29.6.11
José Lino Grünewald: "Soneto burocrático"
Soneto burocrático
Salvo melhor juízo doravante,
Dessarte, data vênia, por suposto,
Por outro lado, maximé, isso posto,
Todavia deveras, não obstante
Pelo presente, atenciosamente,
Pede deferimento sobretudo,
Nestes termos, quiçá, aliás, contudo
Cordialmente alhures entrementes
Sub-roga ao alvedrio ou outrossim
Amiúde nesse ínterim, senão
Mediante qual mormente, oxalá quão
Via de regra te-lo-ão enfim
Ipso facto outorgado, mas porém
Vem substabelecido assim, amém.
GRÜNEWALD, José Lino. "Soneto burocrático". In: O Carioca. Revista de arte e cultura, nº 3, Rio de Janeiro, setembro-outubro de 1996.
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Poema
26.6.11
Ferreira Gullar: "Instituição e rebeldia"
O seguinte -- excelente -- artigo de Ferreira Gullar foi publicado na sua coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, no domingo, 12 de junho.
Instituição e rebeldia
TODOS CONCORDAM que é muito difícil definir o que é arte. Não obstante, se refletimos sobre o que conhecemos e consideramos expressão artística, verificamos que, em que pese a enorme variedade de estilos e concepções, há ali um traço comum que nos permite englobá-la numa mesma definição: é arte. Houve épocas em que era quase impossível fazê-lo de modo amplo, uma vez que a conceituação estreita reduzia a expressão artística a princípios e normas, fora das quais a arte seria impossível.
Foi precisamente o abandono dessas regras que tornou possível a visão abrangente que caracterizou a crítica de arte do século 20, capaz de compreender as mais diversas manifestações artísticas, desde as pinturas parietais do paleolítico até a limpidez da estatuária grega, o delírio barroco e a poética revolucionária do cubismo, do expressionismo, do dadaísmo.
Um dos traços mais característicos dessa visão nova da arte era a valorização do fator expressivo e autônomo das formas em detrimento da representação do real: compreendeu-se que, mais que copiar a realidade, a arte a recria e a inventa.
Mas o impulso irreverente, que movia os artistas do começo do século 20, ultrapassou não apenas a concepção acadêmica como pôs em questão o próprio conceito de arte.
Quem levou essa atitude a seu ponto extremo foi Marcel Duchamp, ao afirmar: "Será arte tudo o que eu disser que é arte". Essa afirmação, tomada ao pé da letra, significa que nada é arte, ou seja, que o fazer artístico não tem qualquer sentido.
Mas nem ele próprio acreditava nisso, tanto que suas obras mais importantes -"O Grande Vidro" (1915-1923) e "Étant Donnés" (1946-1966)- demandaram-lhe muitos anos de trabalho e criatividade.
De qualquer modo, não foi esse lado de sua personalidade que influiu sobre futuras gerações de artísticas, e sim aquele outro lado, o da antiarte. De uma maneira ou de outra, o que se chama hoje de arte conceitual ou arte contemporânea parte do princípio duchampiano de que tudo é arte ou pode ser dado como tal. Noutras palavras, todos os valores -sejam teóricos, artesanais ou estéticos- que serviam para esse tipo de expressão tornaram-se dispensáveis.
Isso não é uma crítica, apenas uma constatação. Qualquer que seja a importância que se atribua a esta ou aquela obra dita "contemporânea" -casais nus no MoMA, por exemplo- não possui aquelas referidas qualidades que constituem as obras de arte: casais nus que se exponham num museu não foram feitos por nenhum artista nem por ninguém. São apenas algo que se mostra como uma expressão, um conceito, qualquer que seja ele -enfim uma "boa ideia". Em face dessa constatação é inevitável concluir que tais manifestações estão fora do campo da arte.
No entanto, esses casais nus foram mostrados no Museu de Arte Moderna de Nova York, um dos mais conceituados museus do mundo. Como se explica isso?
A primeira resposta que me ocorre é que, no campo das artes plásticas, o conceito de obra de arte, como produto do trabalho e fruto de uma linguagem elaborada pelo artista, já não vale.
Entre os que conceituam, gerem ou decidem sobre o que merece ou não ser exibido e destacado, o que vale é, em vez da obra, o questionamento do que se chama de arte e do próprio museu ou certames nacionais e internacionais, criados para expor obras de arte. Agora, esses espaços tornaram-se locais onde se "nega" a arte.
