O seguinte artigo meu foi publicado hoje em O Globo:
Tzvetan Todorov libertou a literatura dos asfixiantes jogos formais
Conheci
pessoalmente Tzvetan Todorov em 1995, quando, convidado por mim e pelo poeta
Waly Salomão, ele participou de um ciclo de conferências que organizamos em São
Paulo. Desde então, reencontrei-o várias vezes em Paris, e trouxe-o ao Rio em
2011, para participar do ciclo de conferências “Forma e sentido contemporâneo:
Poesia”, que organizei no centro cultural Oi Futuro Flamengo.
Era uma
delícia conversar com Todorov, pois ele foi um dos intelectuais mais abertos a
novas ideias e menos dogmáticos que conheci. Penso que isso talvez se devesse
ao fato de que ele tinha intimamente conhecido o totalitarismo e sido vítima do
dogmatismo. Foi certamente por isso que ele combateu, cada vez mais, aqueles
que considerava os “inimigos íntimos” da democracia, como o populismo, o
ultraliberalismo e o messianismo.
Mas é
interessante como esse seu horror ao totalitarismo e ao dogmatismo já fica bem
claro quando examinamos a evolução, ao longo de sua vida, de sua relação com a
literatura.
Todorov
nasceu em Sófia, na Bulgária, em 1939. Pelo menos desde 1946, isto é, quando ele
tinha sete anos, a Bulgária passou a fazer parte dos países da Cortina de
Ferro.
O controle político e ideológico do Partido Comunista sobre toda a
sociedade ficou então sendo total. Todorov conta que, quando entrou para a
Universidade de Sófia para estudar letras, em 1956, apenas metade do que se
ensinava nos cursos de literatura era erudição; a outra metade não passava de
propaganda ideológica marxista-leninista.
Ao final do
quinto ano de universidade, era necessário redigir uma monografia de fim de
curso. Para fazê-lo sem se curvar à ideologia dominante, Todorov resolveu
“abordar a própria materialidade do texto, suas formas linguísticas”, como ele
mesmo veio a explicar muito mais tarde, em seu extraordinário livro “A
literatura em perigo”.
Em 1963,
tendo terminado seu Mestrado em Filologia pela Universidade de Sófia, ele
emigrou para a França, onde estudou com Roland Barthes. Em 1965, Todorov
organizou o livro “Teoria da literatura”, compilação de obras que revelou à
França e, de maneira geral, ao Ocidente, a existência de uma notável escola de
análise literária russa, cujos expoentes ficaram célebres como os “formalistas
russos”. A partir de então, publicando obras como “Literatura e significação”,
ele ficou conhecido como semiólogo e estruturalista.
Entretanto,
vivendo na França, país que respeitava as liberdades individuais, de modo que o
conteúdo das obras, isto é, o pensamento e os valores que elas continham não se
encontravam mais “aprisionados numa coleira ideológica preestabelecida”,
Todorov verificou que não tinha mais razão para se dedicar exclusivamente ao
estudo da matéria verbal dos textos.
Ele pôde
então considerar a totalidade forma/conteúdo de cada obra literária e criticar
a tendência – produzida, em parte, exatamente pelas modas estruturalistas a
que ele próprio fora associado – a reduzir os estudos literários aos métodos
linguísticos e estilísticos, deixando de lado a compreensão geral dos textos e
de suas relações com o mundo.
Para
Todorov, todos os métodos são bons, desde que não se tornem o fim, mas apenas o
meio de captar a verdade da obra. O sentido da literatura é ampliar nosso
universo, apresentando-nos novas maneiras de apreender o mundo.
Assim, diz ele, em
“A literatura em perigo”, que devemos “libertar a literatura do espartilho
asfixiante em que está presa, feito de jogos formais, queixas niilistas e
‘umbiguismo’ solipsista. Isso poderia, por sua vez, levar a crítica a percorrer
horizontes mais amplos, retirando-a do
gueto formalista que interessa apenas a outras críticas, proporcionando a ela a
abertura para o grande debate de ideias do qual participa todo conhecimento do
homem”.