Ponto cego (da força e da fraqueza de nosso tempo)
“Quem somos?” –
perguntam aos poemas
em busca de uma resposta
que complete a pergunta,
sobrepondo uma, sem falta
nem excesso, à outra.
Mas os poemas repetidamente
respondem que somos
aquilo em que nos perdemos
ao buscarmos encontrar
o que acreditamos ser.
Se insistirem, portanto,
em perguntar aos poemas
de buscas, encontros, crenças...
se insistirem, portanto, em saber
a voz dos poemas, saibam que,
de diferentes modos, eles só dizem
o que não se busca nem se encontra,
a perdição, o fim das crenças,
oque não se oferece a nenhuma frase,
nem mesmo mais a nenhum verso.
Há um ponto cego nos poemas,
como há um ponto cego na vida,
não visto por mim nem por você
nem por ninguém, desde o qual
eles são o que são, um ponto cego
que somente os poemas – talvez –
nem sei – vejam. Se insistirem,
portanto, no trato com os poemas,
se de fato quiserem permanecer
com eles, sejam, ainda que os últimos
afeitos a tal empenho, fortes,
porque quase todos os outros
– sinal dos tempos – os abandonaram.
PUCHEU, Alberto. “Ponto cego (da força e da fraqueza de nosso tempo)”. In: Mais cotidiano que o cotidiano. Rio de Janeiro: Azougue, 2013.
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