15.4.21
Arnaldo Antunes: "apenas"
12.4.21
Dylan Thomas: "In my craft or sullen art" / "Neste meu ofício ou arte": trad. de Augusto de Campos
Neste meu ofício ou arte
Neste meu ofício ou arte
Soturna e exercida à noite
Quando só a lua ulula
E os amantes se deitaram
Com suas dores em seus braços,
Eu trabalho à luz que canta
Não por glória ou pão, a pompa
Ou o comércio de encantos
Sobre os palcos de marfim
Mas pelo mero salário
Do seu coração mais raro.
Não para o orgulhoso à parte
Da lua ululante escrevo
Nestas páginas de espuma
Nem aos mortos como torres
Com seus rouxinóis e salmos
Mas para os amantes, braços
Cingindo as dores do tempo,
Que não pagam, louvam, nem
Sabem do meu ofício ou arte.
In my craft or sullen art
In my craft or sullen art
Exercised in the still night
When only the moon rages
And the lovers lie abed
With all their griefs in their arms,
I labour by singing light
Not for ambition or bread
Or the strut and trade of charms
On the ivory stages
But for the common wages
Of their most secret heart.
Not for the proud man apart
From the raging moon I write
On these spindrift pages
Nor for the towering dead
With their nightingales and psalms
But for the lovers, their arms
Round the griefs of the ages,
Who pay no praise or wages
Nor heed my craft or art.
THOMAS, Dylan. "In my craft or sullen art" / "Neste meu ofício ou arte". In: CAMPOS, Augusto de (org. e trad.). Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.
9.4.21
Johann Wolfgang von Goethe: "Beherzigung" / "Recomendação": trad. por Amélia de Rezende Martins
Recomendação
Ai, que deve o homem esperar?
É melhor ficar inerte?
É melhor viver sem leme?
A algum amor se aferrar?
Deve em tenda residir?
Ou uma casa edificar?
Deve-se fiar em rocha,
Tão sujeita a vacilar?
A cada um o seu tanto...
Cada qual rume, com fé,
Pense onde se fixar
E não caia estando em pé.
Beherzigung
Ach, was soll der Mensch verlangen?
Ist es besser, ruhig bleiben?
Klammernd fest sich anzuhangen?
Ist es besser, sich zu treiben?
Soll er sich ein Häuschen bauen?
Soll er unter Zelten leben?
Soll er auf die Felsen trauen?
Selbst die festen Felsen beben.
Eines schickt sich nicht für alle!
Sehe jeder, wie er's treibe,
Sehe jeder, wo er bleibe,
Und wer steht, daß er nicht falle!
Goethe, Johann Wolfgang von. "Beherzigung / "Recomendação". Trad. por Amélia de Rezende Martins. In: CAMPOS, Geir. O livro de ouro da poesia alemã (em alemão e português). Rio de Janeiro: Ediouro, s.d.
7.4.21
Federico García Lorca: "Despedida": trad. por William Agel de Melo
Despedida
Se eu morrer,
deixai o balcão aberto.
O menino chupa laranjas.
(Do meu balcão eu o vejo.)
O segador sega o trigo.
(Desde meu balcão e o sinto.)
Se eu morrer,
deixai o bacão aberto!
Despedida
Si muero,
dejad el balcón abierto.
El niño come naranjas.
(Desde mi balcón lo veo).
El segador siega el trigo.
(Desde mi balcón lo siento).
¡Si muero,
dejad el balcón abierto!
LORCA, Federico García. "Despedida". In:_____. "Canciones / Canções". In:_____. Obra poética completa. Trad. de William Agel de Melo. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1987.
5.4.21
Diego Petrarca: "Alice ri"
Alice ri
Eu quero ir
com Alice
lá dentro de uma nuvem cheia
que nunca chove
Eu quero ir
com Alice
lá onde o tempo
só serve pra voar
e onde o sol
só desce
pra tomar
banho de mar
Eu quero ir
com Alice
lá onde a estrela
namora o passarinho
e onde é privilégio
se sentir sozinho
Eu quero ir
com Alice
lá onde os anjos
criam as aparências
e onde só exista Deus
nas coincidências
Com Alice
eu quero ir
eu quero rir
PETRARCA, Diego. "Alice ri". In:_____. Carnaval subjetivo. Porto Alegre: Class, 2018.
3.4.21
Waly Salomão: "Clandestino"
Clandestino
para Adriana Calcanhotto
vou falar por enigmas
apagar as pistas visíveis
cair na clandestinidade.
descer de pára-quedas
/camuflado/
numa clareira clandestina
da mata atlântica.
já não me habita mais nenhuma utopia
animal em extinção,
quero praticar poesia
– a menos culpada de todas as ocupações.
já não me habita mais nenhuma utopia.
meu desejo pragmático-radical
é o estabelecimento de uma reserva de ecologia
– quem aqui diz estabelecimento diz ESCAVAÇÃO –
que arrancará a erva daninha do sentido ao pé-da-letra,
capinará o cansanção dos positivismos e literalismos,
inseminará e disseminará metáforas,
cuidará da polinização cruzada,
cultivará hibridismos bolados pela engenharia genética,
adubará e corrigirá a acidez do solo,
preparará a dosagem adequada de calcário,
utilizará o composto orgânico
excrementado
pelas minhocas fornicadoras cegas
e propagará plantas por alporque
ou por enxertia.
já não me habita mais nenhuma utopia.
sem recorrer
ao carro alegórico:
olhar o que é,
como é, por natureza, indefinido.
quero porque quero o êxtase,
uma réplica reversora da república de Platão
agora expulsando para sempre a não-poesia
da metamorfose do mundo.
já não me habita mais nenhuma utopia.
bico do beija-flor suga glicose.
no camarão
em flor.
(de um livro em preparação, sem nome fixo)
SALOMÃO, Waly. "Clandestino". In:_____ "Pescados vivos". In:_____ Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
1.4.21
Ricardo Silvestrin: "Sacos"
Sacos
Estamos repletos de inutilidades,
suas, minhas,
inutilidades de família,
de valor inestimável.
Quinquilharias, ninharias,
boiando no pó, atiradas em caixas,
envelopes rasgados, gavetas.
Ninguém se arrisca a botar fora
esses tesouros de um reino perdido
entre os guardados.
Em quantos sacos de lixo,
sacos grandes de cem litros,
vai caber todo o passado?