28.10.23





É com imenso prazer que publico aqui o belíssmo poema que o grande Acadêmico Arnaldo Niskier me presenteou no dia do meu aniversário, 6 de outubro:







Você é um belo poeta

Ao qual se liga a fidalguia

E há também um lado esteta

Além da figura esguia.
















22.9.23

Adriano Espínola: "Mergulho nos mares cor de vinho"




MERGULHO NOS MARES COR DE VINHO

                                                                                              Adriano Espínola

 

Antonio Cícero ostenta uma das trajetórias intelectuais e artísticas mais singulares da cultura e literatura brasileiras contemporâneas. Isso se deve, a meu ver, à desenvoltura com que transita por diversos gêneros, aparentemente antagônicos, com igual competência e brilho. Letrista e compositor de sucesso, em parceria sobretudo com a irmã, a cantora Marina; filósofo, autor de importantes livros na área (O mundo desde o fim, Finalidades sem fim e Filosofia e poesia); crítico literário (A poesia e a crítica) e sobretudo poeta, autor de algumas obras (Guardar, A cidade e os livros e Porventura) que o colocam como um dos melhores fazedores da atualidade.

            Em Antonio Cícero, o letrista popular, o pensador refinado, o crítico sensível e o poeta inventivo dialogam e se complementam a todo instante. Como é isso possível? Arrisco afirmar que, por seu temperamento, vocação e formação, representaria ele, entre nós, a versão talvez mais próxima do homem grego clássico, isto é, do homem de espírito ático, para quem a oralidade do aedo, a escrita do rapsodo, a reflexão do sábio (sophós), o conhecedor dos mitos (mythoi) e o cultor do discurso (epos)não fazem diferença, não fora ainda o fato de que lê e traduz com grande maestria o idioma grego.

            Mas o que nos interessa aqui é destacar a produção do poeta, na qual tais qualidades podem muito bem ser observadas. Tomemos, por exemplo, seu mais recente livro, Porventura (2017).

            O volume reúne 35 poemas curtos, de teor lírico, com exceção de “Amazonas”, de andamento épico (“Não queira, Silviano, que eu cante a selva”), composto de 60 versos, em que o poeta mistura referências locais, pessoais a episódios e personagens da mitologia grega. A erudição do autor, entretanto, não pesa na feitura deste e de outros poemas. Ao contrário: uma certa leveza, não isenta de ironia, perpassa o conjunto das peças. 

Acompanhando essa leveza e o uso de uma linguagem distensa, podemos, no entanto, surpreender reflexões mais agudas, ora de raiz heraclitiana (“[enfrento] um só problema:/ ao menos no meu poema/ agarrar o passageiro”), ora epicurista (“Por que não me deitar sobre este/gramado, se o consente o tempo,/ e há um cheiro de flores e verde?”), ora platônica (“É certo que me perco em sombras/e que, isolado em minha ilha, já não me atingem as notícias”), para nada dizer das derivadas do filósofo Empédocles (“O amor seria fogo ou ar/ em movimento, chama ao vento”).

Um dos aspectos particularmente atrativos desta poesia reside no hábil entrelaçamento de feitos míticos do passado aos fatos e vivências do agora, como neste passo, em que o autor nos fala dos

                        (...) crimes, imitações da vida

                        ou da morte televisiva,

                        quadrilhas, teias penelópicas

                        de horrores ou de maravilhas

                        que dia a dia se desfiam

                        e fiam sem princípio ou fim (...) (p. 43)

                       

-com explícita referência à personagem Penélope, mulher de Ulisses, e à tessitura ardilosa e sempre recomeçada em sua tela de fiação (aqui da televisão). Neste mesmo texto (“O livro de sombras de Luciano Figueiredo”), o poeta se vale de outro personagem mítico e da imagem do labirinto de Teseu, no início e fim do poema (p. 43-45), a sugerir deste modo a circularidade inescapável do ser, entre uma ponta e outra da existência:

                        Para onde vou, de onde vim?

                        Não sei se me acho ou me extravio.