A palavra "nega" está aí entre aspas porque não é agora uma negação contestadora de fato. Já foi, quando Duchamp expôs o seu famoso urinol, intitulado "Fontaine". Agora, instituição e rebeldia se identificam e uma redime a outra. O museu, as bienais, são hoje locais onde a não arte -seja urinol ou casais nus- vira arte.
Trata-se, de fato, de um impasse: a rebeldia que necessita da instituição para ser rebelde é a negação da rebeldia. Não por acaso, o artista escolhido para representar o Brasil na Bienal de Veneza, este ano, se declara contra salões, premiações e a própria Bienal onde vai expor.
Claro, porque, se se mostrar contente de expor ali, deixará de ser rebelde e, como sua obra é a não obra, tudo o que lhe resta é o espaço institucional, onde ela é aceita como rebeldia. Fora de lá, não é.
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23.6.11
Octávio Mora: "Ulisses"
Ulisses
Porque volvió sin regresar Ulises
M. A. Asturias
Ulisses em Ítaca, vivo ausente
Talvez seja resíduo da viagem,
mas é tão pouco minha esta paisagem
que só posso estar longe desta gente:
Se foi minha, cortaram-na tão rente
que a memória mudou toda a folhagem –
falávamos idêntica linguagem –
Falo agora linguagem diferente:
Vivo em Ítaca ausente: minha fronte
alargou-se, meus olhos são maiores,
e na memória trago outros países:
Contudo, já foi meu este horizonte,
já fui jovem aqui : olho arredores,
E vejo Ítaca ao longe, sem raízes.
MORA, Octávio. Ausência viva. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1956.
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Poema
20.6.11
Lau Siqueira: "bizarro"
bizarro
olhar
ecoado
no espelho
os dias passam
sem que a vida
devolva nenhum
dos pedaços
SIQUEIRA, Lau. Poesia sem pele. Porto Alegre: Casa Verde, 2011.
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Poema
18.6.11
António Gedeão: "Máquina do mundo"
Máquina do mundo
O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá lo e tê lo, erguê lo e defrontá lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo
GEDEÃO,António. "Máquina de fogo". Obra completa. Lisboa: Relógio D'Água, 2006.
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Poema
15.6.11
Charles Baudelaire: "L'invitation au voyage" / "O convite à viagem": trad. de Ivan Junqueira
L’invitation au voyage
Mon enfant, ma soeur,
Songe à la douceur
D'aller là-bas vivre ensemble!
Aimer à loisir,
Aimer et mourir
Au pays qui te ressemble!
Les soleils mouillés
De ces ciels brouillés
Pour mon esprit ont les charmes
Si mystérieux
De tes traîtres yeux,
Brillant à travers leurs larmes.
Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.
Des meubles luisants,
Polis par les ans,
Décoreraient notre chambre;
Les plus rares fleurs
Mêlant leurs odeurs
Aux vagues senteurs de l'ambre,
Les riches plafonds,
Les miroirs profonds,
La splendeur orientale,
Tout y parlerait
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.
Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.
Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseaux
Dont l'humeur est vagabonde;
C'est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu'ils viennent du bout du monde.
— Les soleils couchants
Revêtent les champs,
Les canaux, la ville entière,
D'hyacinthe et d'or;
Le monde s'endort
Dans une chaude lumière.
Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.
O convite à viagem
Minha doce irmã,
Pensa na manhã
Em que iremos, numa viagem,
Amar a valer,
Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
Os sóis orvalhados
Desses céus nublados
Para mim guardam o encanto
Misterioso e cruel
De teu olho infiel
Brilhando através do pranto.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Os móveis polidos,
Pelos tempos idos,
Decorariam o ambiente;
As mais raras flores
Misturando odores
A um âmbar fluido e envolvente,
Tetos inauditos,
Cristais infinitos,
Toda uma pompa oriental,
Tudo aí à alma
Falaria em calma
Seu doce idioma natal.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Vê sobre os canais
Dormir junto aos cais
Barcos de humor vagabundo;
É para atender
Teu menor prazer
Que eles vêm do fim do mundo.
