25.6.23

Antonio Cicero: "O PAÍS DAS MARAVILHAS"






O PAÍS DAS MARAVILHAS 



Não se entra no país das maravilhas,

pois ele fica do lado de fora, 

não do lado de dentro. Se há saídas 

que dão nele, estão certamente à orla 

iridescente do meu pensamento, 

jamais no centro vago do meu eu.
 
E se me entrego às imagens do espelho
 
ou da água, tendo no fundo o céu,
 
não pensem que me apaixonei por mim.
 
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
 
do mundo, coisa entre coisas que há
 
no lume do espelho, fora de si:
 
peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,

 um dia passo inteiro para lá.








CICERO, Antonio. "O país das maravilhas". In: A cidade e os livros (Editora Record: Rio de Janeiro e São Paulo, 2002), p.13)

18.6.23

Diego Mendes Sousa: "Emissário do ridículo"

 


É com grande prazer que aqui posto o maravilhoso poema "Emissário do ridículo", que abre o extraordinário novo livro de Diego Mendes Sousa, Agulha de coser o espanto. Como disse, com toda razão, a grande escritora Nélida Piñon, a poesia de Diego "é uma coisa bela, muito poderosa, um fluido de vida".




EMISSÁRIO DO RIDÍCULO



"Todas as cartas de amor são ridículas"

Fernando Pessoa



A poesia é a máxima expressão do ridículo

e o poeta é um ser

excêntrico e risível.


O ridículo torna-se íntimo das palavras

e o poema

é a peça orgânica

que viabiliza 

o estranhamento da linguagem.


É no poema que o poeta expõe

as suas dores

e as suas mazelas,

a operar a desprezível história pessoal,

a revelar

a sua exótica humanidade.


A poesia é assim,

a insanidade a rir de si mesma.


Prefiro ser ridículo

a ter que perder as paredes testemunhais

dos meus sentimentos

e sofrimentos.


Reencontro  a minha infância,

porque é na inocência

(ou ainda no amor ausente ou na urgência da paixão)

que reside toda alma

devota ao ridículo.







SOUSA, Diego Mendes, "Emissário do ridículo", in: Agulha de coser o espanto

(Teresina, PI, Área de Criação, 2023)







12.6.23

Adriano Espínola: "A orquídea"

 


Já publiquei neste blog vários poemas do grande poeta Adriano Espínola. Hoje, relendo seu belíssimo livro de 2002, O lote clandestino, vi que nunca havia aqui publicado o maravilhoso poema que, nessa mesma obra, ele havia dedicado a mim: "A orquídea" Faço-o agora:



A orquídea

A Antonio Cicero


Na janela 

do 4º andar


(debruçada 

sobre a luz


rascante da 

rua rolando


na manhã 

agitada


de sinais 

& pressa)


pensa 

pétalas


devagar


na ponta 

da haste/


arte final 

& bela:


no alto 

(no ar)


branca 

floresce


a orquídea-

idéia.





ESPÍNOLA, Adriano, "A orquídea", in: O lote clandestino (Topbooks Editora, Rio de Janeiro, RJ, 2002), p. 45.

10.6.23

Antonio Cicero: "O país das maravilhas""

 


Hoje eu estava relendo trechos da excelente tese de doutorado que a grande escritora e crítica literária Noemi Jaffe me deu a honra de escrever sobre meu livro de poemas A cidade e os livros.1 Lá, por acaso, me deparei com meu poema "O país das maravilhas" e verifiquei que ainda não o tinha postado neste blog. Resolvi então postá-lo agora.




O PAÍS DAS MARAVILHAS


Não se entra no país das maravilhas

pois ele fica do lado de fora,

não do lado de dentro. Se há saídas

que dão nele, estão certamente à orla

iridescente do meu pensamento,

jamais no centro vago do meu eu.

E se me entrego às imagens do espelho

ou da água, tendo no fundo o céu,

não pensem que me apaixonei por mim.

Não: bom é ver-se no espaço diáfano

do mundo, coisa entre coisas que há

no lume do espelho, fora de si:

peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,

um dia passo inteiro para lá.









1. JAFFE, Noemi. DO PRINCÍPIO ÀS CRIATURAS. Análise de A cidade e os livros, de Antonio Cicero (Tese de Doutorado, Depto. de letras clássicas e vernáculas: USP, São Paulo, 2007), onde reli meu próprio poema "O país das maravilhas" e resolvi republicá-lo aqui.















































































































4.6.23

Rogério Batalha: "O Anzol"




O Anzol

 

o que se desvela

não revela

mais do que

alguns centímetros

 

o que assim se dá

decerto não desnuda

sequer o pavio.

 

sim, o inefável,

o atroz anzol

dos olhos teus é tudo.

 

por exemplo:

numa noite dessas

abismado

à tua porta cantei. 





BATALHA, Rogério, "O Anzol", In: A rosa mareada (Rio de Janeiro: Editora Texto Território, 2022), p. 19.