                        Ariadne não fia o seu fio

                        à frente, mas atrás de mim.

 

Noutro poema, ao se ver como um “poeta marginal” (p. 15), atualiza, não sem certa ironia crítica, expressões ainda hoje correntes, oriundas da cultura grega:

                        Lerei poemas na esquina,

                        darei presentes de grego;

                        a cochilar com Homero,

                        farei negócios da China.

 

O estilo aliciante dos textos encontra-se igualmente na musicalidade das palavras, como se percebe nos versos acima. O ritmo, as assonâncias, aliterações e rimas (toantes, soantes, atenuadas, imperfeitas ou ampliadas) surgem a cada momento na configuração dos poemas, compondo uma textura de todo eufônica, a lembrar o letrista ou o aedo habilidoso na feitura da sua canção (aoidê).

Essa destreza musical faz com que o poeta engrene outra associação persuasiva, ao fundir linguagem coloquial a certas formas canônicas, que passa pelo verso medido e chega ao soneto, habilmente construído num só bloco, como acontece em “Diamante” e “Presente”, por exemplo. Notável também a fluidez do discurso, ao lado de enjambements, cortes e elipses, marcados por uma oralidade de base a um só tempo denotativa e sugestiva. Precisa e elegante. Todas essas qualidades se entremostram, por exemplo, no poema “Palavras aladas” (p. 29):

 

                        Os juramentos que nos juramos

                        entrelaçados naquela cama

                        seriam traídos, se lembrados

                        hoje. Eram palavras aladas

                        e faladas não para ficar

                        mas, encantadas, voar. Faziam

                        parte das carícias que por lá

                        sopramos: brisas afrodisíacas

                        ao pé do ouvido, jamais contratos.

                        Esqueçamo-las, pois, dentre os atos

                        da língua, houve outros mais convincentes

                        e ardentes sobre os lençóis. Que esses

                        em futuras noites, em vislumbres

                        de lembranças, sempre nos deslumbrem.

 

Esse tom coloquial volta-se quase sempre para fatos aparentemente banais do cotidiano. Entretanto, o autor sabe deles extrair lição mais funda, tal como se verifica no poema “Meio-fio”, em que a simples ida a um cinema em Copacabana resulta, após um pequeno acidente de carro, na percepção de que

 

da Avenida

Atlântica, a maresia,

cio marinho, alicia

para outras eras da vida.       (p. 37)

 

O mesmo também ocorre no texto “La Capricciosa” (p. 55), quando o jantar prazeroso em uma pizzaria, com a cidade a sonhar ao lado, “tranquila e cintilante”, é subitamente desfeito, em decorrência de uma chamada do celular em que alguém dá notícia pesarosa (a morte do irmão do escritor, a quem o poema é dedicado). O nome da pizza (Capricciosa) passa aqui a caracterizar a própria morte, “[que] também tem arte”. 

Já no poema “Na praia” (p. 61), o eu lírico lembra antigos encontros com amigos “dentro d’água”, “[voando] nas ondas trans-/parentes, deslizantes, do azul/ mais profundo”. Com o desaparecimento de alguns deles e a dispersão de outros, o autor consola-se na maturidade ao mergulhar não mais naquelas águas “transparentes” e azuis da juventude, mas, sim, nas águas opacas e inebriantes da poesia, ao retomar a mesma imagem que o personagem Heitor, na Ilíada, vê as ondas do Mediterrâneo. Com isso, Antonio Cícero reitera a sua condição de poeta que sabe ser continuador de Homero e contíguo a ele:

 

                        (...). Já não procuro

                        o azul. Os mares em que mergulho

                        são os homéricos, cor de vinho.

                       

                                                           (In: O cego e o trapezista. Recife: CEPE, 2022).

 Espinola, Adriano: "Mergulho nos maresa cor de vinho", in O cego e o trapezista (Recife: CEPE, 2022).

 

 


15.9.23

Eugénio de Andrade: "Rumor do mundo"

 



Rumor do mundo


As palavras, vício 

torpe, antigo. 

As últimas? As primeiras? 

