31.1.16
Eucanaã Ferraz: "Aqueles"
Aqueles
Acreditavam que era possível fazer a beleza.
Acreditavam na beleza e no fazer.
Resolveram emendar o que restava
partido
entre humanos e o divino.
Diziam deuses diziam natureza disseram espada
mas era só a beleza o que sentiam.
Trocavam o bem pelo belo.
Perderam-se de tudo e aqui
estamos.
FERRAZ, Eucanaã. "Aqueles". In:_____. Trenitalia. Rio de Janeiro: Megamini, 2016
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Poema
28.1.16
Antonio Cicero: "Inverno" / "L'Hiver": trad. de François Olègue
Hoje tive a grata surpresa de ver uma letra de música minha, Inverno -- que compus para uma melodia de Adriana Calcanhotto -- traduzida para o francês por François Olègue. Ei-la:
CICERO, Antonio. “Inverno” / “L’hiver”. In OLÈGUE, François. “Antipodes poétiques (3) - poètes brésiliens traduits par François Olègue”. RAL,M. Revue d’art et de littérature, musique, http://www.lechasseurabstrait.com/revue/spip.php?article11675, 17/01/2016.
L'Hiver
à Susana Morais
Le jour où mon bonheur battait son plein,
je vis un avion,
réfléchi dans ton regard, qui s’envolait.
Et depuis lors… sait-on ?
On se promène le long du canal
et l’on écrit de longues lettres sans dessein,
tandis que l’hiver au Leblon
est presque glacial.
J’ai quelque chose encore à comprendre : où
précisément j’abandonnai, ce jour-là, ce lion
que je montais toujours ?
J’oubliai, par ailleurs, que le sort
ne m’acceptait que seul,
privé de toute amarre, exempt de tout remords ;
un bateau ivre qui dérive
sens dessus dessous.
Mais un je ne sais quoi
rappelle insistant
que pour nous deux la terre se joignit aux cieux,
juste un instant,
à l’heure où s’éteignait, là-bas à l’occident, le jour.
CICERO, Antonio. “Inverno” / “L’hiver”. In OLÈGUE, François. “Antipodes poétiques (3) - poètes brésiliens traduits par François Olègue”. RAL,M. Revue d’art et de littérature, musique, http://www.lechasseurabstrait.com/revue/spip.php?article11675, 17/01/2016.
Inverno
a Susana Moraes
No dia em que
fui mais feliz
eu vi um
avião
se espelhar
no seu olhar até sumir
de lá pra cá
não sei
caminho ao
longo do canal
faço longas
cartas pra ninguém
e o inverno
no Leblon é quase glacial.
Há algo que
jamais se esclareceu:
onde foi
exatamente que larguei
naquele dia
mesmo o leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo
esqueci
que o destino
sempre me
quis só
no deserto
sem saudades, sem remorsos, só,
sem amarras,
barco embriagado ao mar
Não sei o que
em mim
só quer me
lembrar
que um dia o
céu
reuniu-se à
terra um instante por nós dois
pouco antes
do ocidente se assombrar.
CICERO, Antonio. "Inverno". In:_____. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996.
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Tradução
26.1.16
José Almino: "Não vem, não passa"
Não vem, não passa
Não passa.
Tão morna,
dissolve
na boca
fica o travo,
fiapo no
dente
onde a
língua solta pega,
mas não
liberta.
Como é
mesmo o nome?
Da rua, do
amigo, da mulher?
Que
acidente me trouxe aqui
ao fim da
idade que passa?
E o nome
mesmo?
Perdido na
dor lombar
na calçada
estreita,
no suor que
empapa a camisa.
O nome,
qual é?
Ali
sentados, estou a vê-los,
anchos da
vida.
Qual é
mesmo?
Não
adianta.
Não vem,
não passa.
ALMINO, José. "Não vem, não passa".
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Poema
24.1.16
Palestra de Antonio Cicero no curso "Poesia e Filosofia"
Amanhã, às 11h, farei, na Livraria da Travessa do Leblon, a minha palestra, como parte do curso da Estação das Letras "Poesia e Filosofia". As informações sobre esse curso encontram-se aqui.
