29.2.16

Odylo Costa, filho: "Diálogo"




Diálogo

Um homem chegou e disse:
— A mim interessa sobretudo o porquê das coisas.
Por que a cobra?
Mas outro respondeu:
— A mim ainda mais interessa o para quê.
Para que o mar?



COSTA filho, Odylo. "Diálogo". In:_____. "Arca da aliança". In:_____. Poesia completa. Org. por Virgílio Costa. Rio de Janeiro: Aeroplano / Fundação Biblioteca Nacional, 2010

27.2.16

João Rasteiro: "Ciclos completos"




Ciclos completos

A Al Berto

Entretanto
é Primavera de novo
e crescem os hortos
no que foi um vasto campo vermelho
de batalhas abençoadas.

Um espaço consagrado fora do mundo.

Entretanto
é Verão de novo
e acende-se a carne
no que foi um profundo corpo negro
de guerras amaldiçoadas.

Qualquer coisa diferente de viver.

Entretanto
é poema de novo
e morrem as palavras
no que foi um imenso desejo branco
de saber apenas morrer.

O silêncio, um silêncio em suas escoras.



RASTEIRO, João. "Ciclos completos". In:_____. O Búzio de Istambul. Coimbra: Palimage, 2008.

26.2.16

Alex Varella: "Cuidado com o vão"


























VARELLA, Alex. "Cuidado com o vão". Obra exposta no Oi Futuro Ipanema, em 2015.

Ver Facebook da Revista Raimundo: https://www.facebook.com/revistaraimundo/photos/a.652140248195066.1073741828.652109981531426/974552982620456/?type=3&theater 

22.2.16

João Bandeira: "o sol"

É do poeta João Bandeira o seguinte poema do livro Quem quando queira, que estará sendo lançado amanhã, a partir das 19h30, na Livraria da Travessa de Ipanema. Na mesma ocasião, a escritora Noemi Jaffe estará lançando seu Livro dos começos. Na ocasião, eu (Antonio Cicero) e Laura Erber leremos trechos dos dois livros. 



o sol
saindo
agora
acende
janelas
amarelo
no edifício
em frente
alguém já
vem mas
passou



toda noite
uma luz
pisca
lá do
outro
lado
vermelho
bem no
fundo
da baía
bate
na memória
pulso
devagar
como se
ainda



BANDEIRA, João. "o sol". In:_____. Quem quando queira. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

20.2.16

Jules Laforgue: "Locutions des Pierrots XII" / "Locuções do Pierrot XII": trad. de Régis Bonvicino




Locuções do Pierrot XII

Mais outro livro ; ó nostalgias
Longe de todo este gentio,
Do tal dinheiro e do elogio,
Bem longe das fraseologias!

De novo um dos meus pierrots morto;
Daquele crônico orfelismo,
Coração pleno de dandismo
Lunar em um estranho corpo.

Nossos deuses se vão; sem cura,
Os dias, de mal a pior,
Já fiz o meu tempo. É melhor
Sim, entregar-se à Sinecura!



Locutions des Pierrots, XII

Encore un livre ; ô nostalgies
Loin de ces très-goujates gens,
Loin des saluts et des argents,
Loin de nos phraséologies !

Encore un de mes pierrots mort ;
Mort d'un chronique orphelinisme ;
C'était un coeur plein de dandysme
Lunaire, en un drôle de corps.

Les dieux s'en vont ; plus que des hures
Ah ! ça devient tous les jours pis ;
J'ai fait mon temps, je déguerpis
Vers l'Inclusive Sinécure !




LAFORGUE, Jules. "Locutions des Pierrots XII" / "Locuções do Pierrot XII". Trad. Régis Bonvicino. In:_____. Litanias da lua. Org. e trad. de Régis Bonvicino. São Paulo: Iluminuras, 1989.

18.2.16

Fernando Abreu: "Mestre sala dos ares"




Mestre sala dos ares

quando não escrevendo nada
ser mais poeta do que nunca
todo antenas poros sentidos
ser que se trespassa de tambores
a palavra antes da palavra



ABREU, Fernando. "Mestre sala dos ares". In:_____. Manual de pintura rupestre. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2015.

17.2.16

Lançamento no Rio de Janeiro de livros de Noemi Jaffe e João Badeira


Os livros Quem Quando Queira, do poeta e artista visual João Bandeira, e Livro dos Começos, da escritora Noemi Jaffe, serão lançados no próximo dia 23 de fevereiro, terça-feira, a partir das 19h30 horas, na Livraria da Travessa Ipanema, Rua Visconde de Pirajá, 572.

Além de autografarem seus livros, os autores conversarão sobre seus trabalhos e lerão poemas e outros textos dos livros, acompanhados de dois convidados, o poeta e filósofo Antonio Cicero e a escritora e artista visual Laura Erber.  



Clique, para ampliar:

16.2.16

Nelson Ascher: "Exegi monumentum"




Exegi monumentum

Ergui pra mim, mais alto
que o Empire State Building, menos
biodegradável mesmo
que o urânio, um monumento

que, à chuva ácida ileso
e imune à inversão térmica,
não tem turnover nem
sairá de moda nunca.

