No seu comentário sobre o soneto de Petrarca, Marcelo Diniz mencionou o seguinte soneto de Sá de Miranda:
O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
Também mudando-m’eu fiz doutras cores:
E tudo o mais renova, isto é sem cura!
De: SÁ de MIRANDA, Francisco. Sonetos. In: Obras completas. Lisboa: Sá da Costa Ed., 1976, p.300.
29.2.08
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4 comentários:
Caro Antonio Cicero,
Achei muito bem feita a sua alusão aos preconceitos do nosso tempo contra a imitação, que se manifestam em algo como se fosse uma atitude de receio do plágio; depois do exemplo que você deu, ao se referir a camões, é praticamente inegável que tal atitude acarrete em prejuízo para a literatura universal.
Não pretendo ignorar o fato de que muitos poemas de Camões
devam dialogar abertamente (sem discutir se há voluntariedade ou não)com os de Sá de Miranda. E, portanto, mesmo eu sabendo que possa se tratar de apenas uma das numerosos ocorrências, gostaria de deixar aqui a estrofe de Camões que eu considero como sendo complementar à segunda estrofe
do poema postado de Sá de Miranda:
Que fantasia é esta, que presente
cada hora ante meus olhos me
__________________________mostrais?
Com sonhos e com sombras atentais
quem nem por sonhos pode ser __________________________contente?
E a confusão explícita do sujeito, logo abaixo:
Vejo-vos, pensamentos, alterados,
e não quereis, de esquivos, ________________________declarar-me
que é isto que vos traz tão ________________________enleados?
Abraço,
Carlos Eduardo
Compus este soneto impregnado pelo soneto do Sá:
Dos infinitos modos de dizer
sou um, e doem-me tanto as aves quedas
quanto aquelas que alegram-me a vereda,
doem-me e me alegram ambas sem saber;
intuo a eternidade do prazer
e não há desprazer que nunca ceda,
roseiras não lamentam a mais leda
das pétalas perdidas; eu sou o ser
que é, que há: basta que eu seja e o universo
desdobra seu sem número de portas
sobre um inseto a mais no orbe diverso;
basta que eu seja e o ser já me transporta
ao âmago de tudo e seu inverso:
pétala e queda, vôo e ave morta.
abraço,
Marcelo Diniz
Caro Carlos Eduardo,
O soneto de Camões que você lembra é tão maravilhoso que resolvi também postá-lo.
Abraço,
ACicero
Caro Marcelo,
Mal postei outro soneto de Camões e chegou o seu. Parabéns. É muito bonito.
Abraço,
ACicero
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