- Os sangüíneos poentes
Banham as vertentes,
Os canis, toda a cidade,
E em seu ouro os tece;
O mundo adormece
Na tépida luz que o invade.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Edição bilingue. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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Poema
12.6.11
Paul Eluard: "Liberté" / "Liberdade: trad. de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade
Liberdade*
Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome
Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome
Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome
Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome
Nas maravilhas das noites
No pão branco de cada dia
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome
Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome
Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome
Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome
Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome
Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome
Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome
Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome
No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome
Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome
No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome
Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome
Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome
Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome
Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome
Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome
E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar
Liberdade
Liberté
Sur mes cahiers d'écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable de neige
J'écris ton nom
Sur les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom
Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom
Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom
Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom
Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom
Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom
Sur chaque bouffée d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom
Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom
Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom
Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom
Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes maisons réunies
J'écris ton nom
Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom
Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom
Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom
Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom
Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attendries
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom
Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom
Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom
Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom
Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté
* O primeiro título desse poema foi "Une seule pensée", isto é, "Um único pensamento", título empregado por Bandeira e Drummond em sua tradução. Alguns anos depois, o próprio Éluard alterou esse título para "Liberté", isto é, "Liberdade".
ÉLUARD, Paul. Poésies et vérités. Paris: Ed. de Minuit, 1942.
ÉLUARD, Paul. "Um único pensamento". Tradução de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de poetas franceses. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950.
11.6.11
9.6.11
Guillaume Apollinaire: "La jolie rousse" / "A linda ruiva": trad. de Antonio Cicero
A linda ruiva
Eis-me diante de todos um homem cheio de senso
Conhecendo da vida e da morte o que um vivo pode conhecer
Tendo provado as dores e as alegrias do amor
Tendo sido capaz vez por outra de impor suas idéias
Sabendo várias línguas
Tendo viajado não pouco
Tendo visto a guerra na Artilharia e na Infantaria
Ferido na cabeça trepanado com clorofórmio
Tendo perdido seus melhores amigos na luta pavorosa
Conheço do antigo e do novo tanto quanto um homem só poderia saber de ambos
E sem hoje preocupar-me com essa guerra
Entre nós e para nós meus amigos
Julgo essa longa querela da tradição e da invenção
Da Ordem e da Aventura
Vós, cuja boca é feita à imagem da de Deus
Boca que é a própria ordem
Sede indulgentes quando nos comparades
Com aqueles que foram a perfeição da ordem
Nós que em toda a parte buscamos a aventura
Não somos vossos inimigos
Queremos dar-vos vastos e estranhos domínios
Onde o mistério em flores se oferece a quem o quiser colher
Lá existem fogos novos de cores jamais vistas
Mil fantasmas impoderáveis
Aos quais é preciso dar realidade
Queremos explorar a bondade país enorme onde tudo se cala
Há também o tempo que se pode expulsar ou mandar retornar
Piedade de nós que combatemos sempre nas fronteiras
Do ilimitado e do futuro
Piedade de nossos erros piedade de nossos pecados
Eis que retorna o verão a estação violenta
E minha juventude morreu como a primavera
Oh sol chegou o tempo da Razão ardente
E espero
Para segui-la sempre a forma nobre e suave
Que ela assume para que eu a ame unicamente
Ela vem e me atrai como um ferro o íman
Ela tem o aspecto adorável
De uma adorável ruiva
Seus cabelos são de ouro dir-se-iam
Um belo relâmpago que durasse
Ou essas chamas que pavoneiam
Nas rosas-chá que murcham
Mas ride ride de mim
Homens de toda parte sobretudo gente daqui
Pois há tantas coisas que não ouso contar-vos
Tantas coisas que não me deixaríeis dizer
Tende piedade de mim.
La Jolie rousse
Me voici devant tous un homme plein de sens
Connaissant la vie et de la mort ce qu'un vivant peut connaître
Ayant éprouvé les douleurs et les joies de l'amour
Ayant su quelquefois imposer ses idées
Connaissant plusieurs langages
Ayant pas mal voyagé
Ayant vu la guerre dans l'Artillerie et l'Infanterie
Blessé à la tête trépané sous le chloroforme
Ayant perdu ses meilleurs amis dans l'effroyable lutte
Je sais d'ancien et de nouveau autant qu'un homme seul
Pourrait des deux savoir
Et sans m'inquiéter aujourd'hui de cette guerre
Entre nous et pour nous mes amis
Je juge cette longue querelle de la tradition et de l'invention
De l'Ordre de l'Aventure
Vous dont la bouche est faite à l'image de celle de Dieu
Bouche qui est l'ordre même
Soyez indulgents quand vous nous comparez
A ceux qui furent la perfection de l'ordre
Nous qui quêtons partout l'aventure
Nous ne sommes pas vos ennemis
Nous voulons nous donner de vastes et d'étranges domaines
Où le mystère en fleurs s’offre à qui veut le cueillir.
