9.1.17

Horácio: Ode III.i: trad. Pedro Braga Falcão




III.i

Odeio o vulgo profano, e mantenho-o longe;
guardai um silêncio sagrado: como sacerdote
das musas para virgens e rapazes odes
nunca antes ouvidas canto.

Os temíveis reis dominam o seu povo,
Júpiter governa esses mesmos reis,
ele, glorioso no triunfo sobre os Gigantes,
com sua sobrancelha tudo fazendo mover.

Pode até ser que um homem nos sulcos suas árvores
disponha mais vastamente que outro; que um candidato,
de sangue mais nobre, até ao Campo desça,
adversário de um outro melhor no carácter

e na reputação; que outro homem um maior séquito tenha
de clientes; a Necessidade contudo, com imparcial lei,
a sorte dos grados e dos humildes tira:
a vasta urna agita o nome de todos.

Àquele sobre cujo ímpio pescoço pende
a nua espada, não mais os sicilianos festins
doces sabores lhe requintarão,
nem o canto das aves e da cítara

lhe trará o sono. O suave sono não despreza
as humildes casas dos homens do campo,
nem as umbrosas margens de um rio,
nem Tempe agitada pelos Zéfiros.

Quem mais do que o suficiente não deseja,
não o inquieta o revolto mar, nem o feroz
ataque do poente Arcturo,
nem os Cabritos quando surgem,

nem as vinhas pelo granizo zurzidas, nem a traiçoeira
quinta, quando a árvore se queixa ora das águas,
ora das estrelas que queimam os campos,
ora dos iníquos invernos.

Sentem os peixes que o mar se aperta quando à água
enormes pedras são lançadas; para aqui repetidamente
arremessa o empreiteiro com seus escravos
o formigão, e o senhor farto de terra:

mas o Medo e as Ameaçasscalam por onde
o patrão trepa, e a negra Inquietude a sua posição
na trirreme de bronze não abandona,
postando-se atrás do cavaleiro.

Mas se nem o mármore frígio, nem as vestes de púrpura,
brilhando mais que uma estrela, nem a vinha
de Falemo e o costo de Aquémenes
podem valer aquele que sofre,

porque hei-de erigir, em novo e sublime estilo,
um átrio com invejandas portas?
Porque hei-de trocar o meu vale sabino
por mais laboriosas riquezas?



III.i

Odi profanum volgus et arceo.  
favete linguis: carmina non prius      
audita Musarum sacerdos          
virginibus puerisque canto.  

regum timendorum in proprios greges,  
reges in ipsos imperium est Iovis,      
clari Giganteo triumpho,          
cuncta supercilio moventis.  

est ut viro vir latius ordinet  
arbusta sulcis, hic generosior      
descendat in campum petitor,          
moribus hic meliorque fama  

contendat, illi turba clientium  
sit maior: aequa lege Necessitas      
sortitur insignis et imos,          
omne capax movet urna nomen.  

destrictus ensis cui super inpia  
cervice pendet, non Siculae dapes      
dulcem elaborabunt saporem,          
non avium citharaeque cantus    

somnum reducent: somnus agrestium  
lenis virorum non humilis domos       
fastidit umbrosamque ripam,          
non Zephyris agitata tempe.  

desiderantem quod satis est neque  
tumultuosum sollicitat mare      
nec saevus Arcturi cadentis          
impetus aut orientis Haedi,  

non verberatae grandine vineae  
fundusque mendax, arbore nunc aquas      
culpante, nunc torrentia agros          
sidera, nunc hiemes iniquas.  

contracta pisces aequora sentiunt  
iactis in altum molibus: huc frequens      
caementa demittit redemptor          
cum famulis dominusque terrae  

fastidiosus; sed Timor et Minae  
scandunt eodem quo dominus, neque      
decedit aerata triremi et         
post equitem sedet atra Cura.  

quodsi dolentem nec Phrygius lapis  
nec purpurarum sidere clarior      
delenit usus nec Falerna         
vitis Achaemeniumque costum, 

cur invidendis postibus et novo  
sublime ritu moliar atrium?      
cur valle permutem Sabina          
divitias operosiores?   



HORÁCIO. Odes. Trad. Pedro Braga Falcão. Lisboa: Cotovia, 2008.

HORATIUS Flaccus, Q. Opera. E.C. Wickham e H.W. Garrott (orgs.).  Oxford: Oxford Classical Texts, 1912.



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