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Marco Lucchesi: "Diferencial"
Diferencial
uma tela de números vertiginosa
insubmissa e que não cede
ao horizonte exacerbado de silêncio
Centelha que esplandece
aos olhos do futuro
E tudo que não diz
é como se dissesse
[Nota do autor:
Diferencial
Sobre a ambiciosa dromologia do cálculo.]
LUCCHESI, Marco. "Diferencial". In:_____. Hinos matemáticos. Rio de Janeiro: Dragão, 2015.
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Poema
22.1.16
Mário Faustino: "Soneto"
Soneto
Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler
À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.
Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso
Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.
FAUSTINO, Mário. "Soneto". In:_____. Poesia de Mário Faustino. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
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Poema
20.1.16
Luís Miguel Nava: "Abismos"
Abismos
Entre estes meus amigos através
de cujos corações arde o horizonte e a ponte
da qual o seu sorriso era um dos arcos
abriram-se os abismos.
NAVA, Luís Miguel. "Abismos". In:_____. Poesia completa 1979-1994. Org. de Gastão Cruz. Lisboa: Dom Quixote, 2002.
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Poema
17.1.16
Matthew Rohrer: "Poem" / "Poema": trad. de Sylvio Fraga
Poema
Você ligou, está no ônibus, no domingo,
acabei de tomar banho e espero você
chegar. Nuvens vêm deslizando do mar,
mas o quarto é delicadamente aceso pela camisa
verde que você me deu. Tenho praticado
uma nova forma de dizer oi e é fantástica.
Você estava tão triste: tchau: eu estava tão triste.
Todas as lojas estavam fechadas mas o céu
era alto e azul. Fui dar uma volta para ver se passava,
mas devo ter andado na direção errada.
Poem
You called, you’re on the train, on Sunday,
I have just taken a shower and await
you. Clouds are slipping in off the ocean,
but the room is gently lit by the green
shirt you gave me. I have been practicing
a new way to say hello and it is fantastic.
You were so sad: goodbye. I was so sad.
All the shops were closed but the sky
was high and blue. I tried to walk it off
but I must have walked in the wrong direction.
ROHRER, Matthew. "Poem" / "Poema". In: FRAGA, Sylvio. O andar ao lado. Três novos poetas norte-americanos. Matthew Rohrer, Jon Woodward, Matthew Zapruder. Seleção e tradução de Sylvio Fraga. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.
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15.1.16
Cassiano Ricardo: "Percurso"
Percurso
O arco-íris,
o urso.
Meus dois sustos
iniciais.
Mas o tempo
ponte que cresceu
entre mim e eu.
E por onde vim.
No enterro
de cada minuto,
pergunto:
quem morreu
em mim?
O arco-íris?
O urso?
RICARDO, Cassiano. "Percurso". In:_____. Jeremias sem-chorar. Rio de Janeiro: José Olympio, 1964.
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Poema
14.1.16
Encontros sobre Poesia e Filosofia
Em cada uma das próximas três segunda-feiras,
dias 18 e 25 do
corrente e 1º de fevereiro, terá
lugar, na Estação das Letras, um encontro
sobre Poesia e Filosofia.
Eu, Antonio Cicero, orientarei o segundo
encontro, intitulado
"Filosofia & Poesia:
correlações e divórcios".
Percebo, entre
muitos ensaístas e alguns
poetas contemporâneos, uma vontade de
apagar as fronteiras entre a poesia e a
filosofia e de escrever textos que sejam
simultaneamente as duas coisas, ou que
passem imperceptivelmente de uma para
a outra. Considero isso um erro,
prejudicial a ambas. Para prová-lo,
tentarei mostrar o que é ou deve ser, por
um lado, a poesia e, por outro lado, a
filosofia.
Para quem quiser participar, acham-se
abaixo as coordenadas
práticas que dizem
respeito a esses encontros:
Três encontros sobre Filosofia e Poesia com três grandes
mestres que irão pensar os distintos papéis que estas formas
de pensamento e criação assumem no terreno artístico e
conceitual. Quem são o poeta e o filósofo? Como apreendem
o mundo e de que forma essa apreensão se manifesta? Que
limites ilimitados existem entre um e outro modo de estudar
a realidade? Onde se encontram, onde se separam, onde
se complementam?