Il y a là des feux nouveaux des couleurs jamais vues
Mille phantasmes impondérables
Auxquels il faut donner de la réalité
Nous voulons explorer la bonté contrée énorme où tout se tait
Il y a aussi le temps qu'on peut chasser ou faire revenir
Pitié pour nous qui combattons toujours aux frontières
De l'ilimité et de l'avenir
Pitié pour nos erreurs pitié pour nos péchés
Voici que vient l'été la saison violente
Et ma jeunesse est morte ainsi que le printemps
O Soleil c'est le temps de la raison ardente
Et j'attends
Pour la suivre toujours la forme noble et douce
Qu'elle prend afin que je l'aime seulement
Elle vient et m'attire ainsi qu'un fer l'aimant
Elle a l'aspect charmant
D'une adorable rousse
Ses cheveux sont d'or on dirait
Un bel éclair qui durerait
Ou ces flammes qui se pavanent
Dans les roses-thé qui se fanent
Mais riez riez de moi
Hommes de partout surtout gens d'ici
Car il y a tant de choses que je n'ose vous dire
Tant de choses que vous ne me laisseriez pas dire
Ayez pitié de moi
APOLLINAIRE, Guillaume. Calligrammes. Poèmes de la paix et de la guerre. Gallimard, 1925.
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Poema
8.6.11
Cioran: de "Silogismos da amargura"
O Inferno -- tão exato como um atestado.
O Purgatório -- falso como toda alusão ao Céu.
O Paraíso -- mostruário de ficções e de insipidezes...
A trilogia de Dante constitui a mais alta reabilitação do diabo empreendida por um cristão.
CIORAN, E.M. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2011.
5.6.11
Antonio Cicero: A poesia como liberdade e experiência do ser
O seguinte artigo, em que apresento o ciclo de conferências Forma e Sentido: Poesia, que terá lugar no espaço do Oi Futuro do Flamengo, no Rio de Janeiro, e será inaugurado na próxima 3ª feira, com conferência de Tzvetan Todorov, foi publicado ontem, sábado, no suplemento "Prosa e Verso", de O Globo. O leitor encontrará informações detalhadas sobre esse ciclo de conferências no seguinte endereço: http://www.formaesentido.com.br
A poesia como liberdade e experiência do ser
Curador de ciclo de palestras sobre o tema, Antonio Cicero, afirma que inutilidade do poema o torna indispensável
Vivemos numa época que – com a Internet, os computadores, os celulares, os tablets etc. – experimenta o desenvolvimento de uma tecnologia que tem, entre outras coisas, o sentido manifesto de acelerar tanto a comunicação entre as pessoas quanto a aquisição, o processamento e a produção de informação. Seria, portanto, de esperar que, podendo fazer mais rapidamente o que fazíamos outrora, tivéssemos hoje à nossa disposição mais tempo livre. Ora, ocorre exatamente o oposto: quase todo o mundo se queixa de não ter mais tempo para nada. Na verdade, o tempo livre parece ter encolhido muito.
Acontece que, de maneira geral, a fruição de um poema exige mais tempo livre do que a fruição de obras pertencentes a outros gêneros artísticos. Não precisamos nos concentrar numa canção ou numa pintura ou numa escultura ou na arquitetura de um prédio para que elas nos deleitem. Podemos apreciá-las en passant. Não é assim com um poema escrito. Quem lê um poema como se fosse um artigo, um ensaio ou um e-mail, por exemplo, não é capaz de fruí-lo. Para apreciar um poema é necessário dedicar-lhe tempo.
O fato é que, numa época em que todos se queixam de falta de tempo, é evidente que sobram argumentos para aqueles que pretendem não haver mais, na nossa época, lugar para a poesia. E não são poucos os que hoje afirmam que a poesia ficou para trás: que foi superada pelos joguinhos eletrônicos, por exemplo.
Pois bem, penso o contrário. É exatamente nesta época de aceleração desembestada que a poesia mais se faz desejável. Por que? Porque o que me parece inteiramente indesejável é a aceitação passiva da inevitabilidade do encolhimento do nosso tempo livre.
