25.2.22

W. H. Auden: "This lunar beauty" / "Lunar, esta beleza"; trad. de José Paulo Paes e João Moura Jr.

 



Lunar, esta beleza



Lunar, esta beleza

É primeva, inteira,

Não tem nenhuma história.

Se a beleza mais tarde

Exibe algum traço,

Foi porque teve amante,

Já não é como antes.


Nisto, qual em sonho,

Vige um outro tempo,

Perdido se o dia

De tudo se apropria.

O tempo são centímetros

E mudanças de alma

Que espectro assombrou,

Perdeu e desejou.


Mas isto, por certo,

Não foi coisa de espectro,

Nem espectro, ela finda,

Sentiu-se a gosto, ainda,

E enquanto persista,

Nem se chega amor

A tal doçura e a dor

Tampouco lhe vem dar

Seu infinito olhar.




This lunar beauty



This lunar beauty

Has no history,

Is complete and early;

If beauty later

Bear any feature

It had a lover

And is another.


This like a dream

Keeps other time,

And daytime is

The loss of this;

For time is inches

And the heart’s changes

Where ghosts has haunted,

Lost and wanted.


But this was never

A ghost’s endeavour

Nor, finished this,

Was ghost at ease;

And till it pass

Love shall not near

The sweetness here

Nor sorrow take

His endless look.







AUDEN, W.H. "This lunar beauty"/ "Lunar, esta beleza". In:_____ Poemas. Seleção de João Moura Jr.; tradução de José Paulo Paes e João Moura Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

21.2.22

Paulo Henriques Britto: "Ao leitor"

 



Ao leitor


Se fosse o Ser quem fala no poema

eu calaria a boca, e é até possível

que o escutasse, um pouco. Sem problema;

seria, eu sei, um papo de alto nível.


Mas esta fala aqui -- garanto -- vem

de um mero estar, minúsculo, mortal,

prosaico e costumeiro, a voz de alguém

que embore sonhe no condicional


habita -- na vigília -- o indicativo,

e fala sempre, sempre, na primeira

e singular pessoa que está sendo


agora e aqui, como qualquer ser vivo

com o dom da palavra (a trapaceira),

tal qual faz quem me lê neste momento.





BRITTO, Paulo Henriques. "Ao leitor". In:  Uma antologia comemorativa.. São Paulo: Companhia das Letras, 35 anos.

19.2.22

Olavo Bilac: "Última página"

 



Última página



Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos

Numa palpitação de flores e de ninhos.

Doirava o sol de outubro a areia dos caminhos

(Lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.


Verão. (Lembras-te Dulce?) À beira-mar, sozinhos,

Tentou-nos o pecado: olhaste-me... e pecamos;

E o outono desfolhava os roseirais vizinhos,

Ó Laura, a vez primeira em que nos abraçamos...


Veio o inverno. Porém, sentada em meus joelhos,

Nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,

(Lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor...


Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?

Passas as estações e passam as mulheres...

E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!





BILAC, Olavo. "Última página". In:BARBOSA, Frederico. Cinco séculos de poesa. Antologia da poesia clássica brasileira. São Paulo: Landy Editora, 2003.


11.2.22

Jean-Pierre Lemaire: "LE PETIT CAVALIER" / "O PEQUENO CAVALEIRO": trad. de Júlio Castñon Guimarães




O PEQUENO CAVALEIRO


Devora pelo caminho

campos verdes e amarelos

castelos, rios

todas as novidades 

do mundo inesgotável

Está cada vez maior

cada vez mais leve

Quse ouve bater 

o coração lento do céu

Tudo o que come 

se transforma em nuvem





 



LE PETIT CAVALIER


Il avale en route

les champs verts et jaunes

les châteaux, les rivières

toutes les nouveautés

du monde inépuisable

Il est de plus en plus grand

de plus en plus léger

Il entend presque battre

le coeur lent du ciel

Tout ce qu'il mange

se transforme en nuage






LEMAIRE, Jean-Pierre. "LE PETIT CAVALIER" / "O PEQUENO CAVALEIRO". In:_____  Poemas. Trad. por Julio Castañon Guimarães. São Paulo: Lumme Editor, 2010.

8.2.22

Arthur Nogueira canta "Brasileiro Profundo"

 



Assistam, no You Tube, Arthur Nogueira a cantar "Brasileiro Profundo", uma canção feita com versos meus e notas musicais dele. Eis o link: https://youtu.be/JOrgmS3FSq0


3.2.22

Wallace Stevens: "Of mere being" / "Meramente ser": trad. de Paulo Henriques Britto

 



Meramente Ser


A palmeira no final da mente,

Além do pensamento último, se eleva

No brônzeo cenário.


Um pássaro de penas de ouro

Canta na palmeira, sem sentido humano,

Sem sentimento humano, um canto estrangeiro.


Então você entende que não é a razão

Que nos traz tristeza ou alegria.

O pássaro canta. As penas brilham.


A palmeira paira no limiar do espaço.

O vento roça devagar seus galhos.

As penas de ouro do pássaro resplendem fogo.






Of mere being



The palm at the end of the mind,

Beyond the last thought, rises

In the bronze decor,


A gold-feathered bird

Sings in the palm, without human meaning,

Without human feeling, a foreign song.


You know then that it is not the reason

That makes us happy or unhappy.

The bird sings. Its feathers shine.


The palm stands on the edge of space.

The wind moves slowly in the branches.

The bird's fire-fangled feathers dangle down.





STEVENS, Wallace. "Of mere being" / "Meramente ser". In: O imperador do sorvete e outros poemas.

Seleção e tradução de Paulo Henriques Britto. São Paulo: Cmpanhia das Letrs, 2017.