Não morrerei de todo:
cinqüenta ou mais por cento
de meu ego hão de incólumes
furtar-se à obsolescência

programada e hei de estar
no Quem É Quem enquanto
Hollywood dê seus Oscars
anuais ou supermodels

desfilem mudas pelas
mil e uma passarelas.
Onde transborda infecto
nosso Tietê, nas várzeas

garoentas sempre cujos
quatrocentões votavam
antanho em Jânio Quadros,
lembrar-se-ão de que fui

quem adaptou primeiro
em Sampa, ao berimbau
tropicalista, Horácio.
Credita-me tais méritos

e põe durante este ano
fiscal, Academia
Sueca, em minha conta
a grana do Nobel.



ASCHER, Nelson. "Exegi monumentum". In:_____. Parte alguma: poesia (1997-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

14.2.16

Augusto de Campos: "Contemporâneos (Mallarmé)"

Hoje, comemorando o 85º aniversário do grande poeta Augusto de Campos, postamos aqui um poema de seu mais recente livro:
























CAMPOS, Augusto de. "Contemporâneos (Mallarmé)". In:_____. Outro. São Paulo: Perspectiva, 2015.




13.2.16

Manuel Bandeira: "Satélite"




Satélite

Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite.

Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e enamorados,
Mas tão somente
Satélite.

Ah! Lua deste fim de tarde,
Desmissionária de atribuições românticas;
Sem show para as disponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia,
gosto de ti, assim:
Coisa em si,
– Satélite.



BANDEIRA, Manuel. "Satélite". In:_____. "Estrela da Tarde". In:_____. Poesia completa e prosa em um volume. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967.

11.2.16

"Quando você é Negro, você é Negro"



Um querido amigo encontrou na Internet um poema anônimo, com a informação de que havia sido "escrito por um homem negro do Texas, dotado de soberbo senso de humor". Estranhamente, o poema estava escrito em francês. Traduzi-o para português. Clique nas seguintes páginas, para ampliá-las:




9.2.16

Gerard Manley Hopkins: "Repeat that, repeat" / "Ecoa isso, ecoa": trad. Augusto de Campos





Ecoa isso, ecoa

Ecoa isso, ecoa,
Cuco, ave, abre as fontes-ouvidos, coração-nascentes, suavemente
          voa
Num revôo, um rebôo, uma canção
De troncos trincados e buracos do chão, oco oco oco chão:
Toda a paisagem nasce de súbito a um som.





Repeat that, repeat

Repeat that, repeat,
Cuckoo, bird, and open ear wells, heart-springs, delightfully sweet,
With a ballad, with a ballad, a rebound
Off trundled timber and scoops of the hillside ground, hollow hollow
          hollow ground:
The whole landscape flushes on a sudden at a sound.




HOPKINS, Gerard Manley. "Repeat that, repeat" / "Ecoa isso, ecoa". Trad. de Augusto de Campos. In:_____. CAMPOS, Augusto de. Hopkins: a beleza difícil. São Paulo: Perspectiva, 1997.

6.2.16

Jorge de Sena: "Suma Teológica"





Suma Teológica

Não vim de longe, meu amor, nem sossobraram
navios no alto mar, quando nasci.

Nada mudou. Continuaram as guerras;
continuou a subir o preço do pão;
continuaram os poetas, uma vez por outra,
a perguntar por ti.

É certo que, então, imensa gente
envelheceu instantânea e misteriosamente.

Mas até isso, meu amor, se não sabe ainda
se foi por minha causa,
se por causa de outros que terão nascido
ao mesmo tempo que eu.




SENA, Jorge de. "Suma Teológica". In:_____. Coroa da terra. Porto: Lello & Irmão, 1946

3.2.16

André Luiz Pinto: "Prazer, esse sou eu"




Prazer, esse sou eu
filho de doméstica
numa época em que
patrões cismavam
em chamar de filhas
as mucamas. Eu
criado numa mansão
da Barra, obrigado a amar
patrões como avós
sem direito de herança.
Uma coisa aprendi:
a ler livros e a me irritar
com facilidade – lá, onde
o sinal está vermelho
e sempre acabo errando
a baliza – onde ninguém
divide nada, quando
até quem te chamou de sobrinho
diz um dia: a casa é nossa
deves partir. Tá bom, disse.
Só me dá duas semanas”



PINTO, André Luiz. "Prazer, esse sou eu". In:_____. Mas valia. Rio de Janeiro: Megamini, 2016.

2.2.16

Geraldo Carneiro: "poesia épica"




poesia épica

às vezes, inimigo de mim mesmo,
lanço-me às feras, queimo meus navios,
declaro guerra a Troia ou a Cartago,
e acabo sempre por amor vencido



CARNEIRO, Geraldo. "poesia épica". In:_____. Subúrbios da galáxia: antologia poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.