A verdade é que, se praticamente não temos mais tempo livre, isso ocorre porque praticamente todo o nosso tempo – mesmo aquele que se pretende livre – está preso. Preso a quê? Ao princípio do trabalho, ou melhor – inclusive, evidentemente nos tais joguinhos eletrônicos –, do desempenho. Não estamos livres quase nunca porque nos encontramos numa cadeia utilitária em que parece que o sentido de todas as coisas e pessoas que se encontram no mundo, o sentido inclusive de nós mesmos, é sermos instrumentais para outras coisas e pessoas.
Nessas circunstâncias, nada e ninguém jamais vale por si, mas apenas como um meio para outra coisa ou pessoa que, por sua vez, também funciona como meio para ainda outra coisa ou pessoa, e assim ad infinitum. Pode-se dizer que participamos de uma espécie de linha de montagem em moto contínuo e vicioso, na qual se enquadram as próprias “diversões” que se nos apresentam imediatamente.
Em tal situação, parece-me que uma das poucas ocasiões em que conseguimos romper a cadeia utilitária cotidiana é quando, concedendo a um poema a concentração por ele solicitada, permitimos que ele “esbanje” o nosso tempo. Configura-se então um tempo livre, isto é, um tempo que já não se encontra determinado pelo princípio do desempenho. Afinal, a rigor, o poema não serve para nada. Ou bem a leitura de um poema recompensa a si própria, isto é, vale por si, ou bem ela não vale absolutamente nada.
É nesse tempo livre que nos deleitamos em flanar pelas linhas dos poemas que mereçam uma leitura ao mesmo tempo vagarosa e ligeira, reflexiva e intuitiva, auscultativa e conotativa, prospectiva e retrospectiva, linear e não-linear, imanente e transcendente, imaginativa e precisa, intelectual e sensual, ingênua e informada. E, para tanto, deixamos que em nosso pensamento interajam e brinquem uns com os outros todos os recursos de que dispomos: razão, intelecto, experiência, emoção, sensibilidade, sensualidade, intuição, senso de humor, memória, cultura, crítica etc. Desse modo, a leitura de poesia proporciona uma apreensão alternativa – e poderosa – do próprio ser.
Em todo caso, foram semelhantes reflexões sobre o sentido da poesia no mundo contemporâneo que me motivaram a conceber uma série de palestras proferidas por alguns dos teóricos e/ou poetas que tenham pensado de modo profundo e original sobre essa questão.
3.6.11
Murilo Mendes: Anti-Elegia nº 2
Murilo Mendes: Anti-Elegia nº 2
Olho para tudo
Com o olhar ambíguo
De quem vai se despedir do mundo
Eis a última curva o último filme
Eis o último gole d’água a última mulher
Eis o último fox-blue
Já estou sentindo
As violetas crescerem sobre mim.
MENDES, Murilo. "Os quatro elementos". In:_____Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
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Poema
2.6.11
Sobre a cantora Marina Lima
O seguinte texto, escrito por mim sobre minha irmã, Marina Lima, que está lançando um novo disco, foi publicado na quarta-feira, 1 de junho, na "Ilustrada", da Folha de São Paulo.
Arte de Marina Lima funciona como um espelho mágico
Marina é da raça das cantoras que, ao invés de interpretar as canções que cantam, fazem-se interpretar por elas. Mas não se trata simplesmente de que as canções nos revelem a psicologia da mulher que canta. As cantoras a que me refiro fazem da sua voz a intersecção da fala e do canto, da vida e da arte, do singular e do universal.
Como diz o compositor Luiz Tatit, "a voz que canta prenuncia, para além de um certo corpo vivo, [...] um corpo imortalizado em sua extensão timbrística".
A música de Marina, é, por um lado, um gesto intensamente pessoal e, por isso, precário e arriscado; mas é, por outro lado, um voo perfeccionista e impaciente com todas as vicissitudes demasiadamente humanas.
Em virtude da primeira característica, identificamo-nos com ela, mas, em virtude da segunda, a admiramos. No entanto, separá-las é ato de abstração, pois elas são indissociáveis. O todo, a arte de Marina, funciona como um espelho mágico, que nos devolve não a imagem da nossa realidade física ou psicológica, mas a força de sentimentos maravilhosos e obscuros e de promessas de felicidade há muito dormentes em nosso coração.
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