Como os ouriços 

abrem-se ao rumor do mundo:

o sol ainda verde dos limões, 

os esquilos 

doutras tardes, o latido 

da chuva nas janelas, 

os velhos em redor do lume 

— nunca foram tão belas.



Andrade, Eugénio, "Rumor do mundo", in Poemas de Eugénio de Andrade: seleção, estudo e notas de Arnaldo Saraiva (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1999). 

13.9.23

Diego Mendes Sousa: "INDAGA[DOR]

 



ΙNDAGA[DOR]

 

 

 

O poeta é um ser humano,

que paga tributos e preços venais,

vive em sociedade,

precisa comer e beber,

revolta-se com o alto custo das coisas.

 

Ama e odeia.

 

Despreza o comezinho e o ritual visível.

Estima o invisível e, sobretudo, o invulgar.

Tem fé e esperança. Conhece a burocracia

e as ruínas do alumbramento.

 

Pensa que a sua terra é um ninho místico.

 

Às vezes é incoerente, outras vezes lúcido.

 

Vota, participa da comunhão política

e sabe das limitações.

Investe no conhecimento

com medo do precário.

 

A Poesia é uma Oração

e o poeta,

um Santo!

 

Faz milagres,

ajuda o seu povo

disperso e surdo

a passar

sobre o mar diáfano da vida,

 

Inventor de uma desordem,

andadeiro do mágico estranhamento,

com a aurora luzida no tempo e nos símbolos,

 

ser poeta

 

é ter imaginações e janeiros aturdidos na alma...

 

A Poesia é uma dor!

O signo misterioso do alumiamento...

 

O poeta é o indagador

desse mal desvelado.




Mendes Sousa, Diego: "INDAGA[DOR]"


 

 

 


9.9.23

 



Lucretius: "Nequiquam..."


Nequiquam, quoniam medio de fonte leporum 

surgit amari aliquit quod in ipsis floribus angat.



Lucrécio: "Tudo é vaidade..."


Lucretius: Tudo é vaidade, já que da própria fonte do encantatamento surge uma gota de amargura para atormentar, inclusive nas próprias flores.



Lucretius: "Nequiquam..."  \ "Tudo é vaidade...", in De rerum natura, IV, 1133-4, trad. de Antonio Cicero.


2.9.23

 



Sándor Petöfi: "Abánat"


ABÁNAT?


Abánat? Egy nagy oceán,

Saz örngyeöm?

Az óceán kis gyöng ¨Talán,

Mire fölhozom össze is töröm,




Tristeza...


Tristeza é todo um vasto mar.

E a alegria?

Perolazinha que, ao tentar

trazer à tona, eu quebraria.




Petöfi, Sandor: "Abánat?" \ "Tristeza..." , trad. de Nelson Ascher in Poemas de Sándor Petöfi , org. por Zsuzanna Lazló e Eszeter Klára Dobos (São Paulo, Ed. Madamu, 2023).


28.8.23

 



Olavo Bilac: "Tédio"



Sobre minh'alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, último outono,
Lançar-me as folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, lúgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!...


BILAC, Olavo, "Tédio", in Canções (Martins Fontes, 1988)



29.7.23

Carlos Nejar: "2"

 



2


Tive tão dura existência.

Tão alma de não lembrar.

Seguro de que tal ciência 

nem serve de carregar.

Pesa demais a leveza:

o canto não morrerá.




NEJAR, Carlos, "2", in Canções (Rio de Janeiro: Garamond, 2007).

17.7.23

Marco Lucchesi: "Ah mundo"

 



Ah mundo

                                   vasto       

que se                     devasta   

                     e se condensa

de sonho

                              a sonho





Lucchesi, Marco, "Ah mundo", in Antologias ABL POESIA. Idealização e apresentação de Ana Maria Machado; organização de Domício Proença Filho e Marco Lucches (Rio de Janeiro, 2013).

11.7.23

Charles Baudelaire: "L'ennemi" / "O inimigo": trad. de Ivan Junqueira



L'Ennemi


Ma jeunesse ne fut qu’un ténébreux orage,

Traversé çà et là par de brillants soleils ;

Le tonnerre et la pluie ont fait un tel ravage,

Qu’il reste en mon jardin bien peu de fruits vermeils.

