Retrato de uma dama
Conforme se anuncia,
encarnação aos poucos
palpável de insidiosos
perfumes que, epifânicos,
recendem numa síntese
de arquétipos a hormônios,
constata-se através de
seus olhos, cujo impacto
ensimesmado em sombra
e rímel põe os outros
de joelhos, toda a ausência
do acaso, quase audível
no intrínseco alvedrio
que a voz extrai não tanto
de si quanto da exímia
textura do batom,
também vísivel passo
a passo no descaso
com que do alto dos saltos
impõe-se em torno como
quem, cartesiana a ponto
de estipular a própria
beleza, ilustra o quanto
prescinde esta do inato,
pois, voluntariedade
premeditadamente
fundada no espontâneo
recurso ao artifício,
impera na voragem
cosmética o metódico
instinto envolto em nuvens
sutis de pó-de-arroz.
ASCHER, Nelson. O sonho da razão. Rio de Janeiro: 34 Letras, 1993.
24.4.10
Assinar:
Postar comentários (Atom)
9 comentários:
querido Cicero,
apenas para apontar um pequeno lapso: a data da publicação.
grande abraço,
Dado
ps. abri novo blog:
http://doisz.blogspot.com/
que maravilha!
o ascher é dos grandes poetas de hoje. faz uma poesia mau humorada -o humor brilhante de quem rabuja com arte e rigor -, de lirismo desidratado. nesse sentido, talvez seja o maior herdeiro de cabral, sem perder a originalidade.
suas poesias parecem escritas com nervos e tendões em lugar de palavras. a voz é "um voo de vísceras" (na expressão roubada à clarice), uma ave só tripas...
na primeira leitura fico meio perdido, por conta dos enjambements improváveis. mas na segunda ou terceira, voilà, torna-se claro o invejável "senso estrutural do artesão" (dylan thomas)a serviço de uma poética arguta e pessimista.
tbm sou poeta e vejo que esse cara ainda é bastante ignorado entre seus pares (tz em função de suas impopulares e impopulistas opiniões políticas, não sei... tz isso aconteça só aqui em ctba...). muitos já ouviram falar, mas não se interessam por conhecer sua obra.
abraço,
rodrigo.
Antonio,
Muito bom! Ascher é sempre uma maravilha!
p.s.: Sonho da Razão é de 1993 dez anos depois de Ponta da Língua... Está na nota como de 1933 ano em que Ascher nem era nascido!
Um poema recente:
"Meio Medusa"
Olho pra o espelho
E observo bem
O que me vem
Como reflexo:
O que eu não quero
Ver tão de perto.
Algum desejo
De pedra, de aço?
Algum mistério
Fictício? Fato
Vivo, verídico?
Que dessa vez
Mais me apavora?
Tua presença?
Tuas palavras?
Todo o meu ser
Agora se
Desfaz. Perdi
Minha cabeça...
O amor quer mais.
Beijos,
Cecile.
Dado,
qual é a data correta?
Abraço,
ACicero
Só você para postar essas preciosidades! O Ascher é fora de série!
Beijo carinhoso,
Priscila.
olá, antonio, sou admirador de tua obra, venho acompanhando o blog há algum tempo e estou lendo "finalidades sem fim". muito bom. esclarecedor.
apresento-me aqui para manter contato contigo e pra deixar o endereço de um de meus blogs, ok?
www.cazzoradiotube.blogspot.com
grande abraço.
Antonio, acabei de redescobri-lo. Leio-o sempre por aí, mas não havia feito a associação de você contigo mesmo. Obrigado de um aspirante da poesia.
Ah, que maravilha encontrar esse poema! Há um tempão que procuro. Adorei saber que você tem um blog, assim como adorei o nome,pois é a minha canção favorita de Marina.
Um forte abraço,
Cecília.
Obrigado, Cecília! Fico feliz. Seja bem-vinda!
Forte abraço!
Postar um comentário