28.2.17

Adriano Nunes: "Que pode um poeta?"


Agradeço a Adriano Nunes por ter dedicado a mim o seguinte belo poema:



Que pode um poeta?

                       para Antonio Cicero

Que pode um
Poeta?
Abrir
As portas,
As frestas,
Os trincos,
As celas,
Gavetas,
Armários,
Os cofres,
As caixas,
As malas,
Os mares,
Prisões,
Algemas,
Os símiles
Sinônimos,
Análogos
Sentidos,
E mais
Que isso,
De fato,
As tantas
Janelas
Do instante
Sináptico,
Pra então
Criar
Mil cosmos
Elásticos,
Dar voz
Ao vácuo
Do amor,
Em nome
Do sonho
Depor,
Dizer
A que
Vem, veio,
É seu
Mor meio,
Pra expor
As múltiplas
Feridas
De si,
Tingindo-as
De mito,
Do misto
De verve e
Devir,
Mentindo, e
Curá-las,
Ainda
Que nada
Importe.
Dar um
Calote
Na morte,
Porque,
Sim, tudo o
Mais pode.




Adriano Nunes

27.2.17

Federico García Lorca: "Nido"/"Ninho": trad. de Wiliam Agel de Melo




Nido

Qué es lo que guardo en estos
momentos de tristeza?
¡Ay, quién tala mis bosques
dorados y floridos!
¿Qué leo en el espejo
de plata conmovida
que la aurora me ofrece
sobre el agua del río?
¿Qué gran olmo de idea
se ha tronchado en mi bosque?
¿Qué lluvia de silencio
me deja estremecido?
Si a mi amor dejé muerto
en la rivera triste,
¿qué zarzales me ocultan
algo recién nacido?




Ninho

O que é que guardo nestes
momentos de tristeza?
Ai!, quem tala meus bosques
dourados e floridos!
Que leio no espelho
de prata comovida
que a aurora me oferece
sobre a água do rio?
Que grande olmo de ideia
se cortou em meu bosque?
Que chuva de silêncio
me deixa estremecido?
Se meu amor deixei morto
numa ribeira triste,
que sarçais me ocultam
algo recém-nascido?



LORCA, Federico García. "Nido"/"Ninho". In:_____.  "Livro de poemas". Trad. de William Agel de Melo. In:_____. Obra poética completa. Brasília: Editora U. de Brasília. São Paulo: Martins Fontes, 1989, c1987.

24.2.17

Paulo Leminski: "Razão de ser"




Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?



LEMINSKI, Paulo. "Razão de ser". In:_____. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

22.2.17

Armando Silva Carvalho: "Varanda de Pilatos"



Varanda de Pilatos

Não há tempo. Há o espaço. O sol e as nossas voltas.
Os bocejos da lua, o clã dos astros.
Os buracos negros.
Ó mãe! Para onde foram os seres vivos de ainda
Há pouco em todo o seu esplendor?
Mortos como tu, a natureza recebe-os.
A Terra, essa criança atroz, destrói os seus brinquedos
Numa rotina mecânica.
Quantas noites me faltam? Quantos beijos no escuro?
Quanta luz me cabe ainda nas pupilas?
Os anos não me matam, não me ferem os meses,
As horas não me guilhotinam.
As células vão ardendo nos seus mapas
De nervos, o sangue demora sempre mais um pouco
A chegar ao seu destino orgânico.
Devagar, devagar, a cabeça amolece.
Devagar no colo do sono.
Ó mãe. Um ninho. Uma cama macia no teu ventre.
Uma exposição de sinais. Uma geometria
Que me liga ao saber acumulado.




CARVALHO, Armando Silva. "Varanda de Pilatos". In:_____. Sol a sol. Porto: Assírio & Alvim, 2005.

20.2.17

Secos e Molhados: "Não: não digas nada". João Ricardo/Fernando Pessoa


Agradeço a Nadine Granad por me ter lembrado da versão musicada por João Ricardo do poema de Fernando Pessoa "Não: não digas nada", pelos Secos e Molhados. Encontrei-a no You Tube. Ei-la:





João Ricardo/Fernando Pessoa. "Não: não digas nada". Faixa 3 do segundo álbum da banda brasileira Secos e Molhados (1974).. 

Fernando Pessoa: poema 127 do "Cancioneiro"





127

Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já

É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.



PESSOA, Fernando. "127". In:_____. "Cancioneiro". In:_____. Obra poética. Org. por Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.

17.2.17

Carlos Nejar: "Soterrada, desvivente Amatrice"


Amatrice é uma cidade e comuna na província de Rieti, ao norte do Lazio (Itália central). Fica no centro da área agrícola do Gran Sasso e do Parque Nacional Monti della Laga. A cidade foi devastada por um forte terremoto em 24 de agosto de 2016.