 

Voilà que j’ai touché l’automne des idées,

Et qu’il faut employer la pelle et les râteaux

Pour rassembler à neuf les terres inondées,

Où l’eau creuse des trous grands comme des tombeaux.

 

Et qui sait si les fleurs nouvelles que je rêve

Trouveront dans ce sol lavé comme une grève

Le mystique aliment qui ferait leur vigueur ?

 

– Ô douleur ! ô douleur ! Le Temps mange la vie,

Et l’obscur Ennemi qui nous ronge le cœur

Du sang que nous perdons croît et se fortifie !

 




O inimigo


A juventude não foi mais que um temporal,

Aqui e ali por sóis ardentes trespassado;

As chuvas e os trovões causaram dano tal

Que em meu pomar não resta um fruto sazonado.


Eis que alcancei o outono de meu pensamento,

E agora o ancinho e a pá se fazem necessáros

Para outra vez compor o solo lamacento,

Onde profundas covas se abrem como ossários.


E quem sabe se as flores que meu sonho ensaia

Não achem nessa gleba aguada como praia

O místico alimento que as fará radiosas?


Ó dor! O Tempo faz da vida uma carniça,

E o sombrio Inimigo que nos rói as rosas

No sangue que perdemos se enraíza e viça!


 

 


BAUDELAIRE, Charles: "L'ennemi" / "O inimigo", in As flores do mal. Trad. de Ivan Junqueira (Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1985).

 

 

 

 


7.7.23

W. B. Yeats: "The comingo of wisdom with time" / "Com o tempo a sabedoria" (trad. de José Agostinho Baptista)

 



Com o tempo a sabedoria


Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;

Ao longo dos enganadores dias da mocidade,

Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores;

Agora posso murchar no coração da verdade.




The coming of wisdom with time


Though leaves are many, the root is one;

Through all the lying days of my youth

I swayed my leaves and flowers in the sun;

Now I may wither into the truth.





YEATS, W.B. "The coming of wisdom with time" / "Com o tempo a sabedoria". In: Uma antologia. Trad. de BAPTISTA, José Agostinho (Lisboa: Assírio & Alvim, 2010).






5.7.23

Antonio Cicero: "O grito"

 



O grito



Estou acorrentado a este penhasco 

logo eu que roubei o fogo dos céus. 

Há muito tempo sei que este penhasco 

não existe, como tampouco há um deus 

a me punir, mas sigo acorrentado. 

Aguardam-me amplos caminhos no mar 

e urbes formigantes a engendrar 

cruzamentos febris e inopinados. 

Artur diz "claro" e recomenda um amigo 

que parcela pacotes de excursões. 

Abutres devoram-me as decisões 

e uma ponta do fígado mas digo 

E daí? Dia desses com um só grito 

eu estraçalho todos os grilhões





CICERO, Antonio. "O grito". In: A cidade e os livros (Rio de Janeiro e São Paulo: Editora Record, 2002).

1.7.23

Antonio Carlos Secchin: "Bibliofilia: a novidade permanente dos livros antigos"

 



                    CONVITE




No dia 5 de julho, quarta-feira. às 

16h, na ACADEMIA CARIOCA 

DE LETRAS, à Rua Teixera de 

Freitas, 5, sala 306, Antonio

Carlos Secchin (Professor, 

Poeta, Ensaísta, Acadêmico da 

ACL e da ABL) fará a palestra 

Bibliofilia: a novidade 

permanente dos livros antigos

com a apresentação do Acadêmico

 Alcmeno Bastos. 


25.6.23

Antonio Cicero: "O PAÍS DAS MARAVILHAS"






O PAÍS DAS MARAVILHAS 



Não se entra no país das maravilhas,

pois ele fica do lado de fora, 

não do lado de dentro. Se há saídas 

que dão nele, estão certamente à orla 

iridescente do meu pensamento, 

jamais no centro vago do meu eu.
 
