2
Tive tão dura existência.
Tão alma de não lembrar.
Seguro de que tal ciência
nem serve de carregar.
Pesa demais a leveza:
o canto não morrerá.
NEJAR, Carlos, "2", in Canções (Rio de Janeiro: Garamond, 2007).
BLOG DE ANTONIO CICERO: poesia, arte, filosofia, crítica, literatura, política
2
Tive tão dura existência.
Tão alma de não lembrar.
Seguro de que tal ciência
nem serve de carregar.
Pesa demais a leveza:
o canto não morrerá.
NEJAR, Carlos, "2", in Canções (Rio de Janeiro: Garamond, 2007).
Ah mundo
vasto
que se devasta
e se condensa
de sonho
a sonho
Lucchesi, Marco, "Ah mundo", in Antologias ABL POESIA. Idealização e apresentação de Ana Maria Machado; organização de Domício Proença Filho e Marco Lucches (Rio de Janeiro, 2013).
L'Ennemi
Ma jeunesse ne fut qu’un ténébreux orage,
Traversé çà et là par de brillants soleils ;
Le tonnerre et la pluie ont
fait un tel ravage,
Qu’il reste en mon jardin bien peu de fruits vermeils.
Voilà que j’ai touché l’automne des idées,
Et qu’il faut employer la
pelle et les râteaux
Pour rassembler à neuf les terres inondées,
Où l’eau creuse des trous
grands comme des tombeaux.
Et qui sait si les fleurs nouvelles que je rêve
Trouveront dans ce sol lavé
comme une grève
Le mystique aliment qui ferait leur vigueur ?
– Ô douleur ! ô
douleur ! Le Temps mange la vie,
Et l’obscur Ennemi qui nous ronge le cœur
Du sang que nous perdons croît et se fortifie !
O inimigo
A juventude não foi mais que um temporal,
Aqui e ali por sóis ardentes trespassado;
As chuvas e os trovões causaram dano tal
Que em meu pomar não resta um fruto sazonado.
Eis que alcancei o outono de meu pensamento,
E agora o ancinho e a pá se fazem necessáros
Para outra vez compor o solo lamacento,
Onde profundas covas se abrem como ossários.
E quem sabe se as flores que meu sonho ensaia
Não achem nessa gleba aguada como praia
O místico alimento que as fará radiosas?
Ó dor! O Tempo faz da vida uma carniça,
E o sombrio Inimigo que nos rói as rosas
No sangue que perdemos se enraíza e viça!
BAUDELAIRE,
Charles: "L'ennemi" / "O inimigo", in As flores do
mal. Trad. de Ivan Junqueira (Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira,
1985).
Com o tempo a sabedoria
Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;
Ao longo dos enganadores dias da mocidade,
Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores;
Agora posso murchar no coração da verdade.
The coming of wisdom with time
Though leaves are many, the root is one;
Through all the lying days of my youth
I swayed my leaves and flowers in the sun;
Now I may wither into the truth.
YEATS, W.B. "The coming of wisdom with time" / "Com o tempo a sabedoria". In: Uma antologia. Trad. de BAPTISTA, José Agostinho (Lisboa: Assírio & Alvim, 2010).
O grito
Estou acorrentado a este penhasco
logo eu que roubei o fogo dos céus.
Há muito tempo sei que este penhasco
não existe, como tampouco há um deus
a me punir, mas sigo acorrentado.
Aguardam-me amplos caminhos no mar
e urbes formigantes a engendrar
cruzamentos febris e inopinados.
Artur diz "claro" e recomenda um amigo
que parcela pacotes de excursões.
Abutres devoram-me as decisões
e uma ponta do fígado mas digo
E daí? Dia desses com um só grito
eu estraçalho todos os grilhões
CICERO, Antonio. "O grito". In: A cidade e os livros (Rio de Janeiro e São Paulo: Editora Record, 2002).
CONVITE
No dia 5 de julho, quarta-feira. às
16h, na ACADEMIA CARIOCA
DE LETRAS, à Rua Teixera de
Freitas, 5, sala 306, Antonio
Carlos Secchin (Professor,
Poeta, Ensaísta, Acadêmico da
ACL e da ABL) fará a palestra
Bibliofilia: a novidade
permanente dos livros antigos,
com a apresentação do Acadêmico
Alcmeno Bastos.