Hoje, em sua excelente coluna no Segundo Caderno de O Globo, Tony Bellotto chama atenção para a contundente crônica que Gregório Duvivier publicou na Folha de São Paulo no dia 25 do corrente. Achei importante postá-la aqui:
Gregório Duvivier
O país e o armário
"Todo ano, um milhão de mulheres fazem aborto na França. Eu sou uma dessas mulheres. Eu abortei." O manifesto foi assinado por 343 mulheres e publicado no Nouvel Observateur, em 1971.
O Estado francês tinha duas opções: prender essas mulheres ou reconhecer que elas não fizeram nada de errado. O Estado não prenderia 343 mulheres. Ou melhor: não essas mulheres. Dentre as assinaturas, estavam as de Ariane Mnouchkine, Catherine Deneuve, Jeanne Moreau, Marguerite Duras. A redatora do manifesto era ninguém menos que Simone de Beauvoir. Não prenderam ninguém.
A esse manifesto, seguiram-se outros: 331 médicos assumiram-se a favor da causa. Na Alemanha, mais 374 mulheres assinaram um manifesto em que diziam: Wir haben abgetrieben. Nós abortamos. Entre as mulheres, Romy Schneider e Senta Berger. Em 1975 o aborto deixa de ser crime na França e passa a ser chamado de "interrupção voluntária de gravidez". A interrupção passa a ser "livre e gratuita" até a décima semana de gestação.
Estamos muito longe dessa lei por aqui. Nenhum dos candidatos a presidente parece interessado em discuti-la. Tampouco a classe artística está interessada em sair do armário nesse assunto.
O Brasil vai na direção oposta. É constrangedor ver todos os principais candidatos se estapeando pelo eleitorado conservador. Não se trata de propor mudanças, trata-se de vender apego à tradição. "Você me conhece, sabe que eu sou o que mais acredita em Deus, o que mais passou longe de dar a bunda, de cheirar pó, olhem só como a minha é filha virgem, olhem só como o meu filho é hétero." Todos estão desesperados pelo voto conservador. Estranhamente, ninguém está nem aí pro voto aborteiro.
Se as eleições, como anuncia o plantão da Globo, são a festa da democracia, essa festa, Dona Globo, está meio caída --ou fui eu que bebi pouco. Na minha opinião, tem pastor demais e maconha de menos. A maioria dos candidatos não fede nem cheira --a não ser um deles, que cheira.
Um amigo gay outro dia disse que "levantar bandeira é cafona e quem sai do armário é porque quer atenção". Amigo, tudo bem, ninguém é obrigado a sair do armário. Mas você não precisa trancar a porta por dentro.
Sair do armário não é um ato exibicionista. Levantar bandeira também não. O manifesto das 343 vagabundas, como ficou conhecido, não permitiu às manifestantes que elas fizessem um aborto. Elas já o tinham feito. Permitiu às suas filhas e netas.
Ateus, maconheiros, vagabundas, pederastas, sapatões e travestis do mundo: uni-vos. Porque o lado de lá tá bem juntinho.
4 comentários:
um mundo perfeito cheio de frases de autoajuda do facebook e ninguém é infeliz ninguém tem inveja ou deseja qualquer coisa do próximo e esta chegando a hora de mudar mas como com quem?? se o jogo parece viciado?? da um desânimo....
Concordo, mas faço uma ressalva: já que a hora é de abrir o armário (sempre foi, aliás: armário fechado causa fungo, prolifera as traças, aprisiona fantasmas, envelhece o tempo...) porque tocar ou apontar o dedo para um candidato, que supostamente sofre as agruras de uma doença (dependência química) de cocaína, sem apontar-lhe o nome?
É o medo? O medo combina com o ser humano e é a válvula de escape dos conservadores... Medo que se assemelha à covardia. Mas o Gregório Duvivier não me parece ser de jeito algum nem medroso ou covarde. Apenas esta ressalva. E ah, como o muro é pra tucanos, não fico em cima dele: sou eleitor de Dilma, apesar dos pesares do PT...
No mais, é isso aí.
Arsenio Meira Júnior
Demais! O Gregório Duvivier, com seu humor apuradíssimo, e inteligente que só ele, é o máximo!
Palmas!
Beijo, Cicero!
Deveras relevante esta sua postagem!
Pelos comentários que ocasionalmente leio em alguns posts no Facebook, telejornais que publicam notícias sobre polêmicas de beijos em novelas, noto que o brasileiro, em geral, é extremamente conservador ainda. O pior é que os comentários são superagressivos contra os telejornais que noticiam e contra as emissoras de televisão . Agressivos mesmo. É assustador. É uma população que sai a rua para protestar contra a corrupção , mas não está nem aí para o direito alheio. No fundo, ninguém está se lixando para a verdadeira democracia.
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