E se me entrego às imagens do espelho
 
ou da água, tendo no fundo o céu,
 
não pensem que me apaixonei por mim.
 
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
 
do mundo, coisa entre coisas que há
 
no lume do espelho, fora de si:
 
peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,

 um dia passo inteiro para lá.








CICERO, Antonio. "O país das maravilhas". In: A cidade e os livros (Editora Record: Rio de Janeiro e São Paulo, 2002), p.13)

18.6.23

Diego Mendes Sousa: "Emissário do ridículo"

 


É com grande prazer que aqui posto o maravilhoso poema "Emissário do ridículo", que abre o extraordinário novo livro de Diego Mendes Sousa, Agulha de coser o espanto. Como disse, com toda razão, a grande escritora Nélida Piñon, a poesia de Diego "é uma coisa bela, muito poderosa, um fluido de vida".




EMISSÁRIO DO RIDÍCULO



"Todas as cartas de amor são ridículas"

Fernando Pessoa



A poesia é a máxima expressão do ridículo

e o poeta é um ser

excêntrico e risível.


O ridículo torna-se íntimo das palavras

e o poema

é a peça orgânica

que viabiliza 

o estranhamento da linguagem.


É no poema que o poeta expõe

as suas dores

e as suas mazelas,

a operar a desprezível história pessoal,

a revelar

a sua exótica humanidade.


A poesia é assim,

a insanidade a rir de si mesma.


Prefiro ser ridículo

a ter que perder as paredes testemunhais

dos meus sentimentos

e sofrimentos.


Reencontro  a minha infância,

porque é na inocência

(ou ainda no amor ausente ou na urgência da paixão)

que reside toda alma

devota ao ridículo.







SOUSA, Diego Mendes, "Emissário do ridículo", in: Agulha de coser o espanto

(Teresina, PI, Área de Criação, 2023)







12.6.23

Adriano Espínola: "A orquídea"

 


Já publiquei neste blog vários poemas do grande poeta Adriano Espínola. Hoje, relendo seu belíssimo livro de 2002, O lote clandestino, vi que nunca havia aqui publicado o maravilhoso poema que, nessa mesma obra, ele havia dedicado a mim: "A orquídea" Faço-o agora:



A orquídea

A Antonio Cicero


Na janela 

do 4º andar


(debruçada 

sobre a luz


rascante da 

rua rolando


na manhã 

agitada


de sinais 

& pressa)


pensa 

pétalas


devagar


na ponta 

da haste/


arte final 

& bela:


no alto 

(no ar)


branca 

floresce


a orquídea-

idéia.





ESPÍNOLA, Adriano, "A orquídea", in: O lote clandestino (Topbooks Editora, Rio de Janeiro, RJ, 2002), p. 45.

10.6.23

Antonio Cicero: "O país das maravilhas""

 


Hoje eu estava relendo trechos da excelente tese de doutorado que a grande escritora e crítica literária Noemi Jaffe me deu a honra de escrever sobre meu livro de poemas A cidade e os livros.1 Lá, por acaso, me deparei com meu poema "O país das maravilhas" e verifiquei que ainda não o tinha postado neste blog. Resolvi então postá-lo agora.




O PAÍS DAS MARAVILHAS


Não se entra no país das maravilhas

pois ele fica do lado de fora,

não do lado de dentro. Se há saídas

que dão nele, estão certamente à orla

iridescente do meu pensamento,

jamais no centro vago do meu eu.

E se me entrego às imagens do espelho

ou da água, tendo no fundo o céu,

não pensem que me apaixonei por mim.

Não: bom é ver-se no espaço diáfano

do mundo, coisa entre coisas que há

no lume do espelho, fora de si:

peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,

um dia passo inteiro para lá.









1. JAFFE, Noemi. DO PRINCÍPIO ÀS CRIATURAS. Análise de A cidade e os livros, de Antonio Cicero (Tese de Doutorado, Depto. de letras clássicas e vernáculas: USP, São Paulo, 2007), onde reli meu próprio poema "O país das maravilhas" e resolvi republicá-lo aqui.