29.4.18
Marco Lucchesi: "Camões"
Camões
mais
belo
sol
quando
te
pões
nos rubros
mares
de Camões
LUCCHESI, Marco. "Camões". In:_____. Clio. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014.
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Poema
27.4.18
Giuseppe Ungaretti: "Agonia": Trad. de Geraldo Holanda Cavalcanti
Agonia
Morrer como as calhandras sedentas
na miragem
Ou como a codorniz
cruzado o mar
sobre as primeiras moitas
porque já não tem ânimo
de voar
Mas não viver se queixando
como um pintassilgo cego
Agonia
Morire come le allodole assetate
sul miraggio
O come la quaglia
passato il mare
nei primi cespugli
perché di volare
non ha più voglia
Ma non vivere di lamento
come un cardellino accecato
UNGARETTI, Giuseppe. "Agonia". In:_____. Poemas. Trad. de Geraldo Holanda Cavalcanti. São Paulo: USP, 2017.
25.4.18
Frank O'Hara: "My heart" / "Meu coração": trad. de Beatriz Bastos e Paulo Henriques Britto
Meu coração
Não vou chorar o tempo todo
nem hei de rir o tempo todo,
não prefiro uma “tendência” a outra.
Prefiro o imediatismo de um filme ruim,
não só os filmes b, mas também
a superprodução espetacular. Quero ser
ao menos tão vital quanto o vulgar. E se
um aficionado de minha bagunça exclamar “Isso
não parece coisa do Frank!”, que bom! Não
uso ternos azuis e marrons o tempo todo,
não é? Não. Às vezes vou à Ópera com a roupa
de trabalho. Quero meus pés descalços,
o meu rosto barbeado, e o meu coração —
ninguém manda no coração, mas
o melhor dele, a minha poesia, está aberta.
My heart
I'm not going to cry all the time
nor shall I laugh all the time,
I don't prefer one "strain" to another.
I'd have the immediacy of a bad movie,
not just a sleeper, but also the big,
overproduced first-run kind. I want to be
at least as alive as the vulgar. And if
some aficionado of my mess says "That's
not like Frank!", all to the good! I
don't wear brown and gray suits all the time,
do I? No. I wear workshirts to the opera,
often. I want my feet to be bare,
I want my face to be shaven, and my heart—
you can't plan on the heart, but
the better part of it, my poetry, is open.
O'HARA, Frank. "My heart" / "Meu coração". In:_____. Meu coração está no bolso. Trad. de Beatriz Bastos e Paulo Henriques Britto. São Paulo: Luna Parque, 2017.
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Poema
23.4.18
Cecília Meireles: "Timidez"
Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve. . .
— mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes..
— palavra que eu não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
— que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
— e um dia me acabarei.
MEIRELES, Cecília. "Timidez". In: GULLAR, Ferreira (org.). O prazer do poema: Uma antologia pessoal. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.
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Poema
21.4.18
Aleksandr Blok: "Do ciclo 'Dança da morte'": trad. de Augusto de Campos
Do ciclo Dança da morte
Noite. Fanal. Rua. Farmácia.
Uma luz estúpida e baça.
Ainda que vivas outra vida,
Tudo é igual. Não há saída.
Morres – e tudo recomeça,
E se repete a mesma peça:
Noite – rugas de gelo no canal.
Farmácia. Rua. Fanal.
BLOK, Aleksandr. "Do ciclo Dança da morte". Trad. de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; SCHNAIDERMAN, Boris (organizadores e tradutores). Poesia russa moderna. São Paulo: Perspectiva, 2012.
18.4.18
Vinícius de Moraes: "Soneto do Café Lamas"
Soneto do Café Lamas
No Largo do Machado a pedida era o "Lamas"
Para uma boa média e uma "canoa" torrada
E onde a noite cumpria ir tomar umas brahmas
E apanhar uma zinha ou entrar numa porrada.
Bebendo, na tenção de putas e madamas
Batidas de limão até de madrugada
Difícil era prever se o epílogo das tramas
Seria algum michê ou alguma garrafada.
E em meio a cafetões concertando tramóias
Estudantes de porre e mulatas bonitas
Sem saber se ir dormir ou ir na Lili das Jóias
Ordenar, a cavalo, um bom filé com fritas
E ao romper da manhã, não tendo mais aonde
Morrer de solidão no reboque de um bonde.
MORAES, Vinícius. "Soneto do Café Lamas". In: GIL, Daniel. A poesia esparsa de Vinícius de Moraes. Uma leitura de inéditos e (des)conhecidos. São Paulo: Todas as Musas, 2018.
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15.4.18
Luís Miguel Nava: "A fome"
A fome
Aqui, onde a mão não
alcança o interruptor da vida, aqui
só brilha a solidão.
