3.3.18

Eugénio de Andrade: "Soneto"



Soneto

Amor desta tarde que arrefeceu
as mãos e os olhos que te dei;
amor exacto, vivo, desenhado
a fogo, onde eu próprio me queimei;

amor que me destrói e destruiu
a fria arquitectura desta tarde
– só a ti canto, que nem eu já sei
outra forma de ser e de encontrar-me.

Só a ti canto que não há razão
para que o frio que me queima os olhos
me trespasse e me suba ao coração;

só a ti canto, que não há desastre
de onde não possa ainda erguer-me
para encontrar de novo a tua face.



ANDRADE, Eugénio de. "Soneto". In:_____. "Os amantes sem dinheiro". In:_____. Primeiros poemas, As mãos e os frutos, Os amantes sem dinheiro. Vila Nova de Famalicão: Quase, 2006.

2 comentários:

bea disse...

É muito bonito o poema e todo o conjunto que pertence a "Os amantes sem dinheiro". Tudo que Eugénio escreveu tem marca de água. Mesmo se em prosa. Tudo.

Paulo Gervais disse...

lembranças de camões, e nas águas, o sal do atlântico...