, Foucault e Derrida, O IRRACIONALISMO DE ESQUERDA é ainda envergonhado e não ousa dizer o seu nome.
Mas hoje, com Alain Badiou, por exemplo, ele [o irracionalismo de esquerda] é descarado. Vitalista, voluntarista e fideísta, como convém a um irracionalista, Badiou, emulando o apóstolo Paulo, prefere os acontecimentos milagrosos à racionalidade, a verdade dogmática à argumentação, a fé à razão.
E, segundo seu camarada Slavoj Zizek, "a força incomparável do pensamento de Badiou supera de longe tudo o que se publicou na França nos últimos anos".
(grifei)
No mesmo sentido:
“Há poucos meses, o papa Bento 16 anunciou que haviam sido encontrados os restos mortais do apóstolo Paulo.
Nesse ponto, Ratzinger estava atrasado. Em alguns CÍRCULOS DE ESQUERDA, esse apóstolo já havia sido ressuscitado fazia algum tempo. Basta lembrar o livro de ALAIN BADIOU, de 1997 ("São Paulo: a Fundação do Universalismo"), o de GIORGIO AGAMBEN, de 2000 ("O Tempo que Resta: Comentário à Carta aos Romanos"), a reedição, em 1993, do livro de Joseph Taubes ("A Teologia Política de Paulo") e as muitas páginas que SLAVOJ ZIZEK tem ultimamente dedicado a esse apóstolo (por exemplo, em "O Absoluto Frágil").
[...]”
(“A ressurreição do apóstolo Paulo”, publicado em 03/10/2009. Grifei)
[continua]
[2ª Parte]
Do mesmo modo, hoje vc afirma que à esquerda estão os defensores da sociedade aberta. Entretanto, em 24/01/2009, também na Folha, vc dizia que:
“As ideias de que o mundo mudou – que o próprio Obama não só afirma mas encarna – e de que devemos mudar com ele são, no fundo, as que mais irritam tanto os direitistas cínicos quanto os esquerdistas dogmáticos. OUTRA IDEIA QUE LHES É INACEITÁVEL -e que constitui o próprio teor do discurso de posse- É A DE QUE A SOCIEDADE ABERTA É MELHOR DO QUE A FECHADA.
Quanto à direita, ninguém ignora que ela se define exatamente em oposição às ideias de mudança para melhor e de sociedade aberta. Já para a esquerda dogmática, a situação é um pouquinho mais complexa. O que ela é incapaz de admitir é que possa haver qualquer melhora real no mundo antes da superação do capitalismo, isto é, antes da "Revolução". Sendo assim, dado que qualquer mudança real no mundo existente – principalmente nos Estados Unidos, que são o ápice do capitalismo – desmentiria suas teses, não lhe resta senão crer que toda mudança e todo projeto de mudança que se apresente como tal seja um mero engodo. ASSIM LHE PARECE SER TAMBÉM A SOCIEDADE ABERTA, QUE ELA DESCARTA COMO "DEMOCRACIA BURGUESA".
(Grifei)
Ora, como não vislumbrei nenhum fato histórico relevante de lá pra cá, pergunto, novamente: o que mudou para que vc tenha mudado?
Abraço
Aetano
[3a Parte]
P.S. Independentemente de quais sejam as razões dessa mudança - legítima - de opinião, eu prefiro - por ser mais complexo - o seu pensamento anterior, que pode ser conferido neste excelente artigo, de 2007:
http://antoniocicero.blogspot.com.br/2007/11/democracia-formal-ou-profunda.html
Forte abraço!
Aetano
AETANO: Compreendo que para vc o conceito de esquerda seja contextual, mas ainda não compreendi – e esse é o único motivo da minha insistência – qual a mudança de contexto que o leva a afirmar, hoje, algo diferente do que vc afirmava em 2009 e 2010.
