Templo
Para que as
Musas residentes lá no Olimpo
façam meus
poemas palavras que desejem,
eu que, à sombra
de um deus muito mais triste, habito
a fralda de
uma montanha muito mais verde,
declaro não
serem os versos que escrevo obras
de arte mas
bases, paredes e donaires
de templos
construídos com mãos e com sobras
de paixões,
mergulhos, fodas, livros, viagens
(precário
material com o qual é elaborado
tudo o que
merece aspirar a eterna glória)
e -- ainda
com os seus andaimes -- os consagro
a elas, às
filhas alegres da Memória,
deusa que não
é, como querem crer os néscios,
a guardiã do
passado, com o qual pouco
se importa,
mas antes a que nos oferece o
esquecimento
quando canta o imorredouro.
CICERO, Antonio. "Templo". In:_____. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996.
4 comentários:
belo poema, para fazer a gente lembrar qual " valor maior se alevanta " sob as ruínas e os esquecimentos.
Li e reli muitas vezes este poema nos últimos dias e o acho lindíssimo. Entretanto, queria compreender o que você quis dizer com o "esquecimento" que a Memória nos oferece. Enquanto ela canta o imorredouro nos esquecemos de quê? Do presente, talvez? Desculpe, acho que sou o néscio da última estrofe.
Caro Lucas Andrade,
acho que respondo a sua pergunta no artigo que acabo de postar aqui no blog: http://antoniocicero.blogspot.com/2020/10/antonio-cicero-as-musas-memoria-e-o.html.
Obrigado. Quanto ao artigo, nestes tempos em que aplicativos escolhem o nosso trajeto de volta pra casa ou o que comeremos pro almoço, sinto também que essas coisas que teoricamente deixam a vida mais fácil nos conduzem para longe de um norte, talvez do que dê sentido à vida. Gostei muito.
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