18/01 – Da condenação da poesia à invenção da
filosofia
por
Maria Cristina
FrancoFerraz
25/01 – Filosofia & Poesia: correlações e divórcios por
25/01 – Filosofia & Poesia: correlações e divórcios por
Antônio
Cícero
01/02 – Poesia e Filosofia: mito, poética e pensamento
01/02 – Poesia e Filosofia: mito, poética e pensamento
por Manuel Antônio de Castro
Das
11h às 13h (segundas-feiras) | Carga horária: 6h
2x R$ 200,00
Tx. de matrícula: R$ 50,00
Tx. de matrícula: R$ 50,00
Estação das Letras
Rua Marquês de Abrantes, 177 - Lojas 107/108
:: Flamengo
Rio De Janeiro, RJ
22230-060
Brazil
Telefone: (21) 3237-3947
13.1.16
Jean Genet: trecho de "Diário de um ladrão" / "Journal du voleur": trad. de Jacqueline Laurence e Roberto Lacerda
Beau mâle, Michaelis m'avoue qu'il était fier des regards d'admiration que lui portent les hommes plus que de ceux des femmes.
– Je crâne davantage.
– Pourtant tu n'aimes pas les hommes.
– Ça ne fait rien. Je suis heureux de les voir baver d'envie devant ma belle gueule. C'est pour ça que je suis gentil avec eux.
GENET, Jean. Journal du voleur. Paris: Gallimard, 1949.
Macho bonito, Michaelis me confessa que sentia mais orgulho dos olhares admiradores que os homens lhe dedicam que dos das mulheres.
– Eu fico mais besta.
– Mas você não gosta de homens.
– Não faz mal. Fico feliz quando os vejo babando de inveja diante da minha bela estampa. É por isso que sou bonzinho com eles.
– Eu fico mais besta.
– Mas você não gosta de homens.
– Não faz mal. Fico feliz quando os vejo babando de inveja diante da minha bela estampa. É por isso que sou bonzinho com eles.
GENET, Jean. Diário de um ladrão. Tradução de Jacqueline Laurence e Roberto Lacerda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
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12.1.16
11.1.16
Carlos Nejar: "Canção da vazante estrela"
Canção da vazante estrela
Apenas, irmãos, eu morro
no inchar da maré vazante.
Porque nasci muito antes,
nasci quando o horizonte.
Ouro passei pelo fogo,
fogo passei pelo sonho.
eu qualquer coisa podia,
até tocar as estrelas.
Mas talvez por desperdício,
sem me acabar, sou indício.
Vou conseguir escrevê-las.
NEJAR, Carlos. "Canção da vazante estrela". In:_____. Canções. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
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7.1.16
Antonio Cicero: "Poema"
Poema
Segredo não é, conquanto oculto;
mas onde oculto, se o manifesta
cada verso seu, cada vocábulo,
cada sílaba, cada fonema?
CICERO, Antonio. "Poema". In:_____. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2012.
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4.1.16
Paul Éluard sobre o outro mundo
Declaração de Paul Éluard sobre o outro mundo:
Certamente há outro mundo, mas ele se encontra neste aqui.
Il y a assurément un autre monde, mais il est dans celui-ci.
ÉLUARD, Paul. Oeuvres complètes. Paris: Gallimard, 1968, vol.I.
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2.1.16
Waly Salomão: "Dona de castelo"
Dona de castelo
amor perfeito
amor quase perfeito
amor de perdição paixão que cobre
todo o meu pobre peito pela vida afora
vou-me embora embromadora
você para mim agora
passa como jogadora
sem graça nem surpresa
diga que perdi a cabeça
se eu me levantar da mesa e partir
antes do final do jogo
louco seria prosseguir essa partida
peça falsa que se enraíza
e faz negro todo meu desejo pela vida afora
vou-me embora, embromadora
e quando eu saltar de banda
e quanto eu saltar de lado
vou desabar seu castelo de cartas marcadas
e tramas variadas
SIM
seu castelo de baralho vai se desmanchar
desmantelado
decifrado
sobre o borralho da sarjeta
CHEGOU O INVERNO
letra musicada por Jards Macalé
SALOMÃO, Waly. "Dona de castelo". In:_____. Gigolô de bibelôs. São Paulo: Brasiliense, 1983.
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