EU: O que me leva a afirmar hoje algo diferente do que afirmava um ano atrás é o fato de que me dei conta de que era por mera inércia que continuávamos a considerar de “esquerda”:
(1) o pensamento que fora considerado de esquerda no passado, isto é, noutro contexto, mas que já cessara de sê-lo há algum tempo, como o leninismo, o maísmo, o castrismo; e
(2) o pensamento de alguém que se intitulasse “de esquerda”.
Penso hoje que esses tipos de pensamento devem ser considerados pseudo-esquerdistas e cripto-direitistas.
AETANO: Com efeito, hoje vc sustenta que a esquerda defende a RAZÃO.
Todavia, em 15/05/2010, em artigo publicado na Folha de São Paulo, vc sustentava que:
“[...] Em Deleuze, Foucault e Derrida, O IRRACIONALISMO DE ESQUERDA é ainda envergonhado e não ousa dizer o seu nome.
EU: O irracionalismo de esquerda era envergonhado porque já sabia, no fundo, que traía a esquerda, pois o irracionalismo é uma ideologia de direita.
AETANO: [Você dizia que] hoje, com Alain Badiou, por exemplo, ele [o irracionalismo de esquerda] é descarado. Vitalista, voluntarista e fideísta, como convém a um irracionalista, Badiou, emulando o apóstolo Paulo, prefere os acontecimentos milagrosos à racionalidade, a verdade dogmática à argumentação, a fé à razão.
EU: Tudo isso deixa claro que o “irracionalismo de esquerda” é tudo, menos de esquerda.
AETANO: “Há poucos meses, o papa Bento 16 anunciou que haviam sido encontrados os restos mortais do apóstolo Paulo. Nesse ponto, Ratzinger estava atrasado. Em alguns CÍRCULOS DE ESQUERDA, esse apóstolo já havia sido ressuscitado fazia algum tempo. Basta lembrar o livro de ALAIN BADIOU, de 1997 ("São Paulo: a Fundação do Universalismo"), o de GIORGIO AGAMBEN, de 2000 ("O Tempo que Resta: Comentário à Carta aos Romanos"), a reedição, em 1993, do livro de Joseph Taubes ("A Teologia Política de Paulo") e as muitas páginas que SLAVOJ ZIZEK tem ultimamente dedicado a esse apóstolo (por exemplo, em "O Absoluto Frágil").
[...]”
EU: Onde digo “Em alguns círculos de esquerda”, devia ter dito “Em alguns círculos SOI DISANT de esquerda”.
AETANO: Do mesmo modo, hoje vc afirma que à esquerda estão os defensores da sociedade aberta. Entretanto, em 24/01/2009, também na Folha, vc dizia que:
“As ideias de que o mundo mudou – que o próprio Obama não só afirma mas encarna – e de que devemos mudar com ele são, no fundo, as que mais irritam tanto os direitistas cínicos quanto os esquerdistas dogmáticos. OUTRA IDEIA QUE LHES É INACEITÁVEL -e que constitui o próprio teor do discurso de posse- É A DE QUE A SOCIEDADE ABERTA É MELHOR DO QUE A FECHADA.
EU: Onde digo “esquerdistas dogmáticos”, devia ter dito “pseudo-esquerdistas dogmáticos”.
AETANO: [Você dizia:] Quanto à direita, ninguém ignora que ela se define exatamente em oposição às ideias de mudança para melhor e de sociedade aberta. Já para a esquerda dogmática, a situação é um pouquinho mais complexa. O que ela é incapaz de admitir é que possa haver qualquer melhora real no mundo antes da superação do capitalismo, isto é, antes da "Revolução". Sendo assim, dado que qualquer mudança real no mundo existente – principalmente nos Estados Unidos, que são o ápice do capitalismo – desmentiria suas teses, não lhe resta senão crer que toda mudança e todo projeto de mudança que se apresente como tal seja um mero engodo. ASSIM LHE PARECE SER TAMBÉM A SOCIEDADE ABERTA, QUE ELA DESCARTA COMO "DEMOCRACIA BURGUESA".
EU: Hoje me parece claro que quem descarta a sociedade aberta, isto é, quem quer uma sociedade ou uma comunidade fechada é, independentemente de como se denomine, simplesmente de direita.
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