Desfazem-se as lembranças contra os vidros.
Aqui, onde a brancura
dum lenço é a brancura do infortúnio,
aqui a solidão
não brilha, apenas
se estorce.
A fome fala através das feridas.
NAVA, Luís Miguel. "A fome". In:_____. Vulcão. Lisboa: Quetzal, 1994.
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Poema
12.4.18
Wisława Szymborska: "Opinião sobre a pornografia": trad. de Regina Przybycien
Opinião sobre a pornografia
Não há devassidão maior que o pensamento.
Essa diabrura prolifera como erva daninha
num canteiro demarcado para margaridas.
Para aqueles que pensam nada é sagrado.
O topete de chamar as coisas pelos nomes,
a dissolução da análise, a impudicícia da síntese,
a perseguição selvagem e debochada dos fatos nus,
o tatear indecente de temas delicados,
a desova das ideias – é disso que eles gostam.
À luz do dia ou na escuridão da noite
se juntam aos pares, triângulos e círculos.
Pouco importa ali o sexo e a idade dos parceiros.
Seus olhos brilham, as faces queimam.
Um amigo desvirtua o outro.
Filhas depravadas degeneram o pai.
O irmão leva a irmã mais nova para o mau caminho.
Preferem o sabor de outros frutos
da árvore proibida do conhecimento
do que os traseiros rosados das revistas ilustradas,
toda essa pornografia na verdade simplória.
Os livros que os divertem não têm figuras.
A única variedade são certas frases
marcadas com a unha ou com o lápis.
É chocante em que posições,
com que escandalosa simplicidade
um intelecto emprenha o outro!
Tais posições nem o Kamasutra conhece.
Durante esses encontros só o chá ferve.
As pessoas sentam nas cadeiras, movem os lábios.
Cada qual coloca sua própria perna uma sobre a outra.
Dessa maneira um pé toca o chão,
o outro balança livremente no ar.
Só de vez em quando alguém se levanta,
se aproxima da janela
e pela fresta da cortina
espia a rua.
SZYMBORSKA, Wisława. "Opinião sobre a pornografia". In:_____. Poemas. Trad. de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
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10.4.18
Sophia de Mello Breyner Andresen: "As ondas quebravam uma a uma"
As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. "As ondas quebravam uma a uma". In:_____. Coral e outros poemas. Org. por Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
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7.4.18
Paul Celan: "Der uns die Stunden zählte" / "Aquele que nos contava as horas": trad. João Barrento e Y.K. Centeno
Aquele que nos contava as horas
Aquele que nos contava as horas
continua a contar.
Que estará ele a contar, diz?
Conta e torna a contar.
Não faz mais frio,
nem mais noite,
nem mais húmido.
Só aquilo que nos ajudava a escutar
agora escuta
para si sozinho.
Der uns die Stunden zählte
Der uns die Stunde zählte,
er zählt weiter.
Was mag er zählen, sag?
Er zählt und zählt.
Nicht kühler wirds,
nicht nächtiger,
nicht feuchter.
Nur was uns lauschen half:
es lauscht nun
für sich allein.
CELAN, Paul. "Der uns die Stunden zählte" / "Aquele que nos contava as horas". In:_____. Sete rosas mais tarde. Antologia poética. Org. e trad.: João Barrento e Y.K. Centeno. Lisboa: Cotovia, 1996.
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5.4.18
Antonio Carlos Secchin: "Caetano Veloso: Londres e São Paulo"
Assistam à gravação da belíssima palestra do acadêmico Antonio Carlos Secchin, intitulada "Caetano Veloso: Londres e São Paulo", pronunciada na terça-feira passada, na ABL, como parte do ciclo de conferências "As cidades dos poetas":
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3.4.18
Armando Freitas Filho: "Da casa dos três dígitos"
100
Da casa dos três dígitos
não saio mais. Trinco.
Dia após dia de prisão
na cidade em carne viva.
Entre em si para sempre:
tendo de seu, apenas, o bodum
ranzinza do corpo
que vai se resignando
a não perseguir o inominável
nem a se persignar.
FREITAS FILHO, Armando. “100: Da casa dos três dígitos”. In:_____. Lar. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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Poema
1.4.18
Sophia de Mello Breyner Andresen: "Ausentes são os deuses"
Ausentes são os deuses mas presidem.
Nós habitamos nessa
Transparência ambígua.
Seu pensamento emerge quando tudo
De súbito se torna
Solenemente exacto.
O seu olhar ensina o nosso olhar:
Nossa atenção ao mundo
É o culto que pedem.
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. "Ausentes são os deuses". In:_____. "Homenagem a Ricardo Reis". In:_____. Dual. Porto: Assírio & Avim, 2014.
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