Recordação de Marie A.
1
Naquele dia, num mês azul de setembro,
Em silêncio, à sombra da ameixeira,
Eu a tomei nos braços: amor pálido e
Quieto, como um sonho formoso.
E acima de nós, no belo céu do verão
Havia uma nuvem, que olhei longamente:
Era bem alva, estava bem no alto
Ao olhar novamente, desapareceu.
2
Desde então muitas luas passaram
mostrando no céu seu alvor.
As ameixeiras foram talvez cortadas
E se me perguntas para onde foi o amor,
Respondo: Não consigo lembrar.
Mas sei, sim, o que queres dizer
Suas feições, porém, para sempre se foram
Sei apenas que naquele dia a beijei.
3
E mesmo o beijo, já o teria esquecido
Não fosse aquela nuvem no céu
Dela sei e sempre saberei:
Era bem alva, estava bem no alto.
As ameixeiras talvez ainda cresçam.
E ela agora deve ter muitos filhos
Mas aquela nuvem que cresceu alguns minutos
Ao olhar novamente, desapareceu.
BRECHT, Bertolt. Poemas (1913-1956). Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Editora 34, 2001.
Erinnerung an die Marie A.
1
An jenem Tag im blauen Mond September
Still unter einem jungen Pflaumenbaum
Da hielt ich sie, die stille bleiche Liebe
In meinem Arm wie einen holden Traum.
Und über uns im schönen Sommerhimmel
War eine Wolke, die ich lange sah
Sie war sehr weiß und ungeheuer oben
Und als ich aufsah, war sie nimmer da.
3
Seit jenem Tag sind viele, viele Monde
Geschwommen still hinunter und vorbei.
Die Pflaumenbäume sind wohl abgehauen
Und fragst du mich, was mit der Liebe sei?
So sag ich dir: ich kann mich nicht erinnern
Und doch, gewiß, ich weiß schon, was du meinst.
Doch ihr Gesicht, das weiß ich wirklich nimmer
Ich weiß nur mehr: ich küßte es dereinst.
5
Und auch den Kuß, ich hätt ihn längst vergessen
Wenn nicht die Wolke dagewesen wär
Die weiß ich noch und werd ich immer wissen
Sie war sehr weiß und kam von oben her.
Die Pflaumenbäume blühn vielleicht noch immer
Und jene Frau hat jetzt vielleicht das siebte Kind.
Doch jene Wolke blühte nur Minuten
Und als ich aufsah, schwand sie schon im Wind.
BRECHT, Bertolt. "Erinnerung an die Marie A.". In: REICH-RANICKI, Marcel (org.). Hundert Gedichte des Jahrhunderts. Frankfurt am Main: Insel Verlag, 2000.
2 comentários:
Me fez pensar neste:
CONFISSÃO
Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde, ao voltar da festa.
Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.
Do que restou, como compor um homem
e tudo que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, murmúrios
de riso, entrega, amor e piedade?
Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido —
que se esfacelou na asas do avião.
Drummond
Cicero,
belo, muito belo! Salve Brecht! Salve Paulo César de Souza!
Abraço forte,
Adriano Nunes
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