A liberdade comanda
‘Babilônia’ tira tarja preta de um tipo de relação humana entre muitas outras possíveis. Gays estão em todos os estratos
Foi no Teatro Jovem, uma sala minúscula no canto da Praia de Botafogo, que vi Nathalia Timberg pela primeira vez. Nathalia foi a Antígona dos meus 20 anos. Lembro-me dela, jovem e bela, as mãos espalmadas para o alto, dizendo algo como “com as minhas unhas quebradas e as mãos sujas de terra, eu sou rainha e você, Creonte, o rei, é um escravo que só pode me condenar à morte”. A jovem princesa tebana, selvagem filha de Édipo, desafiava o poder, era a imagem mesma da rebeldia. Quando escrevi meu primeiro livro sobre a rebelião das mulheres, pensei em dedicá-lo a Nathalia que, sem saber, com seu talento de intérprete, plantara em mim essa imagem da ousadia e da coragem.
Fernanda Montenegro foi a Simone de Beauvoir da minha idade madura. Noites seguidas assisti à peça “Viver sem tempos mortos”, a história de Simone na voz de Fernanda. Terminada a encenação, eu fazia um comentário sobre a autora e abria-se um debate com a plateia. Durante meses ouvi Fernanda repetir com a mágica que têm as entonações precisas dessa formidável atriz: “A liberdade comanda, ela não obedece”. A cada vez eu concordava com ela.
Nathalia e Fernanda são mulheres luminosas, trajetórias impecáveis de talento, dignidade e honestidade. Elas são o melhor do Brasil, patrimônio da nossa arte, ainda mais preciosas e exemplares neste momento em que a política chafurda o país na mentira e na intolerância. Hoje, aos 85 anos, elas estão em cena na novela “Babilônia” vivendo duas idosas que mantêm uma relação amorosa estável há mais de 40 anos.
Os personagens de Estela e Teresa estão provocando a ira de pastores de fancaria e outros moralistas de todo gênero, que esbravejam em nome da defesa da moral e da família. Houve notas de protesto contra o erotismo das senhoras. O tom nas redes sociais deslizou para a brutalidade vulgar. Nem a pessoa das atrizes foi poupada.
O que chocou tanto essas pessoas? Ignoram, vivendo no Brasil e não no Estado Islâmico, no ano de 2015, que os direitos de casais homossexuais são reconhecidos pela lei brasileira, assim como na grande maioria dos países civilizados? São numerosos e, vivendo abertamente suas vidas amorosas e familiares, vão saindo progressivamente de um lugar de negação e vergonha, de não eu, em que a hipocrisia da maioria os colocava, para afirmar um outro eu. Denunciam assim, a intolerância à alteridade, que nos leva a ver o nada no que não nos reflete e descreve o diferente como ausente.
Pessoas que eram definidas de maneira negativa e patológica — e, humilhadas, se autodefiniam assim — passaram a se afirmar, a encarnar um código próprio, expondo e legitimando uma possibilidade existencial outra. Iluminaram as zonas de sombra e proibição onde, desde sempre, se escondia o lado “inconfessável” da sociedade. O que se vê, agora, não é nada extraordinário, é a mesma realidade de carinho, apoio mútuo e também desavenças, encontros e desencontros em que todos os casais se reconhecem. É essa banalidade dos personagens de Estela e Teresa que desmonta os interditos e maldições que pesam sobre os casais do mesmo sexo.
A dramaturgia de “Babilônia” tira a tarja preta de um tipo de relação humana entre muitas outras possíveis. Os gays estão em todos os estratos sociais, etnias e religiões. Por que ainda assustam e despertam tanta agressividade? Fica claro que a patologia não está neles nem em suas vidas. Está em quem derrama o veneno do ódio sobre o amor alheio. O Papa declarou: “Quem sou eu para julgar?”
Além do preconceito contra homossexuais, nos ataques às personagens Estela e Teresa se manifesta outro preconceito, contra a sexualidade dos idosos sobre a qual ainda pesa um silencio constrangido ou a acusação de despudor. Mais que a decadência das formas é o olhar dos outros, condenatório, que proíbe aos corpos envelhecidos, sujeitos à impiedosa escultura do tempo, o alumbramento diante da vida. Felizmente, o ardor resiste, já que é feito de matéria não perecível. Quem não se reconhece nas fotos, se reconhece nas emoções que persistem e que são vividas na alegria. Queiram ou não, os que digerem mal a liberdade.
Quem já foi Antígona, quem já foi Simone de Beauvoir, na certa não teme representar nenhum papel. Não são as novelas que mudam a sociedade, é a sociedade que já mudou que dá veracidade às novelas. A sociedade brasileira muda para melhor quando, em todos os planos, quer a verdade. De nada adianta políticos canastrões, campeões da hipocrisia, desarquivarem projetos de lei anacrônicos. A liberdade comanda, ela não obedece.
Rosiska Darcy de Oliveira
rosiska.darcy@uol.com.br
5 comentários:
Como faço para mandar textos para você Eucanaã? Queria te mandar uns poemas meus. Meu contato: duarteazul@hotmail.com - Edson Costa Duarte
Edson,
Para saber como enviar textos para o Eucanaã, você tem que se dirigir a ele. O e-mail dele é: correio@eucanaaferraz.com.br.
Antônio Cícero, eu me confundi (acho que olhei o nome do Eucanaã na foto quando esta escrevendo meu comentário). O que eu gostaria era de mandar meus textos para você. Desculpe a confusão. Sou totalmente atrapalhado. Penso em muitas coisas ao mesmo tempo. E dou essas gafes. Saudações cordiais. Edson.
I
Infinita saudadinha
de você.
Estou, desde ontens
desaguando rumo a ti.
Feito um fino
veio d´água.
São poeminhas assim que queria te mandar.
Edson,
envie os textos para acicero@uol.com.br
Abraço
ola pessoal sou gaby tenho 18 anos e escrevo poesias adoro escrever isso me conecta a um novo mundo onde tudo e todos sao puras palavras poeticas bom adoraria trabalhar profissionalmente com poesias deixo aqui abaixo meu contato e um exenplo da minha poesia 011942340382 exenplo: o amor e uma coisa rara coisas que so uma pessoa feliz saberia explicar sao coisas que sinplismente se conpletam quando se juntam em uma so alma ou vida... bom bjs pessoal
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