Soterrada, desvivente Amatrice

à Maria Beltrão

Amatrice, o terremoto
na Itália, Amatrice:
a cidade não existe, é agosto,
os gritos, ritos, o relógio
parou, mortos, mortos,
não há  história
nas ruínas, nem
é abrigo o  terror.
E o fundo se abriu
e as casas entre ossos
de corpos, ossos
de pedras e velhas
velhas sonantes
sombras.

Amatrice e tremeu
a terra, tremeu
desabando a madrugada.
E o que resta dos escombros,
o que resta na inscrição
dos sonhos. O que resta,
com desolado pó, o negro
mel, a morte reina
e morre.




NEJAR, Carlos. "Soterrada, desvivente Amatrice". In: SARAPEGBE. Rivista di cultura e società del Brasile e altri mosaici. No URL http://www.sarapegbe.net/articolo.php?quale=121&tabella=nuovi_percorsi.

15.2.17

Pedro Tamen: "Discurso do papagaio de papel"




Discurso do papagaio de papel

                    para José de Guimarães

Do alto vos falo, onde
acrescento azul de muitas cores
ao outro azul que os olhos vossos vêem
quando outra coisa não há no chão que ver.
Do alto me assobio,
vertendo em vós silêncio alçado
por cima dos ventos nos buracos
que a vossa vida minam.
Do alto assumo ser
preso ao chão que me solta
e estar como um farol assinalando
a possível e vera liberdade.



TAMEN, Pedro. "Discurso do papagaio de papel". In:_____. "Depois de ver". In:_____. Retábulo das Matérias. Poesia 1956-2001. Lisboa: Gótica, 2001.

13.2.17

Ivan Junqueira: "Morrer"




Morrer

Pois morrer é apenas isto:
Cerrar os olhos vazios
e esquecer o que foi visto;

é não supor-se infinito,
mas antes fáustico e ambíguo,
jogral entre a história e o mito;

é despedir-se em surdina,
sem epitáfio melífluo
ou testamento sovina;

é talvez como despir
o que em vida não vestia
e agora é inútil vestir;

é nada deixar aqui:
memória, pecúlio, estirpe,
sequer um traço de si;

é findar-se como um círio
em cuja luz tudo expira
sem êxtase nem martírio.



JUNQUEIRA, Ivan. "Morrer". In: FÉLIX, Moacyr (org.). 41 poetas do Rio. Rio de Janeiro: Funarte, 1998.

11.2.17

Antonio Cicero: "Tzvetan Todorov libertou a literatura dos asfixiantes jogos formais"

O seguinte artigo meu foi publicado hoje em O Globo:



Tzvetan Todorov libertou a literatura dos asfixiantes jogos formais



Conheci pessoalmente Tzvetan Todorov em 1995, quando, convidado por mim e pelo poeta Waly Salomão, ele participou de um ciclo de conferências que organizamos em São Paulo. Desde então, reencontrei-o várias vezes em Paris, e trouxe-o ao Rio em 2011, para participar do ciclo de conferências “Forma e sentido contemporâneo: Poesia”, que organizei no centro cultural Oi Futuro Flamengo.

Era uma delícia conversar com Todorov, pois ele foi um dos intelectuais mais abertos a novas ideias e menos dogmáticos que conheci. Penso que isso talvez se devesse ao fato de que ele tinha intimamente conhecido o totalitarismo e sido vítima do dogmatismo. Foi certamente por isso que ele combateu, cada vez mais, aqueles que considerava os “inimigos íntimos” da democracia, como o populismo, o ultraliberalismo e o messianismo.

Mas é interessante como esse seu horror ao totalitarismo e ao dogmatismo já fica bem claro quando examinamos a evolução, ao longo de sua vida, de sua relação com a literatura.

Todorov nasceu em Sófia, na Bulgária, em 1939. Pelo menos desde 1946, isto é, quando ele tinha sete anos, a Bulgária passou a fazer parte dos países da Cortina de Ferro. 

O controle político e ideológico do Partido Comunista sobre toda a sociedade ficou então sendo total. Todorov conta que, quando entrou para a Universidade de Sófia para estudar letras, em 1956, apenas metade do que se ensinava nos cursos de literatura era erudição; a outra metade não passava de propaganda ideológica marxista-leninista.

Ao final do quinto ano de universidade, era necessário redigir uma monografia de fim de curso. Para fazê-lo sem se curvar à ideologia dominante, Todorov resolveu “abordar a própria materialidade do texto, suas formas linguísticas”, como ele mesmo veio a explicar muito mais tarde, em seu extraordinário livro “A literatura em perigo”.

