19.8.14
Waly Salomão: "Garrafa"
Garrafa
Vá dizer aos camaradas
Que fui para o alto-mar
E que minha barca naufraga.
Leme partido.
Casco arrombado.
Sem farol afunda
Nas pedras dos arrecifes.
Bandeira aos farrapos. Nenhuma estrela guia
Célere desce lá do céu para minha companhia.
Destroços: proa, velame, quilha,
prancha, rede de pescar, arpão,
bússola, astrolábio, boia, sonar...
Que fui para o alto-mar
E que Medina e Meca já não significam
mais nada para mim.
Entrevado
Vista turva
Porto nenhum avisto
Nas trevas da cerração.
Pelejo entre os vagalhões e as rocas
Não apuro os nós de lonjuras das seguras docas
Tampouco os altos e baixos relevos das pedras
que roncam ais
no quebra-mar do cais
Ou os tapetes de mijo e restos de peixes
E patas de caranguejo e frutas podres
Tecidos pelas alpercatas e os pés nus sobre a rampa
do Mercado-Modelo.
Um marinheiro conserta sua embarcação
— corpo de intempestiva casa —
Em pleno alto-mar aberto.
Vá dizer aos meus amigos.
SALOMÃO, Waly. Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
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Poema,
Waly Salomão
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3 comentários:
Cicero,
muito obrigado por postar tão belo poema! Viva Waly Salomão!
Abraço forte,
Adriano Nunes
https://www.youtube.com/watch?v=umatHJiLMoU
Lirinha lendo.
Waly faz muita falta. Em tudo e por tudo.
Nada substituirá a vitalidade que emanava dele; a liberdade consciente; o não DOS SEUS PULMÕES-POÉTICOS ao presépios e suas vaquinhas.
Wally foi, sobretudo, ele próprio com suas condições e contradições. Ninguém o tangia. Só a luz do amor, dos amigos e da sua (IMENSA) Poesia.
Arsenio Meira Júnior
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