30.1.15

Francisco Sá de Miranda: "O sol é grande, caem co'a calma as aves"





O sol é grande, caem co’a calma as aves
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
Também mudando-m’eu fiz doutras cores:
E tudo o mais renova, isto é sem cura!



MIRANDA, Francisco Sá de. "O sol é grande, caem co'a calma as aves". In:_____. Obras completas. Lisboa: Sá da Costa, 1976. Vol. I. 

4 comentários:

léo disse...

Engraçado: acabei de assistir a um documentário no Arte 1 sobre o Waly e chego aqui e vejo um poema de Sá de Miranda, cujo nome ouvi pela primeira vez dito por ele, que sempre me sugeria poetas, livros e discos. Do meu próximo livro:

Jogo com a verdade para te iludir.
A verdade, no fundo, importa muito pouco.
As fantasias são muito mais interessantes.
A fantasia exprime o sumo da sabedoria.
Não existem grandes verdades sobre a vida,
mas há verdades sobre mim que podem ser ditas.
Elas servem, no entanto, apenas para te iludir.
Mas agora é tarde: afinal, o livro está aberto.

Antonio Cicero disse...

Parabéns pelo belo poema, Léo!

Grande abraço

Alcione disse...


Vejo-te em formas
mirabolantes
Em sonhos de efêbos
Triturados na esquina
Em quantos alto-relevos
com alma de menina
Moldados em argila
E pois, quiçá,
Na sombra da araçá
Beleza jenuína
Toda tu divina.

(para Susana de Moraes, impressões através da foto publicada no post anterior)

Anônimo disse...

Eu lembrei-me deste poema de Manuel Bandeira:


Elegia de Verão
O sol é grande. Ó coisas
Todas vãs, todas mudaves!
Como esse "mudaves",
Que hoje é "mudáveis",
E já não rima com "aves".)

O sol é grande. Zinem as cigarras
Em Laranjeiras.
Zinem as cigarras: zino, zino, zino...
Como se fossem as mesmas
Que eu ouvi menino.

Ó verões de antigamente!
Quando o Largo do Boticário
Ainda poderia ser tombado.
Carambolas ácidas, quentes de mormaço;
Água morna das caixas d'água vermelhas de ferrugem;
Saibro cintilante...

O sol é grande. Mas, ó cigarras que zinis,
Não sois as mesmas que eu ouvi menino.
Sois outras, não me interessais...

Dêem-me as cigarras que eu ouvi menino.