25.11.12

W.H. Auden: sobre o poeta e as palavras







Um poeta é, antes de qualquer outra coisa, uma pessoa que ama apaixonadamente a linguagem. Se tal amor é sinal de seu dom poético ou é o próprio dom -- pois a paixão é algo dado, e não escolhido -- não sei, mas é certamente o sinal pelo qual se reconhece se um jovem é potencialmente poeta ou não.

"Por que você quer escrever poesia?" Se o jovem responde: "Tenho coisas importantes a dizer", então não é um poeta. Se responde: "Gosto de curtir as palavras, ouvindo o que elas têm a dizer", então talvez se torne um poeta.





AUDEN, W.H. “Squares and oblongs”. In: ARNHEIM, Rudolf; AUDEN, W.H.; SHAPIRO, Karl; STAUFFER, Donald A. Poets at work. Introdução de Charles A. Abbott. New York: Hartcourt, Brace and Company, 1948, p.170.

4 comentários:

Serpente Angel disse...

Olá, eu sempre visito o teu espaço (eu tenho certeza) que não sou poeta, mas eu gosto de "curtir" palavras. E as que aqui encontro são maravilhosas. Um celeiro de muito talento e bom gosto. Parabéns.

Alcione disse...

Eu

Qualquer dia
Em que poesia
Serei teu
Em qual navio corsário
Duplicante amante
Um estudo de conteúdo
Estético
No fio milimétrico
Da pele, cama sutra,
Suspensa e turva
Espaço vário
Eu, quem sou eu,
Serei esse vento
Todo seu
(serei) esse invento
Prometeu
Assim como as flores
Assim como as dores
Florescem, crescem,
E jamais esquecem.

João Renato disse...

Cícero,
Eu estava com um poema meio engasgado, mas essa postagem do Auden desentalou ele.


"esmero"

Eu agradeço
aos pais latinos (e ao tio galego)
pelo vocábulo elegante
que criaram e limparam,
ofertando-o de herança
ao idioma português,
para dizermos
capricho, requinte, apuro, asseio...

Eu amo "esmero".

Esmero é palavra sucinta e clara;

começa leve no som do primeiro "ê",

e logo o repete,
suave, na segunda sílaba,
como um eco,

mas já no "ô" final
se cala

(breve, negou o exagerado "a",
o ferino "i" e o "u" macabro).

Repita baixinho comigo:
"es me ro"

Note que ela também vetou
as explosões consonantais:

primeiro, é um "sssss",
soprado como quem pede
silêncio,

depois, um curto "mmm",
que nasce nasal,
mas quer ser livre nos lábios,

e, quase ao final,
um mínimo "erre";

mas é o "erre" menos gutural
de toda a fonética;
é só um toque,
- o toque da língua raspando a ponta do palato.

Repita novamente, agora:

"es - me - ro"

Percebes também que a tônica, partindo-a no meio,
lhe dá a nuance musical de um prelúdio suave?

"essss - mÊÊÊÊ - ro"

Pois é,
- esmero - não deveria,
jamais,
trajar maiúsculas,
e merecia ser dita,
sempre,
em voz baixa,

e pausadamente,
como um fauno esperto,
amando à noite,
confessa no ouvido da amante
um vício secreto
(e pede).

Agora, faça no ar o gesto de escrevê-la à mão:

esmero

e observe como o dedo pintaria
em teu mural imaginário
uma trilha sinuosa e sensual,
repleta de mistério e floreios femininos,
contrariando mesmo o gênero
que lhe atribui a gramática oficial.

Talvez por isto,
a palavra esmero conceda à ação do verbo
um certo predicado de carinho, paciência e dedicação
mais próprias do cuidado materno,
qualidades raras no mundo moderno,
utilitário, descartável e monetário
como um turbilhão.

Também adoro
a palavra "turbilhão",
mas por outros motivos...

Nina Araújo disse...

Antonio Cicero, que emoção tive ao ler estas palavras de W.H.Auden ...que coisa rica! Eu fiz uma letra que virou canção pelas mãos de Celia Vaz e diz assim;

Poema

Poema
Pra compor um poema
é preciso tremer a mão
ter o corpo suspenso
por ardilosa paixão
vasculhar a janela
a cata do corriqueiro
a avidez de donzela
o faro do cão perdigueiro
pra compor um poema
é mister o voo alto
combinando o salto
e asas de um avião
e sentir-se medonha
insone das pernas bambas
uma boca tamanha
pra comer a ilusão
pra compor um poema
é preciso paixão
e uma boca tamanha
pra comer a ilusão


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