Em 1963, tendo terminado seu Mestrado em Filologia pela Universidade de Sófia, ele emigrou para a França, onde estudou com Roland Barthes. Em 1965, Todorov organizou o livro “Teoria da literatura”, compilação de obras que revelou à França e, de maneira geral, ao Ocidente, a existência de uma notável escola de análise literária russa, cujos expoentes ficaram célebres como os “formalistas russos”. A partir de então, publicando obras como “Literatura e significação”, ele ficou conhecido como semiólogo e estruturalista.

Entretanto, vivendo na França, país que respeitava as liberdades individuais, de modo que o conteúdo das obras, isto é, o pensamento e os valores que elas continham não se encontravam mais “aprisionados numa coleira ideológica preestabelecida”, Todorov verificou que não tinha mais razão para se dedicar exclusivamente ao estudo da matéria verbal dos textos.

Ele pôde então considerar a totalidade forma/conteúdo de cada obra literária e criticar a tendência – produzida, em parte, exatamente pelas modas estruturalistas a que ele próprio fora associado – a reduzir os estudos literários aos métodos linguísticos e estilísticos, deixando de lado a compreensão geral dos textos e de suas relações com o mundo.

Para Todorov, todos os métodos são bons, desde que não se tornem o fim, mas apenas o meio de captar a verdade da obra. O sentido da literatura é ampliar nosso universo, apresentando-nos novas maneiras de apreender o mundo. 

Assim, diz ele, em “A literatura em perigo”, que devemos “libertar a literatura do espartilho asfixiante em que está presa, feito de jogos formais, queixas niilistas e ‘umbiguismo’ solipsista. Isso poderia, por sua vez, levar a crítica a percorrer horizontes mais amplos,  retirando-a do gueto formalista que interessa apenas a outras críticas, proporcionando a ela a abertura para o grande debate de ideias do qual participa todo conhecimento do homem”. 

9.2.17

António Machado: "Proverbios y cantares: I"



I

Nunca perseguí la gloria
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
subitamente y quebrarse.




1
Nunca persegui a glória
nem preservar na memória
dos homens minha canção:
eu amo os mundos sutis,
sem gravidade e gentis
como bolhas de sabão.
É bom vê-los se pintando
de sol e pasto, voando
ao céu azul, tremulando
e de repente estourando.



MACHADO, António. "Proverbios y cantares I". In:_____. Poesías completas. Madrid: Espasa-Calpe, 1983. 

7.2.17

Gastão Cruz: "Ouro velho"




Ouro velho


Vou deitar-me na praia quando às três
da tarde está deserta

e o sol lembra o ouro
de outrora mas mais velho



CRUZ, Gastão. "Ouro velho". In:_____. Óxido. Porto: Assírio & Alvim, 2015.

3.2.17

Agostinho da Silva: de "Pensamento à solta"




Procura, diante dos acontecimentos, ter as tuas reacções, não as dos outros.



SILVA, Agostinho da. "Pensamento à solta". In:_____. Textos e ensaios filosóficos II. Lisboa: Âncora Editora, 1999.

2.2.17

Comemoração dos 50 anos do Tropicalismo









Hoje, quinta-feira, dia 2, às 19h30, estarei no Gabinete de Leitura Guilherme Araújo, dizendo poemas para comemorar os 50 anos do Tropicalismo. A cantora e compositora Georgeana Bonow também se apresentará, na mesma ocasião. 


Endereço do Gabinete de Leitura:Rua Redentor, 157, Ipanema, Rio de Janeiro 

Telefone: 
(21) 2523-1553), 

1.2.17

Anacreonte: Fr. 357 / "A esfera do amor (fr.357): trad. Frederico Lourenço




A esfera do Amor (fr. 357 PMG)

De novo com a sua esfera purpúrea
o Amor de dourados cabelos me atinge,
e com a rapariga de coloridas sadálias
me convida a brincar.
Mas ela (pois vem lá da bem fundada
Lesbos) os meus cabelos
já brancos censura com desdém,
e olha embasbacada para -- outra rapariga.



ANACREONTE. "A esfera do Amor". In: LOURENÇO, Frederico (org., trad. e notas). Poesia grega, de Álcman a Teócrito. Lisboa: Cotovia, 2006.



Fr.357


sfai¿rhi dhuÅte/ me porfurh=i
ba/llwn xrusoko/mhj ãErwj
nh/ni poikilosamba/lwi
sumpai¿zein prokaleiÍtai:
h( d', e)stiìn ga\r a)p' eu)kti¿tou
Le/sbou, th\n me\n e)mh\n ko/mhn,
leukh\ ga/r, katame/mfetai,
pro\j d' aÃllhn tina\ xa/skei.


ANACREON. "Fr. 357". In: PAGE, Denys (org.). Poetae melici Graeci. Oxford: Oxford U. Press, 1955.